quinta-feira, 23 de janeiro de 2020

FÓSSIL


 
Eu vou virar petróleo?
        Ainda é cedo para concluir, mas dá para conjecturar que Fóssil estará na lista dos melhores espetáculos apresentados em São Paulo em 2020.
        O impacto visual já acontece quando se adentra o espaço cênico. De um lado um executivo com ar taciturno está sentado em sua mesa de trabalho tendo ao fundo paisagem sombria de um complexo industrial com chaminés soltando fumaça, do outro uma jovem sorridente caminha por paisagem solar que lembra um oásis. As paisagens e os ânimos dessas duas personagens vão se chocar quando a jovem (Anninha) procura o executivo (Luís) buscando a aprovação de projeto para a realização de filme sobre guerrilheiras curdas. Anninha e Luís já se conheciam, uma vez que ele foi amigo/chefe/amante de sua mãe. A partir daí ela tenta convencê-lo do seu projeto e para tanto lhe/nos dá verdadeira aula da geografia do Oriente Médio e do local onde existiu o Curdistão, além de comentar sobre as atividades do povo curdo; tudo isso de maneira lúdica e prazerosa sem o menor ranço didático.
        O texto bem articulado de Marina Corazza foi feito a partir de extensa pesquisa realizada pela atriz Natalia Gonsales sobre a Revolução de Rojava onde as mulheres curdas têm uma participação definitiva. A peça ainda faz um paralelo com a atuação das mulheres brasileiras na resistência à ditadura militar. Uma referência ao dilúvio bíblico onde toda a humanidade foi parar no fundo do mar contada pela avó de Anninha justifica o título da peça e a pergunta que a neta faz para a avó em determinada cena. Como se vê o texto de Marina abre várias frentes interessantes, sem, entretanto, perder o foco que é a luta dos curdos pelo direito de ter um país e, principalmente, o papel da mulher curda nessa luta.
        As projeções dos vídeos concebidos por André Grynwask e Pri Argoud são um dos principais atrativos da peça, ilustrando, comentando e embelezando cada momento de toda a encenação. O cenário de Carol Bucek iluminado por Aline Santini e a significativa trilha sonora de Marcelo Pellegrini baseada em motivos orientais são os outros recursos bem orquestrados por Sandra Corveloni na direção, dando como resultado um espetáculo orgânico e muito belo. Poucas vezes temos visto forma e conteúdo tão em harmonia como nesta montagem.
 
 
        Natalia Gonsales tem uma das melhores interpretações de sua já significativa carreira mesclando a doçura e a firmeza da personagem com muita categoria e é muito bem acompanhada por Nelson Baskerville como o executivo bem colocado na vida que não entende porque a “doce” Anninha trocou a inofensiva carreira como dançarina por um trabalho militante e perigoso.
         Termino esta matéria com a sensação que ela é muito pequena para abrigar toda a grandeza desse espetáculo idealizado por Natalia Gonsales.

        FÓSSIL está em cartaz no SESC Pompeia de quinta a sábado às 21h30 e domingos e feriados às 18h30, só até 02/02. ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL.
 
       Fotos de Ronaldo Gutierrez 

        22/01/2020

Um comentário:

  1. Cetra, querido:
    Concordo com vc sobre Fóssil ser já um dos "melhores espetáculos apresentados em São Paulo em 2020".
    Sensível e ao mesmo tempo contundente registro da luta das mulheres curdas pela democracia.
    Bjs
    Maurício

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