Anos 1965/1966. Anos sombrios da ditadura militar. Surgiu na época o que se convencionou chamar de esquerda festiva que considerava alienante e pequeno burguês tudo o que não fosse engajado. Atitude radical não compartilhada por muita gente da própria esquerda.
Foi nesse clima que estreou em São Paulo o filme “A Noviça Rebelde” (The Sound of Music) de 1965. Estreou com muita pompa no Cine Rivoli, cinema de luxo na época, situado na Avenida São João entre a Rua Dom José de Barros e a Avenida Ipiranga. O filme vinha de um grande sucesso internacional e tinha sido o grande vencedor do Oscar e estava lotando o Rivoli.
Eu estava no segundo ano da faculdade e começava a me politizar e a tomar consciência do mal que o regime militar estava fazendo para o país. Acompanhando os companheiros da esquerda festiva torci o nariz para o filme rotulando-o, sem assistir, de infantilóide e pequeno burguês.
Por insistência de amigas e amigos lhes acompanhei para assistir ao filme. Entre eles estava o Nico, uma pessoa muito legal, educada e fina, tipo do rapaz que toda mãe gostaria que fosse o namorado de sua filha. Pelos seus bons modos passamos a chamar-lhe de Príncipe, mas logo veio um amigo de onça que fez a junção Príncipe Nico, que Nico levou na esportiva.
Entramos no cinema e ali já era outro mundo. Ao som das belíssimas músicas de Rodgers e Hammerstein, a imensa tela começou a mostrar os Alpes e a majestosa paisagem de Salzburg. E como não se encantar dom a deliciosa figura de Julie Andrews surgindo de uma colina cantando “The Sound of Music”? A partir daí foi só emoção com as crianças, as dúvidas da noviça e até um toque político com a ascensão do nazismo na parte final do filme, Saímos do cinema deslumbrados com todo aquele colorido. Era um sábado cinzento e garoento e a saída do cinema mostrava uma Avenida São João suja, cenário de um Brasil também muito sujo. Aqui a figura do Príncipe entra de novo na história porque ele foi o primeiro a comentar o baque de ver a nossa realidade depois de assistir a tanta beleza na tela.
Isso me trouxe de novo a essa realidade voltando a questionar o filme e a rotulá-lo de alienado e desnecessário para nós. Pura reação de um esquerdista festivo!!
Passaram os anos e acabei descobrindo que o alienado era eu! Posso ter minhas convicções políticas, mas isso não impede que eu alimente minha alma com uma boa música que não fale política, com comédias leves e inteligentes e com musicais que em geral são apolíticos.
Tudo isso porque há alguns dias, assisti a “A Noviça Rebelde” em casa pela enésima vez, voltando a me emocionar e me encantar, agora sem culpa!
E é claro que toda vez que assisto a esse filme eu lembro do meu amigo Príncipe Nico, que nunca mais eu vi.
11/01/2025
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