quarta-feira, 5 de agosto de 2015

ESSE FIT TEM CHANCE DE SE TORNAR UM FÊNIX?


 
        Estive em Rio Preto para o lançamento do meu livro no dia 29 de julho e aproveitei para assistir a algumas peças do 15º Festival Internacional de Teatro, popularmente chamado de FIT. O sentimento presente naquelas pessoas que testemunharam os bons tempos do evento era um misto de melancolia, tristeza e revolta ao constatar aonde o FIT chegou: verba restrita ocasionando o cancelamento de vários espetáculos previamente programados, muita desorganização para administrar essa verba (teatros desaparelhados tecnicamente, inadequação na escolha dos teatros para determinados espetáculos, despreparo dos técnicos), política de caráter populista com a gratuidade de ingressos que gerou o paradoxo de sessões com ingressos esgotados e muitas poltronas vazias. Exemplos dessas constatações surgirão nos comentários das peças a que assisti.

        Foram dez espetáculos que comento abaixo na ordem de minha preferência:

        TCHEKHOV – Ave Lola Espaço de Criação (Curitiba) - Este belo espetáculo é um hino de amor ao teatro. Apresentação sempre esmerada que ficou bem acomodada no amplo espaço do Teatro Municipal Humberto Sinibaldi Neto.

        TRAVESSIA – Grupo Tecelagem (São Paulo) – Baseado na obra de Guimarães Rosa o solo de Paulo Williams recria cinco travessias do universo do autor mineiro com muita criatividade e o apoio de dois excelentes músicos. Uma grata surpresa.

        ACORDES – Cia. Cênica (Rio Preto) – “Prepare seu coração pras coisas que eu vou contar...”, esse começo da canção de Geraldo Vandré também poderia dar início a este belo e forte espetáculo de Fagner Rodrigues que versa sobre os desmandos e torturas praticados durante os anos de chumbo da ditadura militar brasileira, permeado por canções da época. O grupo teve problemas na noite da estreia, pois o teatro não dispunha dos recursos de iluminação necessários para a encenação. Na segunda noite a atriz Beta Cunha fez um corajoso discurso em protesto ao descaso da organização do festival.

        MINHA ALMA É NADA DEPOIS DESSA HISTÓRIA – Os Ciclomáticos (Rio de Janeiro) – Um pequeno tesouro encenado numa tarde ensolarada em frente à igreja da pequena cidade de Eng]º Schimitt, famosa por seus doces caseiros. Um homem se apaixona perdidamente pela bela cigana Cleide que pertence ao mundo e não a uma só pessoa. A bela coreografia das três atrizes que vivem Cleide “abrasileira” os passos da dança flamenca.

        CÍRCULO DAS BALEIAS – Pia Fraus (São Paulo) – Peça dirigida com criatividade e inteligência ao público infantil que também encanta os adultos. Quatro ótimos atores num cenário simples e criativo se revezam na interpretação e na manipulação dos animais marítimos. A criançada presente reagiu lindamente.

        TRINIDAD GUEVARA – Teatro de la Morena (Uruguai) – Não há como avaliar este espetáculo que ao que tudo indica deve ser muito interessante e com um belo e desafiante solo de Cecília Cosero ( a atriz permanece praticamente imóvel mexendo apenas os braços  durante todo o espetáculo que dura cerca de uma hora). Inadequação do teatro (um teatro de quase 1000 lugares), público não preparado para esse tipo de trabalho (a maioria desconhecia o teor da peça e não houve publicação de catálogo com dados básicos sobre os espetáculos) e um injustificável despreparo do técnico que operou a legendagem, provocando a incompreensão do texto (item fundamental para a fruição) foram alguns dos itens que provocaram a reação do público que a um grito de comando vaiou a situação. Esse mesmo público foi extremamente respeitoso ao assistir em silêncio a peça mesmo com os descalabros da técnica e aplaudir a atriz ao final. Mais um gol contra do FIT: desrespeito à atriz, ao público e ao pobre técnico que a estas alturas é o crucificado da hora.

        UMA FLOR DE DAMA – As Travestidas (Salvador) – Outro monólogo apresentado em espaço inadequado (o imenso Teatro Paulo Moura). Pelas características da peça e do ator (o ótimo Silvero Pereira) a peça rendeu bem mais do que Trinidad Guevara. O monólogo sobre o cotidiano de um travesti emocionou e divertiu o público.

        MONÓCULO – Grupo Tecelagem (São Paulo) – Espetáculo sem palavras mostrando a rotina tediosa de um casal, ambos usando enormes máscaras. Ideia interessante baseada, segundo o grupo, na obra de Bachelard, mas que cenicamente revela-se tão tediosa como a vida do casal.

        AMÉM – Cia. Teatral Um e Outro (Araçatuba) – Um ator travestido e careca conta a sua história desde a infância. O espetáculo é repetitivo e não define claramente a sua posição em relação à igreja.

         HOJE É DIA DE ROCK – Minha Nossa Companhia (Rio Preto) – Se em 1971 o texto de José Vicente que mistura uma saga familiar com realismo fantástico já se mostrava problemático, em 2015 revela-se datado e ultrapassado. Por que montá-lo então? A encenação de Fabiano Amigucci e o elenco semi amador não contribuem para uma melhoria do texto resultando num espetáculo bastante equivocado.

   
        Esses foram os espetáculos a que assisti neste, repito, melancólico FIT, onde predominaram os espetáculos de produção barata (grande quantidade de monólogos sem cenário) o que não seria por si motivo de baixa qualidade. O problema está na falta de organização e no desconhecimento e falta de sensibilidade para o universo do teatro dos (des) organizadores. Mas há de chegar o dia que este FÊNIX vai ressurgir das cinzas. Torcida não falta. O que talvez faça falta é uma maior união da classe teatral riopretense e do público que ama o teatro na luta por esse renascimento.


05/08/2015

 

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Tomara que a crítica faça ressurgir o bom senso. E, sim, mais comprometimento da classe artística, que não deveria se submeter a situações como esta. Nadya Milano

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