Em
entrevista quando esteve no Brasil em 2014 o dramaturgo canadense de Quebec Robert
Lepage (1957-) comentou que procura fazer espetáculos que tenham duas
histórias: uma com H maiúsculo (universal) e outra com h minúsculo cujo tema
cotidiano/familiar seja uma porta para o espectador melhor compreender a
primeira. Nota-se igual procedimento no libanês Wajdi Mouawad também radicado
em Quebec (1968-) tanto em Incêndios; onde H era a guerra (provavelmente do
Líbano) e suas consequências, e h o drama familiar da protagonista Nawal; como
em Céus onde H é o terrorismo e h os dramas privados das cinco pessoas
confinadas em missão secreta em um bunker com o objetivo de detectar onde e
quando poderão ocorrer ataques terroristas. Mouawad lida bem com o mistério e o
suspense que são desvendados sempre ao final da trama, mantendo o interesse do
espectador em suas mãos.
O
cenário bastante simples de Fernando Mello da Costa consta de uma grande mesa
com computadores onde se desenvolve a trama H, enquanto as histórias h são
feitas sobre uma cama que entra e sai de cena e que representa o privado, o
pessoal das personagens e suas relações com o mundo exterior. São quatro homens
e uma mulher, além da citação de um sexto componente que cometeu suicídio. A
descoberta das razões do suicídio, a agitação e a urgência de procurar por
futuros ataques, além dos dramas pessoais de cada um são as molas propulsoras
deste bem urdido drama de Mouawad.
Espetáculo
desse tipo necessita de bons atores capazes de darem conta tanto de H como de h
e o diretor Aderbal Freire Filho soube escolher o elenco como também focar toda
a sua direção no mesmo. Iluminação (Maneco Quinderé) e figurinos (Antônio
Medeiros) bastante discretos, como exige a encenação; além das poderosas
projeções (Radiográfico) embaladas pela potente trilha sonora de Tato Taborda.
Felipe
de Caroli desempenha o jovem criptógrafo Clément que irá tentar decodificar as
informações contidas no computador de Valery (o suicida) e é responsável por
longo discurso onde se desvenda o mistério da morte de Valery, os outros
integrantes masculinos do grupo são Marco Antônio Pâmio, Rodrigo Pandolfo e
Isaac Bernat todos em excelentes intervenções. A personagem feminina Dolorosa
Haché é bem representada por Karen Coelho.
O
mais que grito, na verdade um urro dilacerante que encerra a peça é assim
descrito pelo autor: “... me dei conta de maneira monstruosa o quanto ele
estava há muito tempo calado dentro de mim. De sofrimento em sofrimento, ele
tinha se sedimentado sob a camada opaca das razões e das aceitações, na
resignação das tristezas que nos tira a coragem para viver o dia seguinte”. O
som dessa voz ecoa por toda a plateia deixando o espectador atordoado mesmo
depois que as luzes da plateia se acendem.
Céus não é uma peça fácil. Trata de assuntos contemporâneos graves e tem desfecho há
anos luz de um happy end, mas é muito necessária para se refletir sobre os
tempos cruéis em que vivemos.
Louve-se
a iniciativa do produtor e idealizador do projeto Felipe de Carolis de trazer
para o Brasil a obra tão importante de Wadji Mouawad.
A
peça é o marco inicial da nova curadoria do Teatro Vivo feita por André Acioli.
O teatro deve passar por reformas modernizadoras no início de 2018.
CÉUS
está em cartaz às sextas (20h), sábados (21h) e domingos (18h) no Teatro Vivo
até 10/12/2017. NÃO DEIXE DE VER.
31/10/2017
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