sábado, 22 de maio de 2021

TERRA MEDEIA

 

        O mito de Medeia tem carga dramática muito potente e em razão disso, junto com aquele de Édipo, é um dos mais visitados pela dramaturgia universal. Além da tragédia de Eurípedes, só no Brasil Consuelo de Castro, o grupo Ói Nóis Aqui Traveiz, Chico Buarque e Paulo Pontes já se valeram do mito em suas obras as quais foram dirigidas, entre outros, por Gianni Ratto, Silnei Siqueira e Antunes Filho. E o que dizer da força da personagem? Monumentos como Cleyde Yáconis e Bibi Ferreira, além de grandes atrizes como Tânia Farias, Leona Cavalli e Juliana Galdino (quando parecia que ela era uma boa atriz) são algumas das intérpretes de Medeia que os palcos paulistanos já presenciaram. Neste ano houve uma versão virtual com Bete Coelho a partir da peça de Consuelo de Castro. E agora chegou a vez de Nicole Cordery na versão da dramaturga sueca Sara Stridsberg.

De maneira simplificada se pode dizer que na mitologia Medeia é vista como uma feiticeira selvagem capaz de assassinar o próprio irmão para salvaguardar seu caso amoroso com Jasão e extremista ao assassinar Creonte e sua filha, assim como os próprios filhos, para se vingar de Jasão que a abandonou. O lema da Medeia mitológica é a vingança por conta da perda de seu amor próprio e é esse o mote da tragédia de Eurípedes.

A Medeia de Sara Stridsberg é multifacetada: além de seu desejo de vingança pelo amor perdido, ela relembra os tempos felizes com Jasão, faz uso de seus dotes sensuais para chantagear Creonte e em vários momentos mostra insegurança e dúvidas se deve ou não cometer os assassinatos que está planejando. Como se vê há muitas Medeias na versão da dramaturga sueca. Stridsberg elimina os personagens de Egeu, de Glauce e do Mensageiro, mas introduz outros bastante significativos como a Mãe de Medeia e uma Deusa que estimula o seu ódio para a realização dos planos de vingança. Também coloca em cena um Médico que dialoga com Medeia e que também funciona como narrador/corifeu. Ao final da peça a autora detalha várias maneiras de como Medeia poderia conduzir os seus filhos para uma “inimaginável escuridão encantadora”. Todos esses detalhes ampliam a abrangência da tragédia e dão toque originalíssimo e contemporâneo ao espetáculo.

A encenação virtual de Bim de Verdier é tão complexa quanto o texto: mescla cenas previamente gravadas com cenas ao vivo, contrapõe colorido com preto e branco, usa criativamente aquilo que eu chamo de “teatro de janelinha” (intérpretes interagindo cada um em seu espaço em perfeita sincronia); tudo isso resulta em um espetáculo coeso, belo e muito digno. Esse resultado deve bastante à direção de arte e filmagens de João Caldas, à operação de vídeos ao vivo de Marcela Horta e à contrarregragem de Madu Arakaki.

O elenco é outro ponto forte da montagem: Renato Caldas interpreta Creonte, Rita Grillo (diretamente de Paris!) faz a incrédula Ama, Bia de Verdier (diretamente da Suecia), com delicioso sotaque em seu português perfeito, interpreta a suave Mãe e a violenta Deusa, Daniel Ortega é o responsável pelos momentos menos dramáticos dando um ar de distanciamento à trama como o Médico; André Guerreiro Lopes empresta sua presença e sua voz para a composição de um Jasão aparentemente bom e compreensivo, mas na verdade egoísta e oportunista.

Foto de João Caldas

E mais uma vez Nicole Cordery nos surpreende dando conta de todas as nuances dessa complexa e multifacetada Medeia imaginada por Sara Stridsberg. Grande desafio que Nicole com todo o talento, a garra e a versatilidade que lhe são próprios, encara e vence com muito sucesso. 

TERRA MEDEIA:

Estreia 22 de maio, 17h.

Temporada 22 de maio a 13 de junho, sábados e domingos, às 17h.

Retirada de ingressos e transmissão pelo site Plataforma Teatro www.plataformateatro.com

Ingressos gratuitos. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 20 de maio de 2021

DIPLOMACIA

 

Olhando para o palácio do Louvre, para o Arco do Triunfo, para outros tantos monumentos da linda capital francesa e também para as/os parisienses que por lá circulam, fica difícil imaginar que tudo aquilo e aquelas pessoas podiam simplesmente não mais existir, não fosse a interferência do diplomata suéco Raoul Nordling (1881-1962) junto ao general alemão Dietrich von Choltitz (1894-1966) que tinha por tarefa uma ordem de Hitler de destruir Paris junto com seus habitantes em agosto de 1944.

Esse fato incrível foi tema da peça de teatro Diplomacia do jovem escritor francês Cyril Gély (1968). A peça estreou em Paris em 2011 com Niels Arestrup (Choltitz) e André Dussollier (Nordling) e foi transformada em filme em 2015 com o mesmo elenco e direção de Volker Schlöndorff.

Peça e filme foram muito bem sucedidos e a peça foi traduzida para o português por Aimar Labaki que manteve a fluência do brilhante diálogo original.

Em função da pandemia da covid 19 a peça foi concebida para exibição virtual, mas dá para intuir que sua versão para o palco será muito bem sucedida.

Com certeza há limitações na versão virtual, mas não se pode negar que a cena inicial com o general sentado em sua escrivaninha banhado pela luz de um lindo abajur estilo art déco jamais teria o mesmo alcance estético para o espectador se visto de um palco.

O diretor Ricardo Grasson optou por fotografar o espetáculo em preto e branco e os claros-escuros resultantes são belíssimos; para tanto contribuem grandemente o videografismo de André Grynwask e Pri Argoud (esta dupla tem realizado trabalhos excelentes nestes tempos de teatro virtual) e a magnífica iluminação de Cesar Pivetti e Marina Stoll. O espetáculo é registrado por três câmeras, uma delas colocada no teto mostrando a cena vista do alto. Também colaboram para o excelente resultado final os figurinos de Rosângela Ribeiro, a caracterização dos atores assinada por Louise Helène e a trilha sonora precisa de Ricardo Severo. Cenas da Paris ocupada abrem o espetáculo e cenas da Paris libertada o encerram, sempre ao som de belas canções francesas. O elenco é formado por Eduardo Semerjian (Choltitz) e Otávio Martins (Nordling).

Em 1944 Nordling tinha 63 anos e Choltitz tinha 50 anos. No filme os dois são representados por atores idosos e Arestrup aparenta ser mais velho do que Dussolier. Na versão brasileira as coisas parecem ser mais coerentes: os atores estão na faixa dos 50 anos o que encaixa com a personagem de Choltitz e para compor Nordling Otávio Martins realiza excelente trabalho vocal e corporal auxiliado pelo visagismo de Louise Helène, convencendo o espectador que se trata de um senhor idoso com certa debilidade física.

                                                             Foto de Helô Bortz

A peça trata de um momento crítico de nossa história que só não teve um desfecho trágico por conta da solidariedade e da civilidade. Eduardo Semerjian e Otávio Martins dão conta de transmitir esses conceitos de maneira ímpar. Suas interpretações já se incluem nos grandes momentos que o web teatro tem nos oferecido.

O grupo aproveitou para colocar na boca do personagem do general a frase infeliz do também general Eduardo Pazuello: “Uns mandam, outros obedecem”. Não havia necessidade dessa inserção para mostrar a atualidade da peça, mas esse reforço é muito bem-vindo neste momento obscurantista que estamos vivendo.

Eu diria que Diplomacia é espetáculo OBRIGATÓRIO na atualidade, na qual o diálogo se torna cada vez mais difícil. Como mencionei no início desta matéria, não fosse o diálogo, Paris e os parisienses teriam simplesmente sumido do mapa o que teria sido uma perda irreparável para a humanidade.   

DIPLOMACIA pode (e deve!!) ser assistida na plataforma digital do Sesc SP por três meses a partir da data de estreia (19/05/2021).

20/05/2021

 

 

 

segunda-feira, 17 de maio de 2021

QUANDO NOSSO CÉREBRO DÁ UM NÓ!

 

Existem duas fotos emblemáticas da participação de nossas bravas atrizes na passeata do Movimento Contra a Censura ocorrida no Rio de Janeiro no mês de fevereiro do turbulento ano de 1968. Um mês depois em 28 de março o estudante Edson Luís de 18 anos é assassinado por policiais militares no restaurante Calabouço; em 26 de junho acontece a passeata dos cem mil e em 13 de dezembro a ditadura responde com a truculência de sempre editando o famigerado Ato Institucional número 5, que o atual presidente do Brasil e seus filhos tanto cultuam e querem trazer de volta!!

Ontem ao escrever a matéria sobre a partida de Eva Wilma, lembrei-me de sua participação na passeata do Movimento Contra a Censura e ao fazer referência a isso coloquei uma das fotos (Foto 1) pensando na outra (Foto 2). O texto referia-se à foto 2 e algumas das atrizes citadas não estavam na foto 1. Bela confusão, hein! O mais engraçado é que eu revi a matéria várias vezes e não percebi o erro, tão pouco o perceberam algumas pessoas que leram o texto. Só no final do dia ao ver os comentários no blog, li aquele do Sr. Paolino Raffanti observando o fato. Imediatamente corrigi o erro na matéria e enviei uma mensagem de agradecimento ao Sr. Paolino que assim contribuiu para que o nó ficasse apenas na minha cabeça.

Ruth Escobar, como citei na matéria, não aparece em nenhuma das fotos, mas tudo indica que ela esteve presente na manifestação.

Então, vamos lá:

 FOTO 1: Da esquerda para a direita: Eva Todor, Tônia Carrero, Eva Wilma, Leila Diniz, Odete Lara, Norma Bengell e o braço da Cacilda Becker.

FOTO 2: Da esquerda para a direita: Tônia Carrero, Eva Wilma, Odete Lara, Norma Bengell e Cacilda Becker.

Desfeito o engano, agora estou em paz em relação à minha contribuição à memória do teatro brasileiro.

VIVA TODAS ESSAS BRAVAS GUERREIRAS! 

O TEATRO NOS UNE

O TEATRO NOS TORNA FORTE

VIVA O TEATRO! 

17/05/2021

domingo, 16 de maio de 2021

ALÔ DOÇURA

 

Ah, como nossa memória é ativada ao se deparar com um acontecimento impactante. Ontem à noite, hoje na verdade porque já passava de uma da manhã, antes de me deitar tomei conhecimento da morte de Eva Wilma (1933-2021) e a partir daí me vieram à mente imagens que remontam às décadas de 1950 e 1960, quando eu era um jovenzinho já curioso pelo que acontecia no meio artístico.

Minha fonte na ocasião era a televisão, que anos mais tarde passei a abominar. E a televisão tinha um grande espaço reservado ao bom teleteatro (quem diria que mais de 50 anos depois, o teleteatro seria revivido de alguma forma através do teatro virtual surgido durante a pandemia da covid 19).

Uma série emblemática da época era apresentada na TV Tupi com o nome de Alô Doçura, protagonizada pelo belo e jovem casal Eva Wilma e John Herbert (1929-2011). Dirigida por Cassiano Gabus Mendes (1929-1993) a série teve longa vida de 1953 a 1964 perfazendo um total de 385 episódios. O sucesso foi tanto (virou até nome de bombom!) que a TV Record lançou uma série similar intitulada O Casal Mais Feliz do Mundo interpretada por Vera Nunes (1928-2021) e Walmor Chagas (1930-2013), mas que não teve a popularidade do original.

Cada episódio de Alô Doçura durava cerca de 20 minutos e mostrava o dia a dia de um jovem casal apaixonado. A beleza e a simpatia de Eva Wilma colaboraram muito para o sucesso da série. Nessa época (1953), ela estreava no teatro na peça Uma Mulher e Três Palhaços dirigida por José Renato (1926-2011) no Teatro de Arena.

Passaram-se alguns anos e foi em 1967 que tive a surpresa de assistir no Teatro Aliança Francesa à peça Black Out, dirigida por Antunes Filho (1929-2019) onde Eva Wilma interpretava uma jovem cega que tem sua casa invadida por bandidos. A atriz teve nesse papel uma das interpretações mais marcantes de sua carreira no teatro. É inesquecível a cena onde a personagem usa a estratégia de apagar as luzes da casa para levar vantagem sobre os bandidos, mas eles abrem a porta da geladeira que emana uma luz e ela luta para fechá-la. Inesquecível.

Relendo o que escrevi até agora noto que os nomes citados nasceram entre 1928 e 1933 e todos, infelizmente, já partiram.

Mas sigamos em frente! Não acompanhei a carreira de Eva Wilma na televisão, mas tenho notícia que foi brilhante e bem mais numerosa do que no teatro. Muito se comenta sobre as gêmeas que interpretava na novela Mulheres de Areia.

No teatro voltei a assistir a atriz uma dezena de vezes, das quais ressalto Um Bonde Chamado Desejo (1974), onde sua interpretação de Blanche era a melhor coisa em uma morna direção de Kiko Jaess (falecido em 2020-não foi encontrado o ano do seu nascimento); Vivinha (2003), uma resenha de sua carreira que nesse ano completava 50 anos e que inaugurou um teatro com seu nome na zona leste; Azul Resplendor (2013), belíssimo trabalho ao lado de Pedro Paulo Rangel e O Que Terá Acontecido a Baby Jane (2016), sua última aparição no palco ao lado da também inesquecível Nicette Bruno (1933-2020).

Uma lacuna em minha vida de espectador é Esperando Godot de 1977 onde Eva Wilma voltou a ser dirigida por Antunes Filho, interpretando Vladimir ao lado do Estragon de Lilian Lemmertz (1937-1986) do Pozzo de Lelia Abramo (1911-2004) e do Lucky de Maria Yuma (1943-). Que resultado maravilhoso deve ter sido essa reunião de talentos.



Da cidadã Eva Wilma pouco sei e seria volúvel discorrer sobre isso. Eu a vi várias vezes na plateia de algum teatro sempre simpática e sorridente, mas nunca me aproximei dela. De qualquer modo cabe lembrar sua participação na passeata da luta contra a censura em 1968, de mãos dadas com Tônia Carrero (1922-2018), Odete Lara (1929-2015), Norma Bengell (1935-2013), Cacilda Becker (1921-1969) e Ruth Escobar escondidinha na foto (1935-2017).


E ao terminar estas lembranças noto que a única pessoa citada que continua entre nós é a atriz Maria Yuma. LONGA VIDA A TODOS NÓS!

Eva Wilma nos deixou ao final de um sábado outonal do mês de maio de 2021 e com certeza vai deixar saudades. No plano para onde está indo com certeza vai haver alguém a recepcionando assim: ALÔ DOÇURA!

16/05/2021

segunda-feira, 10 de maio de 2021

WEB TEATRO

 

Fernanda Montenegro em noite memorável no Theatro Municipal de São Paulo em 2019

O diretor Kiko Rieser me enviou uma mensagem questionando algumas coisas sobre minha posição sobre teatro virtual, o texto que reproduzo abaixo é a minha resposta. 

        Bom dia, Kiko Kiko

Fiquei procurando o que escrevi no ano passado (*) sobre certo cansaço em assistir os espetáculos on line, mas não achei. Ao que eu me lembro os pontos que me irritavam eram: 

1 - A dificuldade de acesso. A produção colocava um endereço, mas na hora não dava certo e eu acabava perdendo a apresentação.

2 – Interrupções domésticas da Internet. No melhor da trama, a imagem congelava, eu tentava retomar a Internet e, se voltasse, eu já havia perdido uma parte da peça.

3 – As deficiências de som e/ou imagem da maioria dos trabalhos apresentados.

4 – As apresentações em janelinhas com interação muito artificial entre o elenco. Esses trabalhos em zoom, em certos casos, tiveram bons resultados, mas foram raros.

5 – A quantidade enorme de monólogos apresentados.

6 – Assistir na telinha do note book.

7 – A falta de público reagindo (rindo, se emocionando e até tossindo) 

Com exceção dos itens 2,6 e 7 o restante se devia à inexperiência dos profissionais envolvidos e as condições que se apresentavam naquele momento, caso do item 5. 

Ao procurar cada vez mais o auxílio de profissionais do audiovisual a situação mudou bastante e surge com mais intensidade em 2021 a peça híbrida, ou peça filme, ou teatro filme. Chame do que quiser, isso deu um novo alento à vontade de assistir ao teatro virtual. O som e a imagem melhoraram e novos planos com posições mais criativas das câmeras tornam mais agradável a fruição da peça.

Não resta dúvida que essa nova postura se aproxima mais da linguagem cinematográfica do que da teatral, mas não vejo maiores perigos nisso, uma vez que certas técnicas poderão ser aproveitadas quando o teatro voltar a ser ao vivo, como já o faziam, com excelentes resultados, a diretora Christiane Jatahy e o próprio Zé Celso.

Mesmo os espetáculos ainda realizados à moda antiga se aprimoraram no que se refere aos cuidados com som e imagem.

O pessoal de produção também tem tomado mais cuidado ao divulgar o acesso aos espetáculos, tornando menos tortuoso o caminho para chegar até eles.

Tudo isso me reconciliou com o teatro virtual que é o único que nos é permitido atualmente. Tenho assistido a muitas coisas em 2021. Até o dia de ontem (09/05) foram 68 apresentações, das quais eu assinalei 34 com meu marca-texto amarelo (sinal que gostei). É um dado bastante positivo e aqui deve ser levado em conta também o meu interesse pelo texto, pelas interpretações, pela direção e por tudo o que a gente leva em conta numa apresentação teatral. Não sei se você tomou conhecimento de uma matéria que escrevi com o título OUTROS ABRIL(S) VIRÃO. Ali eu faço um balanço das muitas peças que me surpreenderam no abril passado, incluindo a sua direção QUANDO AS MÁQUINAS PARAM.

Você comenta sobre a duração da peça. Realmente há um cuidado, perfeitamente compreensível, por quem concebe um espetáculo virtual de não ultrapassar os sessenta minutos de duração, uma vez que é sobejamente conhecido o fato de que o grau de concentração do web-espectador é bem menor do que daquele que está ao vivo numa poltrona de teatro, porém, tudo depende do interesse criado. Quando se tem um bom texto, bem montado e bem interpretado ele segura o espectador virtual diante do seu notebook e até do seu celular.

Como diria o bardo, tudo está bem quando bem acaba e eu espero que o verdadeiro teatro volte para onde ele nunca devia ter saído, mas foi obrigado: as salas de espetáculo, com as poltronas lotadas de espectadores aplaudindo e interagindo com o elenco.

Como disse a querida Ilana Kaplan: DO PALCO VIEMOS, AO PALCO RETORNAREMOS!

O TEATRO NOS UNE

O TEATRO NOS TORNA FORTE

VIVA O TEATRO! 

Beijos, José Cetra 

10/05/2021

(*) Na verdade foi no início deste ano.

 

 

 

sábado, 8 de maio de 2021

MEA CULPA...que não é só “MEA”!

 

Ou Pra não dizer que não falei de Paulo Gustavo.

Na minha pré-adolescência fui um grande fã das chanchadas da Atlântida que dominavam os cinemas na década de 1950. Aguardava ansioso a chegada do Carnaval que era a época em que eram lançados os filmes onde brilhavam as mocinhas Eliana e Adelaide Chiozzo, os galãs Anselmo Duarte e Cyll Farney, os vilões José Lewgoy e Wilson Grey e, principalmente, os cômicos Oscarito e Grande Otelo. As tramas eram sempre mais ou menos as mesmas e eram intercaladas com as marchas de Carnaval do ano. Isso sem falar nos filmes da inesquecível Dercy Gonçalves. Jamais vou esquecer dessas matinês no imenso Cine Nacional situado na Rua Clélia no bairro da Lapa paulistana.

Cresci. O cinema nacional mudou e eu também. Vieram o cinema novo e os filmes políticos que eram objeto de calorosas discussões estudantis. Esses filmes foram varridos das telas dos cinemas por obra da truculenta censura reinante durante a ditadura civil militar.

Surgiram as pornochanchadas para as quais a crítica e certa intelectualidade torceram o nariz.

Com a “retomada” nos anos 1990 o cinema nacional voltou a ter um lugar no podium do chamado cinema sério e “digno” de voltar a constar nas críticas publicadas na mídia.

Na época, os comediantes do cinema tinham pouco espaço nos palcos dos teatros. Com o advento da stand up comedy e do sucesso dos programas humorísticos televisivos surge um tipo de comediante que passa a atuar também no teatro. Por não ter o hábito de assistir televisão e também por - confesso -  puro preconceito nunca prestei atenção em Ingrid Guimarães, Leandro Hassum, Fábio Porchat, Mônica Martelli e também Paulo Gustavo.

Paulo Gustavo! Como não vejo televisão nunca assisti a seus programas televisivos e também não me interessei em vê-lo no teatro ou no cinema onde eu lia que ele fazia o maior sucesso. A mídia nunca se manifestou sobre as qualidades do seu trabalho como o faz agora após a sua morte. Na verdade, o seu sucesso foi na base do “eu se fiz por si próprio”, brincaria o comediante. Seus filmes nunca frequentaram as salas do Reserva Cultural, do Belas Artes e do CineSESC, nem as críticas cinematográficas dos jornais e nunca pensei em ir até a um shopping para assistir a uma das Minha Mãe É Uma Peça.

Uma lúcida matéria de Guilherme Genestreti publicada na Folha de S. Paulo em 06/05/2021 chamou a minha atenção para o fato de que se eu, por um lado, não soube apreciar a obra de Paulo Gustavo pelo preconceito a certo tipo de comédia, por outro lado, a omissão da imprensa em relação às qualidades do seu trabalho como a defesa, por meio do riso, da tolerância e da liberdade de viver também contribuiu para isso.  Uma pena.

Quando leio todos os elogios que vêm sendo publicados sobre a pessoa e a obra e tomo conhecimento de uma frase sua “RIR É UM ATO DE RESISTÊNCIA” fico pesaroso em reconhecer que não tomei conhecimento de seu trabalho.

Tardiamente quero descobrir Paulo Gustavo. 

07/05/2021

segunda-feira, 3 de maio de 2021

UMA PEÇA PARA SALVAR O MUNDO

 

E assim os Satyros vão se reinventando. Desta vez temos uma peça que tem estrutura narrativa sem atores criada por Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez que vai sendo recheada por depoimentos dados pelos espectadores. A condutora da trama é uma máquina que tem a difícil missão de equilibrar o fio condutor proposto pela dramaturgia com os relatos vindos dos espectadores aos quais ela tem que reagir. Ao dar voz ao público os nossos caros Satyros parecem dizer: a peça para salvar o mundo está em suas mãos!

A inovação de Ivam e Rodolfo não está só na forma, mas também no conteúdo: depois de muitos trabalhos calcados nos habitantes do entorno (A Vida na Praça Roosevelt e a série Pessoas), nas questões de gênero e no futuro distópico (a maioria dos últimos trabalhos virtuais), eles procuram uma luz no fim do túnel com a colaboração do público. Isso não é pouco. Saímos de Uma Peça Para Salvar o Mundo muito emocionados e com a sensação que colaboramos para essa sensação coletiva de esperança que o espetáculo provoca.

Há muita humanidade na relação da máquina com os espectadores entrevistados e isso se deve também à dramaturgia, mas principalmente, à interpretação de Thiago Mendonça. Apesar de estar com uma máscara e de manter uma entonação de voz propositalmente monocórdica, a máquina reage sorrindo, se emocionando, se indignando e se relacionando com o entrevistado. E tudo isso contando apenas com sua face mascarada e a voz. Thiago conduz com brilho o espetáculo e sua Aparecida ficará para sempre na lembrança de quem teve o privilégio de conviver um pouco com ela, mesmo que tenha sido de forma virtual. Na sessão a que assisti houve quem propusesse que ela se candidatasse a presidente do Brasil! Garanto que seria uma ótima opção diante do escandaloso quadro político que temos à disposição neste pobre Brasil.

No meu modo de ver Uma Peça Para Salvar o Mundo pode ser colocada ao lado de grandes momentos dos Satyros como A Filosofia na Alcova (2003), A Vida na Praça Roosevelt (2005), Roberto Zucco (2010), Hipóteses Para o Amor e a Verdade (2010), Pessoas Sublimes (2016), Todos os Sonhos do Mundo (2019) e A Arte de Encarar o Medo (2020), todas elas dirigidas pelo incansável Rodolfo García Vázquez. Ressalto que esta lista é puramente pessoal.

Como escrevi acima, Uma Peça Para Salvar o Mundo respira humanidade e é um verdadeiro antídoto para o veneno que somos obrigados a engolir nestes tempos sombrios e vem se somar a muitos bons momentos que o teatro virtual tem nos oferecido nestes primeiros meses de 2021.

 

Temporada até 17/05 com sessões às sextas, sábados e segundas às 19h e domingos às 16h. Gratuito. Retirada de ingressos: www.sympla.com.br/espacodigitaldossatyros

 

IMPERDÍVEL!

 

03/05/2021

sábado, 1 de maio de 2021

OUTROS ABRIL(S) VIRÃO... (sem covid e sem o Bozo)

 

 

Abril foi um mês pródigo para minhas andanças virtuais pelo teatro. Assisti a 35 espetáculos, dos quais gostei muito de 20, além disso assisti ao documentário sobre Ziembinski, à entrevista de Ruy Castro a Marco Antônio Braz sobre Nelson Rodrigues, ao Persona especial sobre Cacilda Becker e o mês fechou brilhantemente com o bate papo com Alvaro Machado sobre Ruth Escobar.

Os grandes destaques do mês foram o Primeiro Festival da Tragédia Brasileira da Cia. Repertório Rodriguiana que visitou, por meio de criativas leituras dramáticas, cinco peças de Nelson Rodrigues e o projeto Abismos de Dostoiévski, idealizado por Marlene Salgado e Elena Vássina, trazendo seis adaptações de obras do escritor russo para a linguagem cênica.

As sempre bem vindas boas surpresas (a arte tem que me surpreender!) vieram de Claudio Mendes com sua criativa Lições Dramáticas de João Caetano, do excepcional texto A Genealogia Celeste de Uma Dança de autoria de Juliana Leite, da original ideia de Ex-NE – O Sumiço que pode render um excelente espetáculo no futuro, e das, não menos que excepcionais, interpretações de duas atrizes que eu não conhecia: Marina Nogaeva Tenório (A Dócil) e Liane Venturella (Palácio do Fim).

As/os sempre excelentes Carolina Virgüez (Vozes do Silêncio), Luciano Chirolli (A Genealogia Celeste de Uma Dança), Isabella Lemos (Viva Cacilda! Felicidade Guerreira), Antoniela Canto (Toda Nudez Será Castigada), Mariana Muniz (Sônia, Um Ato Por Tolstói), Celso Frateschi (O Sonho de Raskólnikov), Matheus Nachtergaele (Sonho de Um Homem Ridículo), Luah Guimarães (Stavrôgin, Eu Mesmo) e Fernanda Azevedo (Os Grandes Vulcões) completam a lista das grandes interpretações do mês.

Encenações muito bem realizadas, muitas delas se utilizando da linguagem cinematográfica que resultaram nos batizados teatro-filme, peça híbrida e outros nomes: Vozes do Silêncio, Viva Cacilda! Felicidade Guerreira, Sertão Sem Fim, Não Se Mate, A Genealogia Celeste de Uma Dança, John e Eu, Quando as Máquinas Param, Sonia, Um Ato Por Tolstói, Sede, O Híbrido, Ex-Ne - O Sumiço, Os Grandes Vulcões e Palácio do Fim.

Convenhamos que não é pouco. Mas não podia ser diferente pois neste mês se comemorou o centenário de nascimento de Cacilda Becker e Dionísio me deu de presente toda essa fartura, afinal eu também fiz aniversário!

E de lambuja eu vi minha peça Que Fim Levou Carlotinha? subir ao palco por obra de meu parceiro na dramaturgia Arnaldo D’Ávila. 

Bertrand Russel encerra seu famoso escrito Aquilo Porque Vivi da seguinte maneira: “Amor e conhecimento, até ao ponto em que são possíveis, conduzem para o alto, rumo ao céu. Mas a piedade sempre me traz de volta à terra. Ecos de gritos de dor ecoam em meu coração. Crianças famintas, vítimas torturadas por opressores, velhos desvalidos que constituem um fardo para seus filhos e todo o mundo de solidão, pobreza e sofrimento convertem numa zombaria o que deveria ser a vida humana. Anseio por aliviar o mal, mas não posso, e também sofro”

E é assim que eu hoje me sinto: louvando a vida e o teatro que amo tanto, mas carregando nos ombros 400.000 vítimas da covid 19 e esse maldito presidente e sua curriola tão maldita quanto ele, sem poder fazer nada. 

01/05/2021