Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(Álvaro de Campos)
Esses versos que abrem
o poema Tabacaria do heterônimo de
Fernando Pessoa servem de fecho ao solo de Ivam Cabral ora em cartaz na cidade.
E esse é um final com chave de ouro para espetáculo que durante sua hora de
duração mantém o espectador envolvido em uma aura de delicadeza e humanidade.
Como bom contador de
histórias, Ivam nos relata sobre sua infância em Ribeirão Claro no interior do
Paraná, sobre sua família humilde, seus irmãos “quase” todos com nomes
iniciados com “I” e sobre habitantes da cidade que circulavam pela igreja, pela
praça, pelo cafezal e pelo cemitério, paisagens essas que se presentificam aos
olhos do público tal o poder da palavra do ator. As narrativas sobre a
trajetória de um dos seus irmãos, da Jane e da Lila são tocantes e envolventes mantendo
os espectadores com lágrimas nos olhos durante toda a apresentação. E tudo isso
nos faz refletir sobre o famoso “E se?”. E se Jane não tivesse cometido aquele
ato acidental? E se Lila não tivesse vindo para São Paulo naquele verão? E se o
filho de Lila não tivesse nascido? Que rumos teria tomado o mundo? Tudo
acontece ao acaso? E o destino?...
Vestido com terno xadrez colorido
e gravata borboleta e forrando aos poucos o chão do palco com pétalas de rosa,
Ivam vai desfilando suas histórias permeando-as com poemas de Carlos Drummond
de Andrade, Mário Quintana, Clarice Lispector, Cecília Meirelles e o já citado
Fernando Pessoa. Como se pode notar, suas histórias estão em ótima companhia. O
roteiro do espetáculo é dele e de Rodolfo García Vázquez e este assina também a
discreta direção do espetáculo.
A maioria das narrativas tem
um toque de tristeza perante a violência do mundo, os preconceitos, as doenças
e a finitude da vida, mas viver na plenitude o tempo nos é oferecido por aqui é
a mensagem que esse trabalho tão delicado nos passa. E o público sai do teatro
com uma lágrima nos olhos, um aperto no coração e uma vontade enorme de abraçar
a humanidade.
Ivam comentou ao final do
espetáculo que estava receoso de trazê-lo para São Paulo. Caso isso ocorresse
ele estaria nos privando de um dos mais belos e comoventes trabalhos a que a
cidade assiste neste conturbado 2019.
TODOS OS SONHOS DO MUNDO está
em cartaz no Satyros 1 até 15/12. De quarta a sábado às 21h e domingo às 19h.
IMPERDÍVEL
30/11/2019
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