Na
noite em que assisti a O Beijo no Asfalto,
o diretor Bruno Perillo me perguntou sobre outras montagens a que eu havia
assistido dessa obra prima de Nelson Rodrigues e curiosamente nenhuma veio à
minha lembrança, provavelmente porque todas elas deveriam ter ficado naquela
zona cinzenta, ou seja, nem muito boa e nem muito ruim.
Fazendo uma pesquisa em meus arquivos descobri
que a primeira vez que a assisti foi em 1970 dirigida por Antonio Pedro em
produção do Teatro Oficina e talvez em função do tempo eu não tenho maiores
recordações da mesma. Obviamente não assisti à histórica montagem carioca de
1961 dirigida por Fernando Torres escrita por encomenda de Fernanda Montenegro
que interpretava Selminha.
1961
1970
Ao
que eu saiba nas décadas restantes do século XX ela não foi montada em São
Paulo, recebendo, porém, uma dezena de encenações nas primeiras décadas do novo
milênio das quais vi apenas duas vindas ambas do Rio de Janeiro, a primeira em
2001 dirigida por Marcus Alvisi e a outra, uma equivocadíssima versão musical
dirigida por João Fonseca com passagem relâmpago por aqui em 2018. Por razões
diversas nada de memorável restou dessas montagens, sendo que minha maior
referência sobre a obra é o texto em si e o magnífico e surpreendente filme
dirigido por Murilo Benício em 2017.
2017 (filme)
Tudo
isso para escrever que a montagem de Perillo é a mais significativa a que
assisti desse que junto com A Falecida
é um dos melhores textos de Nelson Rodrigues; ele é enxuto e tem curva
dramática perfeita com a revelação final soando sempre surpreendente, mesmo
para aqueles que conhecem a peça e o seu desfecho. Apesar de certos ares de
preconceito em relação ao homossexualismo, a peça toca em pontos importantes
como a criação de fake news em favor
da venda de notícias e a violência da polícia com pessoas inocentes. Nada mais
atual para os dias de hoje.
A
montagem de Perillo também é enxuta contando com recursos precisos como a cenografia
(Marisa Bentivegna), os figurinos (Anne Cerruti), a bela iluminação (Aline
Santini) e a trilha sonora (Dr. Morris) para contar na íntegra o texto do
grande dramaturgo. Os faróis de automóvel ao fundo e a presença dos atores no
palco mesmo quando não estão em cena são detalhes que valorizam a encenação.
Um
bom elenco e a perfeita adequação ator/personagem são essenciais para as peças
de Nelson Rodrigues onde convivem o drama, o melodrama, o humor e a tragédia em
um balanço que um mau intérprete pode desfazer.
Amado
Ribeiro, umas das personagens mais grotescas do universo rodrigueano é
interpretado com equilíbrio por Roberto Audio. Com um pouco mais de histrionice
Heitor Goldflus interpreta o detestável Delegado Cunha. Valdir Rivaben reforça
as cenas de humor como o não menos detestável Aruba e também como o colega de
trabalho Werneck. Completa a turma dos detestáveis, Lucas Lentini como o
Comissário Barros e o outro colega de trabalho Pimentel.
O
protagonista Arandir é interpretado com equilíbrio por Anderson Negreiros e
Mauro Schames tem bons momentos como o amargurado Aprígio.
No
elenco feminino, Rita Pisano é Selminha, Natalia Gonsales é Dália e Angela
Ribeiro se encarrega de três papeis: Dona Matilde, Secretaria e Viúva.
Curiosamente as três atrizes, a meu modo de ver, tiveram gestos e vozes
exagerados tendendo a interpretações expressionistas no primeiro ato da peça,
algo que se equilibrou e se harmonizou com as interpretações masculinas nos
atos seguintes.
O
BEIJO NO ASFALTO está em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental às quartas e quintas
às 21h até 12 de dezembro. NÃO DEIXE DE VER.
22/11/2019
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