1.
Teatro filmado, live e vídeo gravado.
Neste momento de pandemia onde os artistas têm
se valido desses formatos, discussões sobre se eles são ou não teatro têm
agitado as manifestações de vários colegas da área teatral, entre eles Gabrielle
Araújo e Márcio Boaro.
Eu diria que em termos de forma o bom
resultado de qualquer um deles vai depender das técnicas áudio visuais
utilizadas, independentemente do conteúdo. O material gravado com técnicas
cinematográficas (close, composição, ângulos/planos obtidos por
mais de uma câmera) será
posteriormente editado com cortes,
preservando a continuidade da ação, respeitando assim os cinco Cs do
cinema. Na live isso não é possível,
resultando em geral, numa produção mais simples.
Teatro
filmado existe desde que surgiu o cinema e temos boas lembranças dos
teleteatros realizados no início da televisão; o live surge com maior força nos tempos atuais com resultados
variáveis. Mas que fique claro: trata-se de “teatro filmado”, “teleteatro” e “live”
e não de TEATRO. TEATRO é arte do efêmero, ao vivo e só acontece uma vez na
frente de determinado público e do estado de espírito de quem o está
realizando. Todas as formas são válidas, mas é bom que se separe uma da outra. O
TEATRO nunca vai morrer! Já se previu isso quando surgiu o cinema e também com
o advento da televisão e não é o corona vírus que vai acabar com ele.
2.
1789
Um
grande desafio é filmar com resultado atraente um espetáculo durante uma
apresentação ao vivo e a encenadora Ariane Mnouchkine é uma expert no assunto desde os primórdios do
Théâtre du Soleil quando realizou o filme 1789 a partir de 13 apresentações ao vivo. Escolheu-se o melhor de
cada apresentação e respeitando a continuidade montou-se o filme. Filmado em
branco e preto.
50
anos! 1789 estreou na Itália em uma
quadra de esportes sob os auspícios do Piccolo
Teatro de Milão, fazendo longa temporada em seguida na Cartoucherie de Vincennes nos arredores de Paris, local que se
tornaria sede do Théâtre du Soleil até
os dias de hoje.
O espaço cênico é formado por vários tablados
onde acontecem as ações enquanto o público assiste ao espetáculo em pé em volta
dos tablados ou sentado nas arquibancadas laterais. A complexa cenografia de
Roberto Moscoso ,assim como, a encenação de Ariane Mnouchkine têm inspiração no
espetáculo Orlando Furioso de Luca
Ronconi, mas foram elas que se tornaram mais populares e serviram de base para
espetáculos de diretores de todo o mundo.
Nestes
dias de quarentena assisti em DVD ao espetáculo filmado e tenho que esclarecer
que a fruição total do mesmo ficou prejudicada por três razões:
1ª
– O filme é falado em francês muito rápido com legendas em inglês que também
entram e saem rapidamente, além disso, havia muitas palavras que meu inglês
incipiente não conhecia (cheguei a pausar o filme para ver o significado de
algumas palavras chaves).
2ª
– Conhecimento superficial da história da França e, em especial, da Revolução
Francesa. Entre os conhecidos Marat, Mirabeau, La Fayette, alguns nomes que eu
nunca tinha ouvido falar como Necker e Grucchus Babeuf, figuras importantes na
trama, inclusive com uma fala deste último que fecha o espetáculo. Pesquisei
mais profundamente sobre eles após ver a peça.
3ª
– Esta última é sinal do tempo: as interpretações são exageradas e até
histéricas durante os 135 minutos da peça, além de haver muitos recursos
teatrais envolvidos que tornam o espetáculo over
(pantomimas, marionetes, bonecos gigantes a la Bread and Puppet, teatro
de sombras, circo, malabarismo, teatro caricatural e trilha óbvia com trechos
da Sinfonia nº1 de Mahler – o Soleil
ainda não sabia da existência de Jean-Jacques Lemêtre! - ). Tudo isso podia ser novidade em
1970, mas foi tão utilizado e imitado que se tornou datado. Ariane Mnouchkine
comenta sobre isso no documentário que acompanha o DVD.
Apesar
dessas restrições, creio que posso fazer algumas considerações sobre 1789.
O
texto do espetáculo é resultado de criação coletiva (novidade na época) e é
todo focado na população pobre e na opressão sofrida por ela pela nobreza. É
uma peça de tendência esquerdista onde Jean Paul Marat tem papel muito
importante e como já citei termina com uma frase de Babeuf, considerado um dos
precursores do socialismo.
A
encenação é bela e dinâmica (às vezes, até demais) com o elenco se movimentando
entre o público e se deslocando de um tablado para o outro. Algumas cenas
acontecem no espaço onde está o público com participação do mesmo (a
interatividade acontecendo em 1970). Há uma cena que merece destaque: o elenco
se divide entre o público, cada ator reunindo em torno de si um grupo de
espectadores para falar dos preparativos da Tomada da Bastilha. A princípio
murmuradas, as falas vão aumentando de volume até a explosão da vitória! Nesse
momento os atores dirigem-se aos diversos tablados com cenas de circo,
malabarismos, tochas e muita festa para comemorar a Tomada da Bastilha. Era o
dia 14 de julho de 1789.
23/04/2020
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