quinta-feira, 2 de maio de 2024

UM LUGAR AO SOL

Certa feita ganhei um caderno, cuja capa trazia a seguinte frase: “Os sonhos não envelhecem.” O que me motivou a escrever sobre os meus sonhos. Na primeira página deste caderno escrevo sobre o sonho antigo de ir a Cartoucherie de Vincennes, assistir a um espetáculo do Théâtre du Soleil e esse dia finalmente chegou: 25/02/2024.

Depois de uma viagem de metrô e ônibus, atravessei emocionado, debaixo de um céu cinzento, o portão que tem a inscrição “Cartoucherie”. Vários galpões compõem o complexo cultural, que também é ocupado por outros grupos de teatro. O Théâtre du Soleil ocupa dois desses galpões. No primeiro está a recepção, o local para escolha dos assentos, o restaurante e a loja que vende os produtos do grupo. No segundo estão a sala de representação e os camarins.

Assisti ao espetáculo NOTRE VIE DANS L’ART escrito e dirigido pelo norte-americano Richard Nelson, traduzida por Ariane Mnouchkine e interpretado pelo elenco do Théâtre du Soleil. A peça trata das conversações entre os atores do Teatro de Arte de Moscou, durante sua turnê em Chicago, no ano de 1923.

Voltando aos edifícios, almocei no restaurante do galpão 1, que servia comida de origem russa, de acordo com o tema da peça. Quem me serviu foi um simpático armênio que posteriormente constatei ser um dos atores principais do elenco.

E eis que chega a hora de ir para a sala de espetáculos no galpão 2. A sala é formada por duas plateias laterais, uma de frente para a outra, e um palco retangular no centro, à semelhança da disposição cênica apresentada no espetáculo Les Éphémères.

Em volta de uma mesa, um grupo de artistas do Teatro de Arte de Moscou discute sobre arte e política. Richard Boleslavski, antigo ator do grupo, ora exilado no oeste dos EUA, também está com eles.

A peça começa e termina com a leitura de duas cartas supostamente escritas por Stanislavski, uma em 1936 e a outra em 1938, dirigidas a Stalin, enaltecendo o governo Stalinista e a sua atenção pela arte no país. Quem lê as cartas é o personagem Richard e é claro o conteúdo crítico das mesmas, uma vez que Stalin não morria de amores e perseguia toda e qualquer arte que não se inscrevesse no realismo social ditado por seu governo.

A peça consta de um prólogo (a carta de 1936), seis cenas que se passam praticamente num mesmo dia de 1923 e um epílogo (a carta de 1938).

As cenas têm curvas dramáticas parecidas, momentos de tensão alternados com outros descontraídos. A interpretação dos atores é impecável e, apesar do diretor/autor declarar que teve total liberdade para criar o espetáculo, é bastante visível a marca Soleil/Mnouchkine, tanto na interpretação, como na manipulação dos objetos. Outro elemento característico do grupo são as expressões marcantes daqueles que não estão falando, o que mostra o quanto eles estão verdadeiramente dentro da ação.

A trilha sonora é discreta e neste caso não conta com a participação de Gean-Jacqes Lemêtre, foi composta por

Apesar de não ter entendido todo o texto (fala corrida em francês), acredito que acompanhei bem a peça e compreendi o espírito da mesma.


Foi um grande prazer rever os atores do Soleil: Maurice Durozier, excelente como Stanislavski; Duccio Bellugi-Vannuccini e, principalmente, Shaghayegh Beheshti que compõe uma mulher de meia idade e que em certos momentos remete à inesquecível Perle de Les Éphémères. Reconheci também Judit Jancsò que atuou em Náufragos da Louca Esperança e que aqui interpreta a sensível Masha. No meu entender a mais frágil do elenco é Hélenè Cinqee que faz o importante papel de Olga Knipper, viúva de Tchecov.

Por toda a estética da encenação, penso que tanto Richard Nelson, os atores do Soleil e Ariane Mnouchkine tenham ficado satisfeitos com o resultado.

E assim se realizou um dos grandes sonhos da minha vida...

Esta matéria foi transcriada de meu diário de bordo da viagem com a ajuda inestimável de meu amigo Arnaldo D’Ávila.

A selfie do sonhador

Todas as fotos foram tiradas por mim.

02/05/2024

 

 

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