“A última etapa antes da recepção do texto e
da cena pelo espectador”, assim Patrice
Pavis define a voz do ator em seu Dicionário de Teatro. É como espectador que
me sinto incomodado com certa frequência ao assistir a espetáculos que ficam
prejudicados pela fraca emissão de voz do elenco. Isso acontece geralmente com
atores mais jovens o que parece revelar que as escolas de teatro não têm
tratado a assunto com o devido cuidado. As vozes parecem não querer sair do
espaço restrito do palco e não se projetam até o fundo da sala, o que é
absolutamente necessário. Em peças onde a palavra é importante, o ator pode ter
boa dicção, possuir gestual e interpretação adequados, mas se ele não se faz
ouvir o todo fica muito prejudicado e, de certa maneira, até incompreensível.
Maria José de Carvalho e Eudósia Acuña foram grandes especialistas em técnicas
vocais e formaram boa parte dos atores que hoje são chamados de geração mais
velha os quais se fazem ouvir mesmo em espetáculos sem sonorização. Onde estão nos
dias de hoje aqui em São Paulo, os especialistas na área? Emissão, entonação,
dicção, cuidados com a voz. Assuntos urgentes a serem considerados pelas
escolas e pelos encenadores.
Faço
esse preâmbulo para justificar o quanto fiquei incomodado na noite de ontem ao
assistir a Brincando Com Fogo, o novo
espetáculo do sempre competente Grupo TAPA, com direção de Eduardo Tolentino de
Araújo. Sentado na quinta fileira de um teatro que tem boa acústica, tive
dificuldade de escutar boa parte do texto e ao final do espetáculo pude
constatar que essa dificuldade não foi só minha.
August
Strindberg (1849-1912) escreveu dezenas de peças teatrais, a maioria
desconhecida entre nós. Brincando Com
Fogo foi criada poucos anos depois de ele ter escrito duas de suas peças
mais montadas no Brasil (Senhorita Júlia
e A Mais Forte) e contém temas caros
ao dramaturgo sueco como certa aversão à personagem feminina e forte conteúdo
erótico: um casal entediado com a relação e com a convivência com os pais do
homem testa suas sensações com um amigo visitante e com uma prima que habita o
mesmo local.
Tolentino
trata com sua costumeira elegância a história. Em um espaço quase vazio,
adornado por quadros, molduras e espelhos ele desloca as personagens vestidas
de branco, vermelho e preto criando clima propício ao desenvolvimento da trama
(a ficha técnica não identifica a autoria do cenário e dos figurinos que,
provavelmente, são do próprio diretor).
Camila
Czerkes e Daniel Volpi representam o casal. Bruno Barchesi e Luana Fioli são,
respectivamente, o amigo e a prima com
quem o casal vai se envolver. Boas interpretações, infelizmente, prejudicadas
pelos problemas vocais citados acima.
Em
pequenas participações, Oswaldo Mendes e Mara Faustino brilham como o pai e a
mãe, fazendo-se ouvir pelo espectador que estava sentado na última fila do teatro.
Resolvidas
as questões auditivas observadas na estreia, Brincando Com Fogo pode tornar-se outro espetáculo com o padrão de
qualidade do Grupo TAPA.
BRINCANDO
COM FOGO realiza curta temporada até 16/02 no Teatro Aliança Francesa. Quinta a
sábado (20h30) e domingo (19h)
10/01/2020
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