Final
do último domingo de outono, dentro de algumas horas ocorreria o solstício de
inverno; tratava-se também da última oportunidade de assistir ao espetáculo
baiano Do Outro Lado do Mar. De conhecido para mim, apenas Marcio
Meirelles, criador do Bando de Teatro Olodum e diretor de Embarque
Imediato, apresentado nos palcos paulistanos em fevereiro de 2020, pouco
antes da pandemia tomar conta das nossas vidas. De resto, tudo era novidade:
autoria, elenco e outros nomes da ficha técnica.
Jorgelina
Cerritos é uma dramaturga de El Salvador e acredito que sua peça seja a
primeira daquele país a ser apresentada no Brasil, graças à iniciativa de
Meirelles e do ator Edu Coutinho que também traduziu o texto e integra o elenco
junto com Andréa Elia.
A história muito
simples de um pescador que não possui nenhum documento e vai a uma repartição para
solicitá-lo é contada de forma poética pela autora, trazendo à tona questões
humanas muito importantes como solidão, solidariedade e identidade. Durante
seis dias o jovem Pescador do Mar conversa com Dorotéia, a intransigente
funcionária pública que lhe nega o documento e desse embate surgem muitas
situações comuns nas relações humanas. Ao ser negada a sua certidão de
nascimento “por falta de provas”, o jovem retruca algo como: “há
prova maior da minha existência do que a minha presença?”. Assistindo à
peça lembrei-me da famosa frase de Shakespeare dita por Julieta em Romeu e
Julieta: “Aquela a quem chamamos rosa teria outro
perfume se não se chamasse rosa?" e eu acrescentaria: e se nem
nome tivesse?
A bela encenação de Meirelles
exibe filmes de praias, mares, nuvens e outras imagens que são sobrepostas pela
atuação ao vivo do elenco, cada qual em sua casa. Esse recurso visual, pouco
usado no teatro virtual, causa, a princípio, sensação estranha de
artificialismo, mas à medida que o espetáculo avança, ele se torna o toque de
deslumbramento do mesmo.
Andréa Elia e Edu Coutinho são excelentes intérpretes, dando vida com muita paixão às personagens de Dorotéia e do Pescador do Mar, e como é bom tomar conhecimento de artistas tão talentosos fora do eixo Rio-São Paulo.
A peça é uma daquelas
boas surpresas que inundam a nossa alma de poesia, alimentando-a e nos fazendo
esquecer por alguns momentos a tristeza de uma realidade que contabiliza meio
milhão de mortos por conta de um governo genocida.
E que venha o inverno, pois a alma já está aquecida por este belo e poético espetáculo vindo da Bahia.
21/06/2021
Tem como assistir?
ResponderExcluirOlá Armindo. Ontem foi a última apresentação, mas eu entendi da assessoria de imprensa que eles devem voltar a se apresentar. É uma apresentação do Teatro Vila Velha de Salvador.
ExcluirTerminei de assistir há poucos minutos e me tocou profundamente. Começa despretensiosa e cresce em sensibilidade e aborda questões tão atuais da vida humana, como a solidão, a busca pela identidade, a empatia e a fraternidade. Parabéns a todos os envolvidos. Andrea Elia é bem conhecida na Bahia. Atriz premiada. Excelente! Edu Coutinho eu ainda não conhecia, mas desenvolveu um personagem sensível e delicado, mesmo para um homem do mar, beirando a inocência. Parabéns mais uma vez!
ResponderExcluir*DO OUTRO LADO DO MAR*
ResponderExcluirEntre a burocracia e a poesia
está a palavra a mediar um dia.
Um momento restrito no TEMPO
pra imaginação, pro sentimento!
E mais um dia e outro à beiramar
no ritmo instável e vivo do vento
quando o verbo conjuga-se lento
e cantá-lo é o belo ATO D’AMAR!
Na maré alta - passatempo...
É quando se nega a solitude
e o outro é presença, é atitude.
Se queres o trabalho e a fantasia
a canção triste traz algo de água.
Se queres Beleza posta na mesa
a Alegria leve dum certo sujeito
inquirido no que quer cumprido
sugere rumo, aponta sentido
aos signos ali distribuídos.
É só decidir-se e ponto.
Entre sons e imagens
pulsa um dado ritual
de vivacidade virtual.
Aquela que se detém
entre papéis quer tudo
preciso nos registros
e não a tarde que tosta
a cara e sua mais cara
metáfora pura e pobre
tão rara quanto por fora.
É pleno esforço de memória.
São vistas mandíbulas de cão
sobrepostas à arcada dentária
de um maxilar sobre-humano
que denotam a fome no animal
que se entoca neste plano, chão.
Ele se faz pequeno, mas é insano
e em nosso íntimo será domado
quando reconhecido, nominado.
Sempre à espera de adeus
do adeus que virá n’Alvorada
com a entrega duma vez, afinal
da Certidão de Nascimento
com a denominação nova
está o indivíduo sem nome.
Um documento o personaliza!
Novo modo de reconhecimento
que o faz pertencer a essa rede
que tanto o rejeita, quanto abriga
nas intrigas e carícias cotidianas.
O diálogo então, pula de logos
e faz ginástica com a gramática.
A linguagem popular rodopia
faz o que quer com quem pode
porque se sacode cá, sozinha.
Só e só - a sós - sob o SOL!
Até que venha provocar
o encontro de solidões.
Se ela só se importa
com certidões e carteiras
a negar o mar e suas portas
nos horizontes de cada praia
detenho-me aqui, e permaneço
onde me destaquei espectador
atento às expressões faciais
às vozes em ondulações...
Portanto, não é estranho a mim
o espanto pela personagem
que se mantém em si a dizer que
“não vai se arriscar por alguém
(um ente) que Nem-nome-tem”.
Agora, aquele que ergue-se lá
com seu rosto anônimo levado
veio com a típica face padrão
do ator que insiste em pedidos
ao diretor que apara uns ruídos
a fazer da questão dos registros
valor na selvageria da sociedade
que se identifica por estigmas.
- “Já volto, Cachorro”!
- “Não vou te abandonar”!
Diz o chamado de “Pescador”.
Tal exclamação supõe a ação.
A sina de pegar a vida na água
em sua constante movimentação
- lida com A Força da Vida, MAR!
Com toda absoluta imensidão!
Suas marés em rotinas lunares...
Assim, como se buscasse vestir
o rótulo que torna gente, suporte
se acharia enquanto pessoa a pé
só identificável por nome escrito
pelos papéis e funções, no rito.
Passam em duelo, a dançar
até construírem um elo singelo.
Corações - preciosas pulsações
que seguem nuvens e precipitam
nos mares a gerar arrebentações
ainda que busquem risos e PAZ
com celestes panos de fundo
ou aquáticos fundos de cena.
É A NATUREZA ESPIRITUAL
a debater-se no limite da carne
a desejar voar aos azuis aéreos!
É o que vem das alvas espumas
no processo de areação marinha
e desenha figuras geométricas
nessas teias que todos trocam
ao relacionar-se e a estar em SI.
É quando A ARTE
sintoniza com A SIMPLICIDADE
(SOL) há AMOR e HÁ VERDADE!
de *Sérgio Pinho dos Santos*