Antes de escrever
sobre, resolvi rever Constância nesta manhã fria do primeiro domingo de
agosto. Queria assistir de maneira mais racional, mas não adiantou, o coração
voltou a apertar e as lágrimas insistiram em rolar o que não fez com que a
indignação deixasse de transparecer nestes meus olhos cansados de presenciar
tanta injustiça neste mundo de meu Deus.
Com a razão e a
emoção em equilíbrio não hesito em afirmar que Constância é uma obra
prima absoluta: texto, direção, interpretação, cenário, iluminação e outros
elementos cênicos se harmonizam para gerar um dos espetáculos mais pungentes e
belos a que assisti nesta longa trajetória de meio século como espectador.
O espetáculo é uma
produção da Eró Criação e Produção do Rio de Janeiro e tem o pé fincado
no sertão brasileiro com a seca, os vaqueiros, a boiada, a solidão, a fé e
também a descrença.
A dramaturgia de
Joana Marinho passeia através de cenas isoladas, mas muito bem costuradas, por
todo o universo sertanejo culminando com a saga do boi Rabicho desde a fuga
para a liberdade ainda bezerro até a perseguição e a morte, abatido com muitos
tiros (“onze tiros e não sei porque tantos”, como diz a canção de Fátima
Guedes); clara metáfora à maneira como são tratados muitos negros deste país: “morreu
como um cachorro e gritou feito porco, depois de pular igual a macaco”,
diz a letra de Aldir Blanco para a melodia de João Bosco. Enquanto o Brasil tratar os desfavorecidos
como boi, a metáfora de Constância continuará válida. Já que estou
citando canções é bom lembrar que: “Quem cala sobre teu corpo, consente na
tua morte... Quem cala morre contigo” (Milton Nascimento e Ronaldo
Bastos).
Mas nem tudo é
sombrio no espetáculo: há uma louvação à vida sertaneja na cena “Até o mar
tem vontade de ser filho de sertão” e termina com a chegada da chuva, que é
sempre um voto de esperança para o sertanejo.
A ficha técnica
indica Joana Marinho com a direção geral, José Alcântara na direção técnica e
Stéphane Brodt como orientador cênico. Não posso afirmar, mas acredito que muito
da beleza visual do espetáculo se deva a Brotd, haja vista seus belíssimos
espetáculos com Ana Teixeira no Amok Teatro. Não há indicação da autoria
do belo cenário minimalista com adereços preciosos, nem de quem assina o
desenho de luz, também uma preciosidade.
Resta falar das
atrizes!!! Que potência de interpretação, que vozes, que gestual! O teatro
virtual tem presenteado o espectador de São Paulo com espetáculos e intérpretes
excelentes pouco ou nada conhecidos por aqui. Claudia Ribeiro e Joana Marinho interpretam
com galhardia e uma energia pouco vista em nossos palcos, além de terem vozes
poderosas, dicção perfeita e gestual que merece um capítulo à parte.
Claudia e Joana
deixam o espectador de quatro, tal qual o boi!
Ê BOI!
CONSTÂNCIA é apresentada dentro da 3ª Mostra
de Teatro de Heliópolis que encerrou em 31/072021, mas ainda pode ser assistida
até a próxima quinta-feira (05/08).
Com curadoria de
Alexandre Mate, a Mostra constou também de Caio do Céu (RS), A
Casatória C’a Defunta (RN), Portar(ia) Silêncio (SP) e Macacos
(SP), todas merecedoras de muitos escritos. Todas elas permanecem disponíveis
por uma semana a partir da data de sua exibição.
Acesso:
http://ciadeteatroheliopolis.com/mostra2021/
01/08/2021
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