quinta-feira, 23 de abril de 2020

1789 – THÉÂTRE DU SOLEIL


 
1.   Teatro filmado, live e vídeo gravado.

         Neste momento de pandemia onde os artistas têm se valido desses formatos, discussões sobre se eles são ou não teatro têm agitado as manifestações de vários colegas da área teatral, entre eles Gabrielle Araújo e Márcio Boaro.
         Eu diria que em termos de forma o bom resultado de qualquer um deles vai depender das técnicas áudio visuais utilizadas, independentemente do conteúdo. O material gravado com técnicas cinematográficas (close, composição, ângulos/planos obtidos por mais de uma câmera) será posteriormente editado com cortes, preservando a continuidade da ação, respeitando assim os cinco Cs do cinema. Na live isso não é possível, resultando em geral, numa produção mais simples.
        Teatro filmado existe desde que surgiu o cinema e temos boas lembranças dos teleteatros realizados no início da televisão; o live surge com maior força nos tempos atuais com resultados variáveis. Mas que fique claro: trata-se de “teatro filmado”, “teleteatro” e “live” e não de TEATRO. TEATRO é arte do efêmero, ao vivo e só acontece uma vez na frente de determinado público e do estado de espírito de quem o está realizando. Todas as formas são válidas, mas é bom que se separe uma da outra. O TEATRO nunca vai morrer! Já se previu isso quando surgiu o cinema e também com o advento da televisão e não é o corona vírus que vai acabar com ele.

2.   1789
 

        Um grande desafio é filmar com resultado atraente um espetáculo durante uma apresentação ao vivo e a encenadora Ariane Mnouchkine é uma expert no assunto desde os primórdios do Théâtre du Soleil quando realizou o filme 1789 a partir de 13 apresentações ao vivo. Escolheu-se o melhor de cada apresentação e respeitando a continuidade montou-se o filme. Filmado em branco e preto.
        50 anos! 1789 estreou na Itália em uma quadra de esportes sob os auspícios do Piccolo Teatro de Milão, fazendo longa temporada em seguida na Cartoucherie de Vincennes nos arredores de Paris, local que se tornaria sede do Théâtre du Soleil até os dias de hoje.
         O espaço cênico é formado por vários tablados onde acontecem as ações enquanto o público assiste ao espetáculo em pé em volta dos tablados ou sentado nas arquibancadas laterais. A complexa cenografia de Roberto Moscoso ,assim como, a encenação de Ariane Mnouchkine têm inspiração no espetáculo Orlando Furioso de Luca Ronconi, mas foram elas que se tornaram mais populares e serviram de base para espetáculos de diretores de todo o mundo.
 
 
 
        Nestes dias de quarentena assisti em DVD ao espetáculo filmado e tenho que esclarecer que a fruição total do mesmo ficou prejudicada por três razões:
        1ª – O filme é falado em francês muito rápido com legendas em inglês que também entram e saem rapidamente, além disso, havia muitas palavras que meu inglês incipiente não conhecia (cheguei a pausar o filme para ver o significado de algumas palavras chaves).
        2ª – Conhecimento superficial da história da França e, em especial, da Revolução Francesa. Entre os conhecidos Marat, Mirabeau, La Fayette, alguns nomes que eu nunca tinha ouvido falar como Necker e Grucchus Babeuf, figuras importantes na trama, inclusive com uma fala deste último que fecha o espetáculo. Pesquisei mais profundamente sobre eles após ver a peça.
        3ª – Esta última é sinal do tempo: as interpretações são exageradas e até histéricas durante os 135 minutos da peça, além de haver muitos recursos teatrais envolvidos que tornam o espetáculo over (pantomimas, marionetes, bonecos gigantes a la Bread and Puppet, teatro de sombras, circo, malabarismo, teatro caricatural e trilha óbvia com trechos da Sinfonia nº1 de Mahler – o Soleil ainda não sabia da existência de Jean-Jacques Lemêtre! - ). Tudo isso podia ser novidade em 1970, mas foi tão utilizado e imitado que se tornou datado. Ariane Mnouchkine comenta sobre isso no documentário que acompanha o DVD.   

        Apesar dessas restrições, creio que posso fazer algumas considerações sobre 1789.
        O texto do espetáculo é resultado de criação coletiva (novidade na época) e é todo focado na população pobre e na opressão sofrida por ela pela nobreza. É uma peça de tendência esquerdista onde Jean Paul Marat tem papel muito importante e como já citei termina com uma frase de Babeuf, considerado um dos precursores do socialismo.
        A encenação é bela e dinâmica (às vezes, até demais) com o elenco se movimentando entre o público e se deslocando de um tablado para o outro. Algumas cenas acontecem no espaço onde está o público com participação do mesmo (a interatividade acontecendo em 1970). Há uma cena que merece destaque: o elenco se divide entre o público, cada ator reunindo em torno de si um grupo de espectadores para falar dos preparativos da Tomada da Bastilha. A princípio murmuradas, as falas vão aumentando de volume até a explosão da vitória! Nesse momento os atores dirigem-se aos diversos tablados com cenas de circo, malabarismos, tochas e muita festa para comemorar a Tomada da Bastilha. Era o dia 14 de julho de 1789.      
 
 
     23/04/2020
 

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