Ah, como nossa memória é ativada ao se deparar com um acontecimento impactante. Ontem à noite, hoje na verdade porque já passava de uma da manhã, antes de me deitar tomei conhecimento da morte de Eva Wilma (1933-2021) e a partir daí me vieram à mente imagens que remontam às décadas de 1950 e 1960, quando eu era um jovenzinho já curioso pelo que acontecia no meio artístico.
Minha fonte na
ocasião era a televisão, que anos mais tarde passei a abominar. E a televisão
tinha um grande espaço reservado ao bom teleteatro (quem diria que mais de 50
anos depois, o teleteatro seria revivido de alguma forma através do teatro
virtual surgido durante a pandemia da covid 19).
Uma série emblemática
da época era apresentada na TV Tupi com o nome de Alô Doçura,
protagonizada pelo belo e jovem casal Eva Wilma e John Herbert (1929-2011).
Dirigida por Cassiano Gabus Mendes (1929-1993) a série teve longa vida de 1953
a 1964 perfazendo um total de 385 episódios. O sucesso foi tanto (virou até
nome de bombom!) que a TV Record lançou uma série similar intitulada O
Casal Mais Feliz do Mundo interpretada por Vera Nunes (1928-2021) e
Walmor Chagas (1930-2013), mas que não teve a popularidade do original.
Cada episódio de Alô
Doçura durava cerca de 20 minutos e mostrava o dia a dia de um jovem casal
apaixonado. A beleza e a simpatia de Eva Wilma colaboraram muito para o sucesso
da série. Nessa época (1953), ela estreava no teatro na peça Uma Mulher e
Três Palhaços dirigida por José Renato (1926-2011) no Teatro de
Arena.
Passaram-se alguns anos
e foi em 1967 que tive a surpresa de assistir no Teatro Aliança Francesa
à peça Black Out, dirigida por Antunes Filho (1929-2019) onde Eva Wilma
interpretava uma jovem cega que tem sua casa invadida por bandidos. A atriz
teve nesse papel uma das interpretações mais marcantes de sua carreira no
teatro. É inesquecível a cena onde a personagem usa a estratégia de apagar as
luzes da casa para levar vantagem sobre os bandidos, mas eles abrem a porta da geladeira
que emana uma luz e ela luta para fechá-la. Inesquecível.
Relendo o que escrevi
até agora noto que os nomes citados nasceram entre 1928 e 1933 e todos,
infelizmente, já partiram.
Mas sigamos em
frente! Não acompanhei a carreira de Eva Wilma na televisão, mas tenho notícia
que foi brilhante e bem mais numerosa do que no teatro. Muito se comenta sobre
as gêmeas que interpretava na novela Mulheres de Areia.
No teatro voltei a
assistir a atriz uma dezena de vezes, das quais ressalto Um Bonde Chamado
Desejo (1974), onde sua interpretação de Blanche era a melhor coisa em uma
morna direção de Kiko Jaess (falecido em 2020-não foi encontrado o ano do seu
nascimento); Vivinha (2003), uma resenha de sua carreira que nesse ano
completava 50 anos e que inaugurou um teatro com seu nome na zona leste; Azul
Resplendor (2013), belíssimo trabalho ao lado de Pedro Paulo Rangel e O
Que Terá Acontecido a Baby Jane (2016), sua última aparição no palco ao
lado da também inesquecível Nicette Bruno (1933-2020).
Uma lacuna em minha
vida de espectador é Esperando Godot de 1977 onde Eva Wilma voltou a ser
dirigida por Antunes Filho, interpretando Vladimir ao lado do Estragon de
Lilian Lemmertz (1937-1986) do Pozzo de Lelia Abramo (1911-2004) e do Lucky de
Maria Yuma (1943-). Que resultado maravilhoso deve ter sido essa reunião de
talentos.
Da cidadã Eva Wilma
pouco sei e seria volúvel discorrer sobre isso. Eu a vi várias vezes na plateia
de algum teatro sempre simpática e sorridente, mas nunca me aproximei dela. De
qualquer modo cabe lembrar sua participação na passeata da luta contra a
censura em 1968, de mãos dadas com Tônia Carrero (1922-2018), Odete Lara
(1929-2015), Norma Bengell (1935-2013), Cacilda Becker (1921-1969) e Ruth
Escobar escondidinha na foto (1935-2017).
E ao terminar estas
lembranças noto que a única pessoa citada que continua entre nós é a atriz
Maria Yuma. LONGA VIDA A TODOS NÓS!
Eva Wilma nos deixou ao final de um sábado outonal do mês de maio de 2021 e com certeza vai deixar saudades. No plano para onde está indo com certeza vai haver alguém a recepcionando assim: ALÔ DOÇURA!
16/05/2021
Que texto maravilhoso. Você é um guardião da memória do teatro.
ResponderExcluirCacilda Becker não está na foto.A do lado esquerdo é a Eva Tudor e a de vestido branco, salvo engano, creio que é a Leila Diniz.
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