A língua é minha pátria.
E eu não tenho pátria,
Tenho mátria e quero frátria.
(Caetano Veloso)
Não há como não lembrar da canção de
Caetano ao assistir essa nova incursão dos Ultralíricos pelo mundo das
letras e das palavras: Língua Brasileira almeja a mesma frátria que
Caetano!
Desde 2013 com Puzzle, Felipe Hirsch e
seu grupo enveredaram por esse rico universo com resultados às vezes brilhantes
como A Tragédia Latino Americana (2016) e Selvageria
(2017) e às vezes irregulares como A Comédia Latino Americana (2016) e Fim
(2019). Todos esses espetáculos têm como principal protagonista a palavra na
literatura dita por elenco numeroso e talentoso com acompanhamento musical da
orquestra Ultralíricos e a direção de arte de Daniela Thomas e Felipe
Tassara.
A fórmula se repete em Língua
Brasileira com a inclusão mais que bem-vinda da música de Tom Zé e de um
verdadeiro desfile de línguas, sendo que algumas delas deram origem àquela que
falamos hoje no Brasil.
O espetáculo começa quando se adentra
a sala de espetáculos e admira-se a cortina, que depois fica-se sabendo que é
apenas uma parte da imensa obra (5m20 por 3m60) Tupinambás, Léguas e Nagôs
guiam a libertação de Pindorama das garras da quimera de Mammón de Thiago
Martins de Melo. Ao terceiro sinal esse vasto painel sobe lentamente
descortinando o imenso palco do Anchieta com o chão coberto de um tipo de areia
negra e os músicos Ultralíricos a postos nos dois lados do palco. A
emoção está instaurada.
Muitas cenas são faladas nas línguas originais
e propositalmente não há legendas com o objetivo de que o público “deguste”
aqueles sons tão estranhos como o guarani, o iorubá e até mesmo o grego e o
latim (Amanda Lyra tem uma cena deliciosa com esta língua).
As canções de Tom Zé permeiam todo o
espetáculo introduzindo um dinamismo salutar e eliminando certa monotonia
presente nos espetáculos anteriores quando um longo palavrório era seguido de
outro tão longo quanto aquele que o precedeu.
Língua Brasileira é composta de várias cenas, algumas
mais vibrantes do que outras, dependendo do interesse do espectador. Para este
espectador as cenas que mais funcionam são aquelas onde há um toque do humor
como a hilariante Cartilha Com os Preceitos e Mandamentos da Santa
Madre Igreja (verdadeiro show de Amanda Lyra e Danilo Grangheia que leva a
plateia quase ao delírio), a cena de uma peça de José de Anchieta falada em
tupi (mais um show, desta vez com Georgette Fadel e Pascoal da Conceição) e a
extensa cena, quase ao final, quando todo o elenco é contaminado pela loucura
surrealista de José Agripino de Paula e sua PanAmerica.
Deixando de lado o humor, outro
momento brilhante do espetáculo é aquele em que Pascoal da Conceição nos
presenteia com Galáxias, vasto texto de Haroldo de Campos. Fica a
dúvida: o que é mais difícil para um ator decorar: um texto em bantu ou um
poema de Haroldo de Campos?
Espetáculo desse tipo depende muito do
talento e da versatilidade de seu elenco. E que elenco! E que talentos!!
Sem exceção, todos brilham. Os já
citados Amanda Lyra, Georgette Fadel, Danilo Grangheia, Pascoal da Conceição e
também Rodrigo Bolzan e a surpreendente Laís Lacôrte com bela e marcante
presença cênica e voz mais bela ainda.
Dignas de nota as expressões corporais
de cada um do elenco. A ficha técnica não indica se houve um preparador
corporal, onde se deduz que as coreografias foram criadas individualmente ou
por indicação do diretor. Além de excelentes intérpretes, o elenco se revela no
canto tendo sido preparados vocalmente por Yantó.
A música, tão importante na peça, tem
uma grande aliada nos músicos Ultralíricos que a interpretam.
Sem explicitar, o espetáculo faz raro
libelo a favor de raças sempre colocadas à margem pela história oficial: os
índios e os negros.
Felipe Hirsch rege todos esses elementos de forma segura e harmoniosa oferecendo ao público o melhor dessa série que se iniciou há nove anos com Puzzle e não tenho dúvidas ao afirmar que para tal resultado muito contribuiu a participação de Tom Zé, afinal, Língua Brasileira é, além de tudo, um grande musical!
O programa da peça é recheado com matérias sobre o assunto nela tratado e também com um diálogo entre Hirsch e Tom Zé. Contém ainda a ficha técnica e um roteiro do espetáculo com dados sobre os textos apresentados. A ser lido, estudado e guardado com muito carinho.
Por último, mas não menos importante,
fica aqui registrada a minha emoção em retornar ao meu amado Teatro Anchieta
após quase dois anos (a última vez foi em fevereiro de 2020 com o espetáculo Embarque
Imediato).
Grande noite!
10/01/2022
Que legal, Cetra... valeu a dica.
ResponderExcluirVou tentar ver ....