A
arte tem de ter algo que me tira do chão e deslumbra
(Ferreira
Gullar)
Sou
espectador desde que me conheço por gente e por estes olhos já passaram mais de
4000 espetáculos de teatro, mesmo assim é muito gratificante quando nos deparamos,
nos surpreendemos e nos deslumbramos com o trabalho de um grupo que desconhecíamos,
apesar dele já estar na estrada há oito anos (o coletivo foi formado em 2011). Trata-se
do Estopô Balaio que apresenta no
momento a quinta temporada de A Cidade
dos Rios Invisíveis, da qual tive o privilégio de assistir à 81ª
apresentação.
No trem - A caminho
Misturados
aos passageiros comuns do percurso tomamos um trem da CPTM na Estação Brás com
destino ao Jardim Romano, local onde será apresentado o espetáculo que na
verdade já começa na viagem, onde os espectadores munidos de fone de ouvido e
MP3 escutam textos inspirados em A Cidade
Invisível de Ítalo Calvino, admiram e absorvem a paisagem e ainda
presenciam as intervenções de três atores. Particularmente tocante é a passagem
pela comunidade de Tiquatira que foi destruída pelo fogo em 2010 e hoje, qual
fênix, ressurgiu das cinzas ocupando área a perder de vista pela janela do
trem.
A recepção em Jardim Romano
Depois
de 40 minutos chega-se ao destino onde somos recepcionados por uma banda que
irá conduzir o cortejo pelas ruas e becos do bairro, tristemente lembrado pelos
constantes e trágicos alagamentos dos quais foi, é e, se depender
dos órgãos públicos, será vítima.
O som
O cortejo
Após
visitar a sede do grupo para um descanso, uma tapioca e um xixi, voltamos a
percorrer as memórias dos moradores da região por meio do impecável trabalho do
elenco que é auxiliado pelos habitantes e pela deliciosa participação de uma
dezena de crianças. Muita emoção ao ouvir a história do menino cujo pai comprou
um bote para circular pelas ruas alagadas, do Júnior que tem um rio passando sob
seus pés e que perdeu a irmã Jurema que também participava da encenação, da
Jacira com seu bolo de chocolate e do Seu Antonio que guarda muitas lembranças
da companheira Raimunda. Vidas difíceis de pessoas abandonadas pela sorte e
pelos governos que deveriam zelar pela vida de seus cidadãos. Apesar de mostrar
situações tristes e revoltantes, a peça tem tamanho tom poético que até o olhar
nos cavalos escarafunchando o lixo à beira do rio na cena final reveste-se de
poesia e encantamento.
Seu Antonio
Essa foto de Seu Antonio com Anna Zêpa me remete a um quadro de Almeida Júnior
É
difícil descrever tudo o que acontece nas mais de duas horas que caminhamos
pelas ruas do Jardim Romano, mas não se pode deixar de comentar a beleza dos
últimos momentos onde o elenco louva o rio, senhor de tantas tristezas, mas
também de tantas alegrias. A tarde estava linda e o sol se punha do outro lado
do rio. Tomamos o caminho de volta com muita emoção e revolta no coração, sem
poder conter as lágrimas que espetáculo tão pungente insistia em provocar.
A
dramaturgia bem amarrada e a direção do espetáculo levam a assinatura de João
Batista Júnior.
Fica
difícil destacar a participação deste ou daquele elemento em grupo tão
homogêneo que além dos atores conta com dançarinos que fazem performances nas
ruas, com o grupo incansável de produção que percorre o trajeto carregando
equipamentos de som em um carrinho e finalmente com as crianças que participam
ativamente do espetáculo sabendo de cor a marcação, trechos do texto e as
letras das canções. Haja coração!
A
CIDADE DOS RIOS INVISÍVEIS está em cartaz às sextas, sábados e domingos até 09
de junho. Saídas do Espaço Cultural da Estação Brás às 14h. Ingressos pelo site
do coletivo: www.coletivoestopobalaio.com.br
ABSOLUTAMENTE
IMPERDÍVEL!
IMPORTANTE: O coletivo tem sede no local
onde são realizadas oficinas, sessões de cinema e palestras para o pessoal do
bairro. Ali também podem ser vistas fotos e reportagens sobre o alagamento da
região. Publicações do grupo estão disponíveis para venda.
21/04/2019
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