sexta-feira, 22 de novembro de 2019

O BEIJO NO ASFALTO



        Na noite em que assisti a O Beijo no Asfalto, o diretor Bruno Perillo me perguntou sobre outras montagens a que eu havia assistido dessa obra prima de Nelson Rodrigues e curiosamente nenhuma veio à minha lembrança, provavelmente porque todas elas deveriam ter ficado naquela zona cinzenta, ou seja, nem muito boa e nem muito ruim.
         Fazendo uma pesquisa em meus arquivos descobri que a primeira vez que a assisti foi em 1970 dirigida por Antonio Pedro em produção do Teatro Oficina e talvez em função do tempo eu não tenho maiores recordações da mesma. Obviamente não assisti à histórica montagem carioca de 1961 dirigida por Fernando Torres escrita por encomenda de Fernanda Montenegro que interpretava Selminha.
 
1961
 
1970
 
        Ao que eu saiba nas décadas restantes do século XX ela não foi montada em São Paulo, recebendo, porém, uma dezena de encenações nas primeiras décadas do novo milênio das quais vi apenas duas vindas ambas do Rio de Janeiro, a primeira em 2001 dirigida por Marcus Alvisi e a outra, uma equivocadíssima versão musical dirigida por João Fonseca com passagem relâmpago por aqui em 2018. Por razões diversas nada de memorável restou dessas montagens, sendo que minha maior referência sobre a obra é o texto em si e o magnífico e surpreendente filme dirigido por Murilo Benício em 2017.
 
2017 (filme)

        Tudo isso para escrever que a montagem de Perillo é a mais significativa a que assisti desse que junto com A Falecida é um dos melhores textos de Nelson Rodrigues; ele é enxuto e tem curva dramática perfeita com a revelação final soando sempre surpreendente, mesmo para aqueles que conhecem a peça e o seu desfecho. Apesar de certos ares de preconceito em relação ao homossexualismo, a peça toca em pontos importantes como a criação de fake news em favor da venda de notícias e a violência da polícia com pessoas inocentes. Nada mais atual para os dias de hoje.
        A montagem de Perillo também é enxuta contando com recursos precisos como a cenografia (Marisa Bentivegna), os figurinos (Anne Cerruti), a bela iluminação (Aline Santini) e a trilha sonora (Dr. Morris) para contar na íntegra o texto do grande dramaturgo. Os faróis de automóvel ao fundo e a presença dos atores no palco mesmo quando não estão em cena são detalhes que valorizam a encenação.
        Um bom elenco e a perfeita adequação ator/personagem são essenciais para as peças de Nelson Rodrigues onde convivem o drama, o melodrama, o humor e a tragédia em um balanço que um mau intérprete pode desfazer.
        Amado Ribeiro, umas das personagens mais grotescas do universo rodrigueano é interpretado com equilíbrio por Roberto Audio. Com um pouco mais de histrionice Heitor Goldflus interpreta o detestável Delegado Cunha. Valdir Rivaben reforça as cenas de humor como o não menos detestável Aruba e também como o colega de trabalho Werneck. Completa a turma dos detestáveis, Lucas Lentini como o Comissário Barros e o outro colega de trabalho Pimentel.
        O protagonista Arandir é interpretado com equilíbrio por Anderson Negreiros e Mauro Schames tem bons momentos como o amargurado Aprígio.
        No elenco feminino, Rita Pisano é Selminha, Natalia Gonsales é Dália e Angela Ribeiro se encarrega de três papeis: Dona Matilde, Secretaria e Viúva. Curiosamente as três atrizes, a meu modo de ver, tiveram gestos e vozes exagerados tendendo a interpretações expressionistas no primeiro ato da peça, algo que se equilibrou e se harmonizou com as interpretações masculinas nos atos seguintes.

        O BEIJO NO ASFALTO está em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental às quartas e quintas às 21h até 12 de dezembro. NÃO DEIXE DE VER.

        22/11/2019

 

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