quinta-feira, 17 de outubro de 2019

A GAIVOTA - HOMENAGEM AO CHICO MEDEIROS


        Esta é uma homenagem ao querido Chiquinho Medeiros, falecido em 16/10/2019 e velado no dia de hoje sob forte emoção no solo sagrado do Teatro de Arena. Debaixo de fortes aplausos Chiquinho partiu dali para sua morada definitiva.
        O texto abaixo (de 2012) foi escrito para a minha dissertação de mestrado e está presente em meu livro; nele eu exalto uma das encenações mais significativas a que assisti em minha vida de espectador.
        As fotos foram um presente que recebi de outro querido, Oswaldinho Mendes, que também fazia parte do elenco dessa inesquecível montagem.
 
 
A GAIVOTA
 
        Ficha técnica conforme apresentada no programa:
 
        Texto: Anton Tchekhov. Tradução: Tatiana Belinky. Direção: Francisco Medeiros. Assistente: Nilton Bicudo.
         Elenco: Walderez de Barros, Marco Ricca, Mayara Magri, Genezio de Barros, Maria Letícia, Oswaldo Mendes, Bri Fiocca, Nilton Bicudo, Ricardo Homuth, Luiz Carlos Rossi e Cacá Soares.
        Cenografia e figurinos: J.C.Serroni. Cenógrafo assistente: Gustavo Siqueira Lanfranchi. Figurinista assistente: Telumi Helen Yamanaka. Iluminação: Wagner Freire. Assistente: Ari Nagô. Trilha sonora: Zero Freitas e Márcio Ribeiro. Preparação corporal: Fernando Lee. Fotos: Lenise Pinheiro. Programação gráfica: Ishiki Comunicação. Cenotécnico: Chimanski. Confecção de adereços: Telumi Helen Yamanaka. Confecção das gaivotas: Juvenal Irene dos Santos. Costureiras: Cida de Paula e Rosa Vieira Lima. Operador de luz: Ari Nagô. Operadora de som: Roberta Serrettielo. Direção de cena: Vlady.
        Direção de produção: Bel Gomes. Produtora assistente: Guga Pacheco. Divulgação: Textos e Ideias. Administração: Maria Antônia Silva e Paulo Jordão. Produção: Marco Ricca e Cia. do Bixiga.
        A peça estreou no dia 16 de maio de 1994, na Sala Porão do Centro Cultural São Paulo.
 
        Este foi o melhor aproveitamento que eu presenciei do ingrato porão do Centro Cultural São Paulo, atualmente denominado Espaço Ademar Guerra. Entrava-se no espaço ao som do Concerto nº 2 para piano e orquestra de Sergei Rachmaninov (1873-1943), contemporâneo e conterrâneo de Tchekhov (1860-1904), música que iria pontuar todo o espetáculo e que, mesmo sem ter sido escrita para ele, foi a trilha sonora perfeita para as desventuras de Treplev, o trágico herói tchekhoviano. Com os ouvidos já sensibilizados, chegava o momento de encantar o olhar com o belíssimo cenário de J.C. Serroni, reproduzindo “Um trecho do parque na propriedade de Sorin”, como pede Tchekhov nas rubricas da peça. Assim, mesmo antes do início do espetáculo, o espectador já estava aclimatado e predisposto para o que iria acontecer após o terceiro sinal.
        O texto é uma absoluta obra-prima e teve uma tradução primorosa, pelas mãos competentes de Tatiana Belinky, que infelizmente não foi publicada. Obra tão preciosa e delicada, merecia tratamento à altura, e Francisco Medeiros soube fazê-lo, criando um espetáculo belíssimo e sensível. Esse foi meu primeiro contato com uma encenação de A Gaivota. Houve outras, uma dirigida por Daniela Thomas em 1998 com Fernanda Montenegro, e outra que era uma eficiente desconstrução da peça dirigida por Enrique Diaz em 2007, mas nenhuma alcançou a densidade poética conseguida por Medeiros, e é ela que merece um lugar muito especial em minhas memórias de espectador.
 
 
        Texto, cenário, música, iluminação perfeitos, regidos por uma excelente direção de cena. E o elenco? Aqui a memória criou uma armadilha. Tenho lembrança da forte presença de Walderez de Barros compondo uma vigorosa Arkádina, do sempre eficiente Genezio de Barros como Trigorin, da atuação iluminada do jovem Marco Ricca como Treplev e da competência dos outros atores do vasto elenco. A questão é a atuação de Mayara Magri como Nina, personagem que personifica a metáfora da gaivota do título. Tenho essa atuação como o ponto fraco do espetáculo, mas não chegando a comprometê-lo. De qualquer maneira, perante o resto do elenco o seu trabalho era o mais fraco. Nelson de Sá foi implacável em sua crítica publicada em Folha de S. Paulo:
        O destaque para baixo (no elenco) é Mayara Magri, que chega a dar a impressão de só haver sido escalada porque a personagem diz ter consciência de "estar representando verdadeiramente mal". Fora a brincadeira, a atriz não consegue, em momento algum, refletir a pureza, a imagem de uma gaivota morta em seu voo. Sem a imagem de Nina e sua paixão juvenil pelos artistas, a ponto de confundir a glória com a fama, um dos temas tocados pela peça, A Gaivota perde muito, mas muito mesmo. Nina, por Mayara Magri, não parece um anjo caído, mas uma menina que já começou na futilidade e daí terminou como bem merecia.”
        Sem radicalizar como o crítico, esses senões não maculavam a bela encenação de Medeiros, que refletia muito bem o universo do dramaturgo russo e as questões por ele levantadas, como o confronto entre uma arte conservadora (representada por Arkádina), considerada ultrapassada pelos mais jovens (Treplev), e uma arte jovem (representada por Treplev), incompreendida e rejeitada pelos mais velhos (Arkádina e Trigorin). Quem está com a razão? A arte não tem fronteiras, ela existe como tal, enquanto for feita com verdade e paixão. Era essa a proposta do belíssimo espetáculo de Francisco Medeiros, planejado nos mínimos detalhes, como, por exemplo, o intervalo que durava exatamente os 12 minutos do adagio sostenuto (segundo movimento do já citado concerto de Rachmaninov) e durante o qual se podia percorrer as planícies russas criadas por Serroni para o espetáculo. Sempre que ouço esse movimento do concerto, me transporto para o ambiente criado pelo cenógrafo, fazendo uma significativa soma das memórias auditiva e visual.
        Uma curiosidade final: a peça iniciou a sua temporada quando a moeda era o cruzeiro (a Cr$ 6000,00 o ingresso) e terminou com o real já corrente (a R$ 4,40 o ingresso), pois foi nesse período que foi implantado o Plano Real, tendo como objetivo a estabilização econômica. A nova moeda foi lançada no dia 01/07/1994.
 
TCHAU, CHICO!
 
        17/10/2019
 

2 comentários:

  1. Concordo com você: foi a mais bela montagem d'A Gaivota que eu vi. Assisti as que você menciona e mais uma, amadora. Nenhuma chegou aos pés da obra-prima do Chiquinho Medeiros.

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  2. Queria muito saber sobre onde encontrar essa tradução da Tatiana. Sabe me dizer onde consigo localizar para comprar?

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