O RETRATO DO CAOS
O
elucidativo programa da peça Pi contém
valiosas informações sobre os malefícios que o homem já provocou para si e para
este pobre planeta; uma delas mostra que se a escala de criação da terra fosse
marcada por 24 horas, o homem teria surgido no último segundo antes do dia se
completar. O espetáculo de Bia Lessa mostra que seria melhor que o homem
tivesse ficado para o dia seguinte, ou melhor ainda, para nunca mais. Mas uma
vez que estamos por aqui e criamos um mundo que não nos serve, algo precisa ser
feito, completa a diretora. E o que ela faz é denunciar fortemente o caos
provocado pelos seres humanos.
Pi é um dos acontecimentos teatrais mais
importantes e contundentes surgidos neste ano nos palcos paulistanos. Bia Lessa
repete com maior impacto aquele provocado por Grande Sertão: Veredas no
ano passado.
A
peça é montada em um teatro semi destruído e tem todo o espaço cênico coberto
com 11 mil peças de roupa que terão papel importante no desenvolver da ação. A
encenação remete a um dos primeiros trabalhos de Bia Lessa, o Exercício nº1 (1987) tanto na concepção
cênica como nos temas tratados. Apresentado em São Paulo no Teatro Mars no ano
seguinte, Exercício nº1 apresentava
em flashes vários aspectos de um mundo cruel e Pi mostra que a situação só piorou nos 30 anos que separam os dois
espetáculos, além de também comprovar a maturidade e a criatividade da
diretora. As cenas são assinadas por Júlia Spadaccini, Jô Bilac e André Sant'Anna.
Os
quatro atores iniciam a peça vestindo e desvestindo roupas e caracterizando os
donos daqueles vestuários. Essa ação acontece enquanto o público adentra a sala
e o ritmo da troca de roupas aumenta vertiginosamente até o espetáculo
realmente começar. Não se trata de uma história, mas de vários fragmentos do mundo
contemporâneo como aquele dos habitantes de um lixão, o nascimento, a morte, o
sexo, a ostentação, o preconceito, a guerra e tantas outras coisas criadas pelo
homem. Há até um momento suave com brincadeiras de crianças.
Cláudia
Abreu, Leandra Leal, Rodrigo Pandolfo e Luiz Henrique Nogueira encarregam-se de
representar todas essas situações com entrega pouco vista em nossos palcos.
Seria injusto destacar este ou aquele nome porque todos estão absolutamente
soberbos em suas interpretações. No caso de um prêmio ele só seria justo se
contemplasse o elenco como um todo. E por falar em prêmios, Bia Lessa é mais
uma vez forte candidata àquele de melhor direção, assim como o seu espetáculo,
onde tudo se encaixa de maneira perfeita: cenografia, luz e a excelente trilha
sonora que vai desde o belíssimo tema do filme Amor à Flor da Pele até a poderosa música das óperas de Wagner.
Ao
contrário do número pi (3,1416...., lembra?) que talvez termine no infinito, a
peça tem um final que é de tamanho impacto que as pessoas saem da sala
atordoadas e com lágrimas nos olhos.
Somos
responsáveis pelo mundo em que vivemos e Pi
nos faz refletir sobre isso.
Pi – Panorâmica Insana está em cartaz no
Teatro Novo situado em uma galeria da Rua Domingos de Moraes, 348 ás sextas e
aos sábados às 21h e aos domingos às 18h até 29/07. IMPERDÍVEL.
02/06/2018
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