quinta-feira, 10 de março de 2022

COM OS BOLSOS CHEIOS DE PÃO

 

Fotos de Keiny Andrade

No início dos anos 2000, circulavam pelas escolas de teatro e pelas oficinas de dramaturgia, cópias xerox de textos de certo dramaturgo romeno que estava em voga na Europa. Tratava-se de Matéi Visniec, um ilustre desconhecido entre nós.

Um desses textos - que foi o primeiro a que tive acesso - era Com os Bolsos Cheios de Pão. Na minha superficial análise da ocasião escrevi “Bons diálogos, um conflito atrás do outro, mas que não leva a nada e lembra ‘Esperando Godot’”. Não há dúvida que nessa fase o autor tem uma grande influência de Samuel Beckett, mas daí a concluir que o texto não leva a nada foi um equívoco da minha parte.

O interesse pela obra de Visniec cresceu e teve surpreendente expansão com o lançamento da maioria de suas peças pela Editora É. Só na segunda década deste século foram montadas em São Paulo mais de uma dezena de suas peças por renomados nomes do nosso teatro.

Chegou a vez da, ao que eu saiba, primeira montagem profissional de Com os Bolsos Cheios de Pão e o resultado é surpreendente.

Aqueles dois homens, um com uma bengala e o outro com um lenço na cabeça, que substitui o chapéu do original, estão ali, diante de um poço onde caiu um cão que não se sabe se está vivo ou morto. Tagarelam, fazem mil conjecturas, mas não fazem nada de concreto para salvar o cão. É aquela imobilidade tão comum entre nós que faz com que os que detém o poder sigam em frente com suas insanas atitudes.

- Então vamos?

- Vamos!

(permanecem imóveis no mesmo lugar)

Dessa maneira terminam o primeiro e o segundo ato de Esperando Godot de Beckett e essa (in)ação domina toda a trama da peça de Visniec; mas há uma grande diferença entre Vladimir e Estragon e os homens de Com os Bolsos Cheios de Pão, a questão dos primeiros é mais metafísica enquanto os segundos têm diante de si um problema concreto e nada fazem para resolvê-lo, além de falarem, falarem, falarem... sem sair do lugar!

A criativa encenação de Vinicius Torres Machado situa toda a ação em um bloco circular com cerca de um metro e meio de diâmetro e a mesma medida de altura. O cenário e os figurinos são assinados por Eliseu Weide.

Bastante verborrágica e propositalmente repetitiva nos diálogos, a dinâmica da peça encontra seus aliados na criativa e surpreendente iluminação de Wagner Antonio e na força e talento de seus intérpretes.

Edgar Castro empresta seu conhecido talento ao homem da bengala, aparentemente mais forte e convicto de suas ideias.

Donizeti Mazonas compõe com maestria o patético e frágil homem com chapéu. Seu tom de voz, suas expressões faciais e sua movimentação cênica naquele exíguo espaço me deixaram literalmente com um sorriso amargo na boca aberta. A temporada teatral está apenas começando, mas esse trabalho já pode ser considerado como um dos melhores e mais significativos do ano.

A peça encerra a temporada no SESC Pompeia em 18/03 (de terça a sexta às 21h), mas deve cumprir uma nova no Teatro Cacilda Becker em data a ser divulgada.

NÃO DEIXE DE VER!

 

10/03/2022

 

 

 

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