RAPSODOS CANTAM ANTROPOFÁGICA
É gratificante para quem acompanha a cena
paulistana ver o amadurecimento e a evolução de um grupo teatral. Não faz muito
tempo que acompanho os espetáculos da Companhia
Antropofágica; assisti à Trilogia
Terror e Miséria no Novo Mundo,
me surpreendi com o excelente Desterrados
e agora mais uma vez me surpreendo com o novo espetáculo do grupo Opus XV.
Trata-se
quase de uma retrospectiva dos trabalhos do grupo, onde “antropofagizam” (não
sei se existe o verbo) várias obras (O
Rei da Vela de Oswald de Andrade, A
Classe Morta de Tadeusz Kantor, Veridiana
de Luis Buñuel, 2001, Uma Odisseia no
Espaço de Stanley Kubrick e até um trecho belíssimo de Solo de Clarineta de Érico Veríssimo) e a eles mesmos, porque
várias desses atos antropofágicos já foram feitos em outros espetáculos.
O
espetáculo dirigido por Thiago Reis Vasconcelos não esquece em nenhum momento
de denunciar as mazelas deste Brasil corrupto, nem do caos da
contemporaneidade, mas o faz de maneira multiface, deixando para o espectador a
decisão de que lado ficar. A encenação é visualmente bonita auxiliada pela
criativa iluminação de Rafael Frederico e Renata Adrianna e pela nova
disposição do espaço agora com poltronas mais confortáveis doadas pela nova
gestão da SATED.
O
prólogo é realizado na sala de espera do teatro e consta de uma significativa
cena do primeiro ato de O Rei da Vela,
onde o cliente Pitanga (Marta Guijarro, sempre ótima) vai solicitar uma redução
no capital que deve ao agiota Abelardo; segue-se uma cena de conjunto onde Fabi
Ribeiro interpreta o texto de Veríssimo que, a meu ver, serve como um manifesto
do grupo; texto tão importante que o reproduzo abaixo:
“Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me
animado até hoje a ideia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época
de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, trazer luz
sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão,
propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a
despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos
nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como
um sinal de que não desertamos nosso posto”.
Uma vez deslocado para o espaço cênico o
espectador se depara com o elenco desnudo dando uma pequena biografia e o tempo
em que está na companhia. Segue-se um caleidoscópio visual e sonoro que inclui cenas
de canto coral numa formação de orquestra cuja composição cênica remete à
estética de Kantor (que exerce grande influência no grupo), muita música sob a
ótima direção musical de Lucas Vasconcelos, pantomimas, bonecos e até um número
de dança em um espetáculo formado de quadros/fragmentos que lembra o formato do
teatro de revistas e aqui batizado (apropriadamente, diga-se de passagem) de
rapsódia.
O numeroso elenco é coeso cantando muito
bem (preparados por Bruno Mota e pela sempre bem vinda Iraci Tomiato do Engenho
Teatral) e interpretando melhor ainda os diversos personagens/tipos que lhe
cabe.
Sabiamente a peça se encerra com o mesmo
texto de Érico Veríssimo que abre o espetáculo.
OPUS XV dura quase duas horas que passam
voando. É espetáculo obrigatório para quem ama e acompanha o teatro de grupo
realizado em São Paulo. Quem assistir vai testemunhar a maturidade da Companhia Antropofágica que
ainda vai continuar nos surpreendendo com seu novo projeto D.E.T.O.X. (Devising Experimental de Toxicologia do Objeto X). OBS:
Não entendo por que o título em inglês.
OPUS XV está em cartaz no Espaço
Pyndorama (Rua Turiassú, 481) até 22 de abril, às sextas e aos sábados às 21h e
aos domingos às 19h. Entrada gratuita. Mais informações: 3871-0373/contato@antropofagica.com
26/03/2018
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