domingo, 7 de abril de 2019

ENTRE



        Quantas vezes NÓS somos confrontados com a própria passividade/covardia diante de fatos que ocorrem aos nossos olhos como agressões a terceiros, desmandos dos poderosos, atos preconceituosos?  As justificativas são sempre as mesmas: “Não tenho nada com isso”, “Não quero interferir”, “Tenho medo das consequências” ou simplesmente não justificamos nada e continuamos deitados em nosso berço esplêndido.
        Ao colocar os três irmãos que estão reunidos para organizar a festa de bodas de ouro dos pais sentados junto com o público e ao fazê-los dirigir as falas de um ao outro para as pessoas da plateia, os diretores Yara de Novaes e Carlos Gradim nos põem no olho do furacão e apontam o dedo para nossas reações aos fatos apresentados.
        As frágeis relações familiares apresentadas no primeiro quarto da peça são só uma introdução para o mote principal que é a reação dos irmãos diante do que está acontecendo no apartamento vizinho. A peça é um libelo contra a violência doméstica, mas seu conteúdo pode ser extrapolado para qualquer tipo de passividade do homem contemporâneo diante das barbaridades que acontecem à sua volta.
        A peça de autoria de Eloisa Elena tem ótimas soluções cênicas desde o cenário de André Cortez feito todo com cadeiras de plástico branco, passando pelos laços que prendem materialmente os irmãos em suas relações familiares e as rubricas ditas em coro pelo elenco. Dignas de nota também a trilha sonora de Dr. Morris e a iluminação de Guilherme Bonfanti.
        Cláudio Queiroz e Alexandre Cioletti encarregam-se dos dois irmãos. Cioletti é o Irmão 1, meio irresponsável e pobre e Queiroz é o arrogante Irmão 2, bem sucedido materialmente e acreditando que tudo pode ser resolvido com dinheiro. Ambos realizam ótimas composições e dão suporte para o magnífico trabalho de Eloisa Elena que é a residente no local da reunião e que, conhecedora das agressões sofridas pela vizinha, além de não fazer nada, procura esconder o fato dos irmãos, fechando janelas e tapando buracos. O seu monólogo final com as luzes da plateia acesa são mais um alerta para a nossa passividade.
        Os vizinhos ouvidos em off são interpretados por Lavínia Pannunzio e Joca Andreazza. E preste atenção: como bom voyeur você pode testemunhar as agressões na saída do teatro.
        Esta corajosa encenação de Yara de Novaes e Carlos Gradim a partir da peça de Eloisa Elena enriquece o currículo do Barracão Cultural, que já nos ofereceu, entre outros, os memoráveis A Mulher Que Ri (2008), Faca nas Galinhas (2012) e On Love (2017).
        Pela maneira como é enfocada, a peça também poderia se intitular NÓS, tanto no sentido do pronome (todos NÓS somos passivos), como naquele do substantivo (os NÓS que nos une por meio dos laços que prendem os irmãos). É curioso notar que o grupo tem uma peça com esse nome para estrear em maio.
        ENTRE realiza temporada relâmpago no Itaú Cultural até este domingo (07/04) e segue para a Oficina Cultural Oswald de Andrade de 11 a 20 de abril, sempre com ingressos gratuitos. NÃO DEIXE DE VER.

        Um bom começo para NÓS lutarmos contra nossa passividade é nos juntarmos com todos aqueles que estão gritando/lutando contra o fechamento das Oficinas Culturais, entre elas, a icônica Oswald de Andrade.

        07/04/2019

       

2 comentários:

  1. Cetra:
    ENTRE é um soco no estômago de cada um de NÓS!
    Parabéns pela análise
    ab
    Maurício

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  2. Cetra, parabéns pelo olhar aguçado e sensível! Obrigado por todo o apoio e solidariedade à Oswald de Andrade.
    #todospelacultura

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