sábado, 22 de maio de 2021

TERRA MEDEIA

 

        O mito de Medeia tem carga dramática muito potente e em razão disso, junto com aquele de Édipo, é um dos mais visitados pela dramaturgia universal. Além da tragédia de Eurípedes, só no Brasil Consuelo de Castro, o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, Chico Buarque e Paulo Pontes já se valeram do mito em suas obras as quais foram dirigidas, entre outros, por Gianni Ratto, Silnei Siqueira e Antunes Filho. E o que dizer da força da personagem? Monumentos como Cleyde Yáconis e Bibi Ferreira, além de grandes atrizes como Tânia Farias, Leona Cavalli e Juliana Galdino (quando parecia que ela era uma boa atriz) são algumas das intérpretes de Medeia que os palcos paulistanos já presenciaram. Neste ano houve uma versão virtual com Bete Coelho a partir da peça de Consuelo de Castro. E agora chegou a vez de Nicole Cordery na versão da dramaturga sueca Sara Stridsberg.

De maneira simplificada se pode dizer que na mitologia Medeia é vista como uma feiticeira selvagem capaz de assassinar o próprio irmão para salvaguardar seu caso amoroso com Jasão e extremista ao assassinar Creonte e sua filha, assim como os próprios filhos, para se vingar de Jasão que a abandonou. O lema da Medeia mitológica é a vingança por conta da perda de seu amor próprio e é esse o mote da tragédia de Eurípedes.

A Medeia de Sara Stridsberg é multifacetada: além de seu desejo de vingança pelo amor perdido, ela relembra os tempos felizes com Jasão, faz uso de seus dotes sensuais para chantagear Creonte e em vários momentos mostra insegurança e dúvidas se deve ou não cometer os assassinatos que está planejando. Como se vê há muitas Medeias na versão da dramaturga sueca. Stridsberg elimina os personagens de Egeu, de Glauce e do Mensageiro, mas introduz outros bastante significativos como a Mãe de Medeia e uma Deusa que estimula o seu ódio para a realização dos planos de vingança. Também coloca em cena um Médico que dialoga com Medeia e que também funciona como narrador/corifeu. Ao final da peça a autora detalha várias maneiras de como Medeia poderia conduzir os seus filhos para uma “inimaginável escuridão encantadora”. Todos esses detalhes ampliam a abrangência da tragédia e dão toque originalíssimo e contemporâneo ao espetáculo.

A encenação virtual de Bim de Verdier é tão complexa quanto o texto: mescla cenas previamente gravadas com cenas ao vivo, contrapõe colorido com preto e branco, usa criativamente aquilo que eu chamo de “teatro de janelinha” (intérpretes interagindo cada um em seu espaço em perfeita sincronia); tudo isso resulta em um espetáculo coeso, belo e muito digno. Esse resultado deve bastante à direção de arte e filmagens de João Caldas, à operação de vídeos ao vivo de Marcela Horta e à contrarregragem de Madu Arakaki.

O elenco é outro ponto forte da montagem: Renato Caldas interpreta Creonte, Rita Grillo (diretamente de Paris!) faz a incrédula Ama, Bia de Verdier (diretamente da Suecia), com delicioso sotaque em seu português perfeito, interpreta a suave Mãe e a violenta Deusa, Daniel Ortega é o responsável pelos momentos menos dramáticos dando um ar de distanciamento à trama como o Médico; André Guerreiro Lopes empresta sua presença e sua voz para a composição de um Jasão aparentemente bom e compreensivo, mas na verdade egoísta e oportunista.

Foto de João Caldas

E mais uma vez Nicole Cordery nos surpreende dando conta de todas as nuances dessa complexa e multifacetada Medeia imaginada por Sara Stridsberg. Grande desafio que Nicole com todo o talento, a garra e a versatilidade que lhe são próprios, encara e vence com muito sucesso. 

TERRA MEDEIA:

Estreia 22 de maio, 17h.

Temporada 22 de maio a 13 de junho, sábados e domingos, às 17h.

Retirada de ingressos e transmissão pelo site Plataforma Teatro www.plataformateatro.com

Ingressos gratuitos. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário