A julgar por dadesordemquenãoandasó
(2016), Scavengers (2017) e a presente Freedom City, trilogia
montada pela Cia. Artera de Teatro, parte da trama narrada pelo elenco
é uma característica do teatro do dramaturgo escocês Davey Anderson.
Aqui, mais uma vez, o
recurso é muito bem utilizado para narrar a saga do protagonista Samuel, um
rapazote meio perdido, sem noção de nada, que sobrevive trabalhando em um hotel
de segunda categoria, isca perfeita para ser tragado por esses sites que
disseminam o fanatismo conservador, pregando o machismo, os preconceitos
raciais e de gênero e o ódio como forma de sobrevivência. A comunidade virtual
intitula-se Freedom City.
Para tema tão
contemporâneo envolvendo comunicação virtual e fake news que disseminam
preconceito e ódio, Davi Reis e Ricardo Corrêa criaram concepção cênica que
dialoga com a proposta do texto. Luminosos, máscaras que projetam imagens e
frases por meio de controle do celular e poucos elementos que definem a sala da
casa de Samuel, o porão onde Samuel tem seu notebook, o hotel e uma mercearia
onde uma das personagens trabalha. Esse
cenário, suficientemente limpo é assinado pela dupla e por Cesar Resende de
Santana (Basquiat). A iluminação de Fran Barros completa com muita beleza esse
local por onde vão transitar as personagens da peça.
Ricardo Corrêa
defende com seu costumeiro talento a figura de Samuel. Pedro Guilherme que já
atuou com a Artera em dadesordemquenãoandasó representa com
energia o ridículo líder da comunidade. Lucca Garcia completa o elenco
masculino atuando principalmente na narração.
Julyana Belmonte
representa vários papeis e Letícia Tomazeli é Wendy, irmã de Samuel, única
personagem que provoca empatia com o público.
Além de representar
as personagens, todo o elenco também se incumbe das partes narradas.
A homogeneidade
interpretativa é outro ponto forte deste ótimo espetáculo.
A maioria das peças a
que tenho assistido procura inserir em algum momento fatos relativos a esse
indecente governo a que estamos submetidos. Gesto mais que louvável porque MAIS
DO QUE NUNCA é preciso denunciar o que está ocorrendo; no entanto em certos
casos a denúncia soa artificial ou fora do contexto. Em Freedom City
essa denúncia escancarada do gabinete do ódio e das fake news promovidas
pelo presidente e seus cupinchas entra de forma harmoniosa como se tivesse sido
escrita por Davey Anderson depois de um contato com nossa realidade.
Extremamente
necessária para o momento que estamos vivendo, esta peça precisaria ser
assistida por jovens fora da bolha; aqueles jovens que, por inocência ou
oportunismo, acabam se envolvendo e defendendo essas verdadeiras máfias do
ódio.
FREEDOM CITY está em
cartaz no Centro Cultural São Paulo até 1º de maio com sessões de quinta a
sábado às 21h e aos domingos às 20h. Ingressos gratuitos.
22/04/2022
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