Soa o terceiro sinal, as luzes da plateia apagam lentamente. Acendem-se os spots que incidem sobre a cortina de veludo vermelho que abre lentamente revelando o cenário realista nos mínimos detalhes. Tem início o espetáculo, uma dramaturgia convencional com início, meio e fim mostrando uma ótima e consistente história interpretada por elenco de gabarito, todo ele com excelentes dicção e emissão de voz. Ao final da última cena, os spots do palco vão apagando e a cortina fecha lentamente. As luzes da plateia acendem, surgem os aplausos, a cortina volta a abrir e os atores retornam para agradecer.
Saudade desse tipo de
espetáculo? Então vá assistir a esse memorável A Última Sessão de Freud
em cartaz no Itaú Cultural até 18/03, devendo migrar em seguida para o Teatro
Vivo.
A peça do dramaturgo norte
americano contemporâneo Mark St. Germain, baseada no livro Deus Em Questão
do professor clínico de psiquiatria Dr. Armand M. Nicholi Jr (1928-2017),
apresenta um encontro fictício do ateu Sigmund Freud (1856-1939) com o
intelectual católico C.S. Lewis (1898-1963) onde eles discutem a existência (ou
não) de Deus. Os diálogos são fluentes e muito bem construídos, mostrando que o
autor tem profundo conhecimento do assunto e das ideias
das personalidades em questão. A maneira como a trama se desenvolve induz o
espectador a se questionar sobre seus valores religiosos e éticos.
A peça se passa no
dia em que a Inglaterra ingressou na segunda guerra mundial, estando sujeita à
invasão e aos bombardeios alemães; nesse aspecto ela se mostra extremamente
atual e com uma apavorante semelhança com a situação na Ucrânia, invadida e
bombardeada pela Rússia no momento presente.
A encenação de Elias
Andreato opta pelo realismo e pela ênfase na palavra, decisão acertadíssima
para esse tipo de texto. Para tanto vale-se do cenário de Fábio Namatame que
procura reproduzir nos mínimos detalhes e com o máximo de adereços o escritório
de Freud na Inglaterra, repetindo na ficção o gesto real de Anna, filha de
Freud, que reproduziu em Londres, o escritório do pai em Viena. Seguindo o
mesmo conceito, Namatame criou os figurinos de Freud e Lewis. A sóbria e bela
iluminação é assinada por Gabriel Paiva e André Prado.
Claudio Fontana dá
vida a Lewis com seu habitual talento, somando esta, às suas memoráveis interpretações
de Lady Macbeth (Macbeth), Leleco (Boca de Ouro) e Morte (Estado
de Sítio), para citar apenas algumas delas.
A composição de Freud
realizada por Odilon Wagner é mais que perfeita tanto no gestual como na parte
vocal. Os acessos de dor, devido ao câncer que viriam matar Freud poucos meses
após o tempo em que se passa a ação da peça, são impressionantemente realistas.
Interpretação digna de ser lembrada entre as melhores do ano.
Note-se que em dois
dias seguidos faço essa observação e me sinto privilegiado em testemunhar em
tão pequeno espaço de tempo, trabalhos tão dignos e perfeitos como os de Donizeti
Mazonas em Com os Bolsos Cheios de Pão e de Odilon Wagner em A Última
Sessão de Freud.
Elogiável também o trabalho de Ronaldo Diaféria que não poupou esforços para revestir esta produção dos melhores recursos técnicos, cênicos e interpretativos.
ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!
11/03/2022
Em cartaz no Itaú
Cultural até 27/03 de quinta a sábado às 20h e aos domingos às 19h.
Bora conferir …
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