IMITANDO A GIRAFA... Um visão afetiva da VELHA
COMPANHIA
Os
privilegiados espectadores que conseguiram adquirir os disputados ingressos, esgotados em menos de meia hora, para a temporada comemorativa dos 15 anos da Velha Companhia no Sesc Pompeia terão a
rara oportunidade de assistir ou reassistir aos três últimos trabalhos do
grupo: Cais (2012), Valéria e os Pássaros (2015) e Sínthia
(2016)
Os
fundadores do grupo Kiko Marques, Virginia Buckowski e Alejandra Sampaio,
segundo eles próprios, formam uma tríade equilibrada e que se complementa, uma
vez que Virginia é mais racional e Kiko e Alejandra mais sonhadores, dando ao
grupo algo parecido com a girafa que tem a cabeça nas alturas, mas os pés no
chão.
"Garoto
carioca travesso rouba um ingresso para assistir a uma montagem estudantil de O Pagador de Promessas e fica arrebatado
pelo que vê, tornando-se a partir daí um espectador compulsivo de teatro". Esse
poderia ser o início de uma biografia de Maurício Marques. Trabalhando como
ator no Rio de Janeiro, vem para São Paulo em 1993 no elenco da peça Epifanias dirigida por Moacir Góes,
mudando-se para cá e estabelecendo parceria com seu amigo e colega Marco Antônio
Braz. O pomposo nome artístico de Maurício
Marques ele usou até 2008 quando o alterou para Kiko (seu apelido desde a
infância) Marques, por sugestão de Denise Fraga quando atuaram juntos na peça A Alma Boa de Set Suan.
A
gaúcha Virginia muda para São Paulo ainda pequena e começa a fazer teatro por
insistência de sua mãe. Sente que é esse seu caminho ao assistir a Trono de Sangue, versão de Macbeth dirigida por Antunes Filho. Foi
cochilando e babando no ombro do Kiko que o casal se apaixonou (com a ajuda do
cupido Alejandra), namorou e casou.
Alejandra ainda criança muda de São Paulo com a família para a zona rural de Votorantim, onde a
única experiência teatral era brincar de “faz de conta” com o irmão. Quando
jovem muda-se para Curitiba, voltando mais tarde para São Paulo com diplomas em
Artes Cênicas e Direito debaixo de um braço e com o filho também Alejandro, nascido curitibano, no outro braço.
Os três se conheceram em um curso de teatro
ministrado por Kiko e por Marco Antônio Braz no antigo Teatro Pirandello na Rua
Major Diogo, atuaram juntos em Perdoa-Me
por Me Traíres (1994/1996) e como diria vovó “Não se largaram mais!”.
Carinhosamente eles se tratam por Kiko, Vivi e Lê. Permaneceram durante
algum tempo no Círculo dos Comediantes
coordenado por Braz aonde chegaram a montar a peça Crepúsculo de Kiko.
Em 2003 criam a Velha Companhia encenando Brinquedos
Quebrados, com autoria e direção de Kiko. O nome Velha Companhia remete tanto ao fato do grupo trabalhar a memória
em seus espetáculos e a pessoa velha ser um grande celeiro de lembranças e
memórias como também por eles serem velhos companheiros. Afinidades artísticas
e ideológicas e uma grande afetividade são, a meu ver, os elementos que dão
suporte para esse trio manter com muita garra e luta a companhia por 15 anos.
Remontam
Crepúsculo em 2005 e em 2007 voltam a
trabalhar com Marco Antonio Braz que dirige Ay,
Carmela de José Sanchis Sinisterra tendo Virginia e Kiko no elenco.
Kiko
volta na autoria e direção em O
Travesseiro (2009) e a experiência acumulada em todos esses anos desemboca
em 2012 na obra prima absoluta que é Cais
ou da Indiferença das Embarcações que
dá grande visibilidade para o grupo recebendo aplausos unânimes da crítica e do
público, além de muitas indicações e premiações.
Cais é um marco do teatro, sendo, no meu
ponto de vista, a primeira, e por enquanto a única, obra prima do teatro
brasileiro do século 21. Na ocasião escrevi que “Cais não era, ele é e sempre será. Eu e você passaremos, mas Cais e seus personagens permanecerão,
porque já nasceram clássicos”. Essa maravilha encerrará a temporada do grupo no
Sesc Pompeia nos dias 4,5 e 6 de maio.
Em
2015 a companhia volta a visitar a obra do dramaturgo espanhol José Sanchis
Sinisterra que deu de presente à Alejandra, um monólogo intitulado Valéria e os Pássaros. Kiko deu presença
cênica ao que eram apenas vozes em off no
texto, transformando o monólogo em um espetáculo com onze atores em cena. Visão
poética e política sobre os presos torturados e desaparecidos por ditaduras, a
peça será apresentada nos dias 27, 28 e 29 de abril.
A
última montagem da Velha Companhia e
primeira a ser apresentada nesta temporada no Sesc Pompeia (20, 21 e 22 de
abril) é Sínthia que tem o
estilo/assinatura de Kiko, indo e vindo no tempo e ficcionalizando as suas
memórias, transformando-as em verdadeiras obras de arte. Depois de Cais, era um
grande desafio criar a próxima obra e Kiko venceu bravamente a batalha,
colocando dentro de uma mesma trama transexualidade e ditadura, sabendo como
poucos aliar o privado ao público criando uma história que emociona e faz
pensar.
O
grupo começa a preparar sua nova montagem Casa
Submersa que tem origem em um sonho
de Kiko. Como nas outras peças o processo de maturação é longo e o resultado
final virá da contribuição do grupo nos workshops, ensaios e discussões
realizados.
Fato
marcante e digno de nota é a constância dos atores no elenco das peças. Cais, por exemplo, está em seu sexto ano
de vida e só teve substituição no elenco por conta do destino que pela morte levou o saudoso Walter Portella que vivia Sargento Evilásio, o barco narrador
da história e pela vida trouxe a pequena Anita ao casal Kiko e Virginia e esta foi
substituída temporariamente por Tatiana de Marca no papel de Magnólia .
Substituições nos músicos trouxeram Bruno Menegatti, outra obra do destino, que
agora com a ajuda do cupido Virginia, tornou-se o companheiro de Alejandra.
Como se vê os agregados formam, junto com os fundadores, um todo orgânico que
responde pelo nome de Velha Companhia,
entre eles, Patrícia Gordo, Marcelo Diaz, Rose de Oliveira, Marcelo Marothy e
Marco Aurélio Campos. Uma verdadeira família com muitas cabeças nas nuvens e
muitos pés no chão. Como a girafa...
15
ANOS DA VELHA COMPANHIA, cartaz do novo Espaço Cênico do SESC Pompeia de 20/04
a 06/05 às sextas e sábados às 20h e aos domingos às 18h.
18/04/2018
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