Este é meu décimo Godot. O primeiro
jamais vou esquecer, pois foi aquele dirigido por Flávio Rangel em 1969 com
Cacilda Becker e Walmor Chagas nos papeis de Estragon (Gogo) e Vladimir (Didi).
Seguiram-se a montagem clássica de Roger Blin
(1978) na Comedie Française; uma de Cristiane Paoli Quito (2000) da qual
tenho boas lembranças; de Paulo de Moraes (2002); de Gabriel Villela só com
mulheres (2006); de Marcelo Lazzaratto (2006), na qual, se bem me lembro, Godot
se fazia presente na última cena; de Leo Stefanini (2016); de Elias Andreato
(2016) e a visceral montagem de Cesar Ribeiro (2017). Por não estar no Brasil
na época não assisti à encenação de Antunes Filho (1977) também com elenco
feminino.
Chegou a vez de assistir à visão de Zé
Celso Martinez Corrêa sobre esta espera, em tempos tão conturbados, desses dois
seres por alguém ou algo que nunca virá.
Zé Celso já visitou a obra em cenas da
poderosa série de peças sobre Cacilda e em uma montagem carioca, mas é a
primeira vez que o faz integralmente nos palcos paulistanos.
Pelas circunstâncias da morte de
Cacilda, esta peça está irremediavelmente ligada à sua pessoa, então foi um
verdadeiro privilégio assistir ao espetáculo no dia (06 de abril) em que
Cacilda completaria 101 anos.
E o espetáculo de Zé Celso está
belíssimo e potente desde as imagens projetadas em um telão no início com cenas
das barbáries ocorridas no Brasil e no mundo nos últimos tempos prenunciando o
fim do mundo, seguido do belo cenário concebido por Marília Gallmeister e
Marcelo X banhado linda e criativamente pela luz desenhada por Luana Della
Crist que literalmente envolve o público na interminável espera por Godot.
Louve-se também os trabalhos de vídeo
realizados por Ciça Lucchesi, Igor Marotti e Renato Pascoal, registrando no
telão as cenas que se passam no palco, dando a possibilidade de o espectador
ver a cena sob vários ângulos. Essa captação de imagens nos espetáculos do
Oficina tornaram-se uma benéfica marca registrada do grupo já há alguns anos.
Acostumado a realizar espetáculos com
dezenas de figurantes, desta vez Zé Celso se limita aos cinco personagens do
original.
Marcelo Drummond (Estragon) e
Alexandre Borges (Vladimir) encarregam-se dessas duas figuras icônicas do
teatro mundial. Ricardo Bittencourt interpreta Pozzo, Roderick Himeros
desincumbe-se do difícil papel de Lucky (Felizardo) e Tony Reis é o Mensageiro,
personagem com a qual Zé Celso tomou mais liberdades nesta sua versão da peça.
A atuação do elenco é impecável, mas
no meu modo de ver, o intérprete que melhor reproduz o universo beckettiano e a
perspectiva do fim do mundo é Marcelo Drummond, maravilhoso como o patético
Gogo.
Em certo momento da peça, um dos
personagens nomina algumas figuras indesejáveis, entre eles, os bolsominions e
os “críticos”. Mesmo assim vou fazer uma pequena crítica à montagem: apesar da
excelência da interpretação de Ricardo Bittencourt, a cena de Pozzo no primeiro
ato, estende-se além da conta, quebrando o clima criado pelas cenas anteriores
e dificultando a retomada do mesmo após a sua saída.
Espetáculo mais que necessário para os tempos atuais que mostra a vitalidade do nosso Zé Celso, o encenador vivo mais importante do teatro brasileiro, cujas energia e criatividade estão mais jovens e transgressoras do que nunca.
ESPERANDO GODOT fica em cartaz no SESC Pompeia até 17/04 com sessões de quarta a sábado às 19h e aos domingos às 17h, transferindo-se para o Teatro Oficina de 05/05 a 03/07 com sessões de quinta a domingo às 20h. Pelas características diferentes dos dois teatros o espaço cênico deverá ser modificado quando transferido para o Oficina.
NÃO DEIXE DE VER!
AH!!! Um belíssimo programa impresso de 72 páginas é distribuído para os espectadores. Esperemos que não seja uma exceção à terrível regra atual de disponibilizar o acesso aos programas por QR code e que volte a ser regra daqui por diante. Obrigado SESC!!
07/04/2022
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