Introdução – Bernhard
nos palcos paulistanos.
Se neste ano de 2022,
Thomas Bernhard (1931-1989) ainda é um ilustre desconhecido para a maioria do
público brasileiro, o que dizer sobre quem sabia de sua obra em 1996? Pois o
escritor/dramaturgo austríaco é um velho conhecido de Luciano Chirolli que
naquele ano dirigiu e interpretou em companhia de sua grande amiga, a saudosa
Maria Alice Vergueiro (1935-2020) a peça No Alvo.
Ao que eu saiba foi a primeira montagem de
Bernhard em palcos paulistanos e não foram muito numerosas outras encenações de
suas obras nesses quase trinta anos.
Ritter, Dene,Voss é o título original
de uma peça que teve três montagens com títulos diferentes: Ludwig e as
Irmãs (2002) dirigida por Maurício
Paroni de Castro; Almoço na Casa do Sr. Ludwig (2002), montagem gaúcha
encenada por Luciano Alabarse e Ludwig e Suas Irmãs (2015) com
direção de Eric Lenate.
O estupendo romance Árvores
Abatidas foi adaptado pelo curitibano Marcos Damaceno em forma de monólogo
(2013) que resultou em interpretação antológica de Rosana Stavis e também teve
montagem magnífica do encenador polonês Krystian Lupa apresentada na MITsp de
2018.
O romance Extinção
também foi adaptado para a linguagem teatral em espetáculo de Denise Stoklos
apresentado em 2018.
Eis que surge agora
pelas mãos de William Pereira e Luciano Chirolli uma adaptação teatral do romance
O Náufrago.
Uma curiosidade é que tendo Bernhard escrito cerca de 30 peças, nossos encenadores têm preferido adaptações de seus romances para o palco.
O Náufrago
O título original Der
Untergeher do romance também poderia, segundo o Google, além de náufrago,
ser traduzido por “sucumbido,
fracassado, sumido” e todas essas características poderiam ser usadas para
definir a personagem de Wertheimer, o pianista fracassado cuja trajetória é
narrada em cena por um antigo colega da escola de música onde ambos ouviram
Glenn Gould tocar as Variações Goldberg de Bach e concluíram que jamais
poderiam se igualar a Gould no virtuosismo do piano. Enquanto o narrador seguiu
com sua vida sem se importar com isso, Wertheimer se martirizou pelo resto de
seus dias. O náufrago suicidou-se por enforcamento na Suiça e tudo indica que
tal gesto aconteceu por duas razões: o fato de a irmã tê-lo abandonado após o
seu casamento e a certeza doentia que ele tinha de que nunca se igualaria a
Glenn Gould.
Desconheço o romance O
Náufrago, mas a considerar pelo espetáculo a que assisti, a adaptação que
William Pereira fez para a linguagem teatral é perfeita.
O monólogo do
narrador é apresentado em primeiro plano e ao fundo, quase em outro palco,
assistimos aos tormentos de Wertheimer em sua casa, diante daquilo que é seu maior
amor e seu maior ódio: o piano.
O texto de Bernhard é
propositalmente repetitivo, além de irônico e agressivo e poderia se tornar
monótono e enfadonho se representado por atores medíocres, mas mediocridade não
é assunto para atores talentosos como Romis Ferreira e Luciano Chirolli, que
reencontra Bernhard depois de tantos anos.
Romis Ferreira
interpreta Wertheimer com bastante vigor, sempre atormentado com o abandono da
irmã, com o piano e preocupado em queimar suas anotações musicais.
Cabe a Luciano
Chirolli quase a totalidade das falas ao narrar a saga de seu amigo e o ator o
faz com todo aquele domínio de palco que lhe é característico. Com um ar orsonwelleano
e pouca movimentação em cena, Chirolli hipnotiza o público com sua narração.
Um filme mostrando
Glenn Gould tocando as Variações Goldberg ilustram o espetáculo e
atestam que a agilidade daqueles dedos era realmente insuperável.
O cenário e os figurinos assinados pelo próprio diretor e a iluminação de Caetano Vilela dão um toque de classe adicional a este espetáculo que tem uma belíssima cena final enriquecida pelo lento fechar da cortina de veludo vermelho do teatro do SESC Bom Retiro.
O NÁUFRAGO está em
cartaz no SESC Bom Retiro ás quintas, sextas e sábados às 20h até 05/02/2022.
IMPERDÍVEL
15/01/2022
O ano de 2021 começa muito bem nos teatros de São Paulo. O Náufrago é mais um belo exemplo dos bons ventos desta temporada. Obrigado por seus excelentes comentários. Abraço
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