1. UM POUCO DE SERGIO BLANCO EM NOSSOS PALCOS.
Meu primeiro contato
com a obra de Sergio Blanco foi em 2016 no Festival de Curitiba com Tebas
Land, um original exercício de metalinguagem escrito em 2012 que me chamou
a atenção para o autor. Direção do autor.
No ano seguinte o
inominável que liderava o Club Noir fez uma montagem equivocada
(principalmente nas interpretações) de Kiev, um dos primeiros textos de
Blanco, escrito em 2003.
Mas foi em 2018 sob a direção de Yara de Novaes e com uma grande interpretação de Gilberto Gawronski que Sergio Blanco morreu pela primeira vez entre nós (ele já havia morrido em 2014, quando escreveu a obra). “Eu é um outro”, frase de Arthur Rimbaud, era uma das chaves da trama. Ao final do espetáculo era entregue “santinho” ao público do tipo que se fazia antigamente nas missas de defunto com foto de Gawronski/Blanco e as datas de nascimento e morte do autor.
A obra prima El
Bramido de Dusseldorf, escrita em 2016 foi apresentada no MIRADA 2018 e ali
era o pai do dramaturgo que morria na cidade alemã, enquanto ele circulava
entre uma exposição sobre Peter Kurten o chamado vampiro de Dusseldorf, um set
de produção de filmes pornográficos e consultas a um rabino com a tentativa de
se converter ao judaísmo. Direção do autor
Em 2019, o monólogo Tráfico
de 2018, ocupou o palco do teatro do SESC Vila Mariana por apenas dois
dias, vindo do Festival de Curitiba. Blanco não aparece em cena, mas é citado
como o Francês na narrativa de Alex, garoto de programa/matador de aluguel
interpretado visceralmente pelo ator colombiano Wilderman Garcia Buitrago.
Direção do autor.
Nesse mesmo ano houve
uma montagem brasileira de Tebas Land dirigida por Victor Garcia Peralta
que não alcançou o mesmo impacto da montagem original.
Ainda em 2019 Blanco
se apresentou no SESC Santana com sua saborosa “conferência” As
Flores do Mal – A Celebração da Violência, concebida em 2017.
E agora chegou a vez de Cuando Pases Sobre Mi Tumba, escrita em 2016, mesmo ano de El Bramido de Dusseldorf.
2. CUANDO PASES SOBRE MI TUMBA
Em El Bramido de
Dusseldorf o elenco fazia de conta que cantava e tocava Losing My
Religion do REM no início do espetáculo, aqui ele faz o mesmo com Another
Love de Joe Ordell enquanto o público se acomoda em seus lugares. Isso é coisa
do encenador e dramaturgo uruguaio Sergio Blanco que volta a nos surpreender
com essa instigante trama sobre seu suicídio assistido em Genebra para a seguir
ser devorado por um necrófilo iraniano em Londres.
E assim ele volta a
morrer entre nós. Essa insistência em sua obra no tema da morte pode ser
compreendida com frase contida no verso do “santinho” citado acima que era
distribuído em A Ira de Narciso: “Não apenas os poetas têm medo da
morte. Também todos aqueles que enfrentam a criação. Estou convencido de que
uma das funções da arte é suspender ao menos por alguns instantes, esse medo
que todos temos e que é o que afinal nos faz belamente humanos”.
São muitas as
leituras/interpretações desse instigante texto de Blanco que cita Shakespeare,
Lord Byron. Mary Shelley, Daniel Defoe, Freud e, principalmente, ele mesmo em
mais um radical exercício de auto ficção que lhe é tão caro e tão
característico.
Assisti à peça no MIRADA
e voltei a vê-la ontem à noite na Extensão MIRADA que o SESC trouxe a
São Paulo, fato que me deu a oportunidade de perceber mais nuances desse instigante
texto de Blanco que além do tema da morte, tem alto teor de erotismo no desejo
que, enquanto vivo, Blanco tem por Khadel, o jovem e belo necrófilo e o desejo
de Khadel por ele, só quando o mesmo estiver morto.
A conclusão de Blanco
é que somos apreciadores de coisas mortas, afinal o David de
Michelangelo não passa de uma peça estática de mármore e As Senhoritas
de Avignon permanecerão para sempre imóveis na posição que Picasso as
concebeu!
Acrescento que a
grande diferença é que o teatro, assim como a dança, é a arte das coisas vivas
que só acontece quando estão em movimento tanto os criadores como os
receptores.
VIVA O TEATRO!
CONCLUSÃO
Segundo a página de
Blanco, ele já escreveu mais quatro peças após Tráfico de 2018. São
elas: Zoo (2018), Memento Mori (2019), COVID – 451 (2020)
e Divina Invención (2021), todas muito bem-vindas aos nossos palcos.
24/09/2022
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