domingo, 21 de abril de 2019

A CIDADE DOS RIOS INVISÍVEIS



A arte tem de ter algo que me tira do chão e deslumbra
(Ferreira Gullar)

        Sou espectador desde que me conheço por gente e por estes olhos já passaram mais de 4000 espetáculos de teatro, mesmo assim é muito gratificante quando nos deparamos, nos surpreendemos e nos deslumbramos com o trabalho de um grupo que desconhecíamos, apesar dele já estar na estrada há oito anos (o coletivo foi formado em 2011). Trata-se do Estopô Balaio que apresenta no momento a quinta temporada de A Cidade dos Rios Invisíveis, da qual tive o privilégio de assistir à 81ª apresentação. 

No trem - A caminho

        Misturados aos passageiros comuns do percurso tomamos um trem da CPTM na Estação Brás com destino ao Jardim Romano, local onde será apresentado o espetáculo que na verdade já começa na viagem, onde os espectadores munidos de fone de ouvido e MP3 escutam textos inspirados em A Cidade Invisível de Ítalo Calvino, admiram e absorvem a paisagem e ainda presenciam as intervenções de três atores. Particularmente tocante é a passagem pela comunidade de Tiquatira que foi destruída pelo fogo em 2010 e hoje, qual fênix, ressurgiu das cinzas ocupando área a perder de vista pela janela do trem.

A recepção em Jardim Romano

        Depois de 40 minutos chega-se ao destino onde somos recepcionados por uma banda que irá conduzir o cortejo pelas ruas e becos do bairro, tristemente lembrado pelos constantes e trágicos alagamentos dos quais foi, é e, se depender dos órgãos públicos, será vítima.

O som
O cortejo

        Após visitar a sede do grupo para um descanso, uma tapioca e um xixi, voltamos a percorrer as memórias dos moradores da região por meio do impecável trabalho do elenco que é auxiliado pelos habitantes e pela deliciosa participação de uma dezena de crianças. Muita emoção ao ouvir a história do menino cujo pai comprou um bote para circular pelas ruas alagadas, do Júnior que tem um rio passando sob seus pés e que perdeu a irmã Jurema que também participava da encenação, da Jacira com seu bolo de chocolate e do Seu Antonio que guarda muitas lembranças da companheira Raimunda. Vidas difíceis de pessoas abandonadas pela sorte e pelos governos que deveriam zelar pela vida de seus cidadãos. Apesar de mostrar situações tristes e revoltantes, a peça tem tamanho tom poético que até o olhar nos cavalos escarafunchando o lixo à beira do rio na cena final reveste-se de poesia e encantamento.


Seu Antonio

Essa foto de Seu Antonio com Anna Zêpa me remete a um quadro de Almeida Júnior

        É difícil descrever tudo o que acontece nas mais de duas horas que caminhamos pelas ruas do Jardim Romano, mas não se pode deixar de comentar a beleza dos últimos momentos onde o elenco louva o rio, senhor de tantas tristezas, mas também de tantas alegrias. A tarde estava linda e o sol se punha do outro lado do rio. Tomamos o caminho de volta com muita emoção e revolta no coração, sem poder conter as lágrimas que espetáculo tão pungente insistia em provocar.



        A dramaturgia bem amarrada e a direção do espetáculo levam a assinatura de João Batista Júnior.
        Fica difícil destacar a participação deste ou daquele elemento em grupo tão homogêneo que além dos atores conta com dançarinos que fazem performances nas ruas, com o grupo incansável de produção que percorre o trajeto carregando equipamentos de som em um carrinho e finalmente com as crianças que participam ativamente do espetáculo sabendo de cor a marcação, trechos do texto e as letras das canções. Haja coração!

        A CIDADE DOS RIOS INVISÍVEIS está em cartaz às sextas, sábados e domingos até 09 de junho. Saídas do Espaço Cultural da Estação Brás às 14h. Ingressos pelo site do coletivo: www.coletivoestopobalaio.com.br

        ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!

       IMPORTANTE: O coletivo tem sede no local onde são realizadas oficinas, sessões de cinema e palestras para o pessoal do bairro. Ali também podem ser vistas fotos e reportagens sobre o alagamento da região. Publicações do grupo estão disponíveis para venda.





        21/04/2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário