Já disse e repito quantas vezes for
necessário: Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) é um dos mais importantes
dramaturgos brasileiros e sua obra que trata o teatro popular de maneira tão
séria e criativa precisa ser redescoberta. Um caminho para isso é a coleção de
quatro livros lançada em 2017 com parte de seu tesouro teatral e outro é o
empenho da filha Renata na divulgação de sua obra.
Depois da bem sucedida leitura de Vem Buscar-Me Que Ainda Sou Teu em 2017 que clamava por uma
encenação, eis que ela surge esplendorosa em 2019 no palco do Itaú Cultural.
A noite de estreia foi emocionante. Não
creio que haja outros planos, mas se é que eles existem Soffredini com certeza
está rindo à toa vendo seus dois netos Ian e Tito no palco interpretando seus
personagens e testemunhando a luta de sua filha Renata para por em pé obra tão
saborosa.
Vem
Buscar-Me Que Ainda Sou Teu já teve duas montagens históricas. A primeira do
Grupo Mambembe em 1979 dirigida por Iacov Hillel com Maria do Carmo Soares como
Mãezinha e uma explosiva Rosi Campos como Amada Amanda. As músicas eram de
Wanderley Martins que também interpretava Campônio.
Montagem de 1979
Em 1990 foi a vez de Laura Cardoso
interpretar Mãezinha tendo Xuxa Lopes como Amada Amanda na montagem de Gabriel
Villela que tinha maiores recursos de produção. Desta vez a trilha era assinada
por Dagoberto Feliz.
Montagem de 1990
A encenação de Renata Soffredini tem
mais afinidade com a primeira montagem e retoma a bela trilha de Wanderley
Martins. O costumeiro talento de Kleber Montanheiro é responsável pelo simples,
mas bonito e funcional cenário com armários móveis dotados de cortinas que
quando abertas podem se tornar os vários ambientes por onde se passam as ações
da peça. Os figurinos também são assinados por ele.
O elenco, auxiliado pela trilha tocada
ao vivo por três músicos, cria com muita energia o ambiente de circo teatro
retratado na peça. A
abertura da peça é um achado com a apresentação dos atores que farão as
personagens. A partir daí o espetáculo é pura delícia e emoção.
A chamada “atriz caricata” que na peça
faz a vizinha Dona Virginia (Ah! O meta teatro!) é interpretada por Luiza
Albuquerques e tem seu grande momento quando se apresenta à Mãezinha. Yael Pecarovitch
tem estofo e presença física para fazer Amada Amanda e curiosamente tem de
driblar seu idioma natal (ela é uruguaia) para falar o portunhol da falsa
argentina que é sua personagem. Laura La Padula representa a falsa ingênua
Cancionina que tem importante cena na peça quando confronta o teatro contemporâneo
e intelectualizado com o que ela chama de teatro decadente, que é o circo
teatro feito pela companhia de Mãezinha. Entendo a posição da direção de
fazê-la antipática e esnobe nessa cena, mas acredito que há certo exagero nesse
posicionamento, uma vez que as tendências se somam em vez de uma anular a outra.
Claro que a posição da diretora tem a ver com aquela do dramaturgo presente em
seu artigo De um trabalhador sobre seu
trabalho do qual reproduzo um trecho abaixo:
“[...] tomei contato com esse universo do Circo-Teatro e de lá para cá eu e um
grupo de atores e artistas plásticos temos nos dedicado ao estudo (ou
compreensão) dessa linguagem à primeira vista caótica, mas na verdade tão rica
e colorida que é de deixar qualquer Brecht ou Grotowski ou Stanislavski ou
Artaud pálidos.”
O elenco masculino é liderado por Ian
Soffredini que faz o abobalhado Campônio com bastante delicadeza. Clovys Torres
empresta seu tipo físico para o prepotente vilão que não pode faltar em um bom
melodrama. Fernando Nitsch é o ótimo apresentador e alguém que já foi galã e
ainda pensa que é. Brilhantina é um personagem secundário que ganha força com a
bonita interpretação de Tito Soffredini e que ganha até um gostoso “número de
cortina” ao longo da peça.
Não há como não destacar a
interpretação de Bete Dorgam, talvez a melhor de sua carreira. Ela é uma grande
atriz e uma grande palhaça e como genuína palhaça tem o dom de no mesmo
instante fazer o publico rir e chorar. Há momentos dela na peça que se assiste
com um sorriso nos lábios e uma lágrima nos olhos. Sua Mãezinha é tão visceral
e poderosa como foi aquela de Laura Cardoso há quase 30 anos atrás.
Soffredini estaria fazendo 80 anos e
esta peça completa 40 anos em 2019. Não poderia haver modo mais bonito de
comemorar essas datas do que a realização da peça. Parabéns Renata Soffredini!
VEM BUSCAR-ME QUE AINDA SOU TEU está em
cartaz só até domingo no Itaú Cultural. Sexta e sábado às 20h e domingo às 19h.
CORRA PARA VER, mas se não der tempo espere até 06 de julho quando a peça
inicia temporada no Teatro João Caetano aos sábados e domingos que vai até
04/08.
07/06/2019
Quase vi os personagens através das suas descrições. 👏👏👏👏
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