“O horror! O horror!” Exclama o coronel
Kurtz diante da tragédia humana em O
Coração das Trevas de Joseph Conrad.
“O horror! O horror!” Exclamamos com um
gosto amargo na boca, ao final de Insônia-Titus
Macbeth.
Parece
incrível que espetáculo tão forte e cruel tenha saído de mãos tão delicadas
como aquelas de André Guerreiro Lopes, Djin Sganzerla e Sérgio Roveri. Sinal
dos tempos! Uma vez que escolheu montar Shakespeare (1564-1616), o casal, por
sua índole e beleza poderia ter optado pelos nobres de Sonho de Uma Noite de Verão ou até por Romeu e Julieta, mas a violência e a truculência dos nossos tempos
fizeram com que a escolha recaísse sobre dois dos mais sangrentos textos do
bardo: Titus Andronicus (obra da
juventude, ~ 1590) e Macbeth (obra da
maturidade, ~ 1607)
A
costura dramatúrgica das duas obras realizada a quatro mãos por André e Roveri dá
o protagonismo para Lady Macbeth e Titus e a inteligente intersecção das duas
obras presente em vários momentos do espetáculo se intensifica e se completa na
vigorosa cena final do banquete
A
encenação de André Guerreiro Lopes ocupa todo o espaço do 13º andar do SESC
Avenida Paulista e permite que o espectador circule pelos vários pontos onde se
desenvolvem as diversas cenas. Apesar de cruel e sanguinolenta a montagem é
esteticamente muito bonita, fato reforçado pelo cenário e figurinos de Simone
Mina e a preciosa iluminação de Marcelo Lazzaratto. A sonoridade do espetáculo
concebida por Gregory Slivar e executada em boa parte em cena por Samuel
Kavalerski é um dos pontos fortes do espetáculo.
Helena
Ignez, do alto dos seus 80 anos, interpreta Titus com vigor impressionante. Sua
poderosa voz clamando pela liberdade dos filhos ecoa por todo o espaço cênico e
perdura na mente do espectador tempos depois do término da função. Sua poderosa
interpretação e a corajosa caracterização de seu Titus são fatos notáveis da
atual temporada teatral.
Djin
Sganzerla demonstra sua versatilidade e seu talento interpretando a
maquiavélica Lady Macbeth com muita energia.
Michele
Matalon encarrega-se de uma das bruxas que surgem para Macbeth (junto com Djin
e Helena) e de Tamora, outra das malvadas de Shakespeare.
Samuel
Kavalerski tem poucas palavras, mas é poderosíssima presença em todo o
espetáculo, servindo quase como um narrador por meio dos sons que produz ao
tocar nos diversos objetos de cena.
Dirceu
de Carvalho empresta sua bela voz a um Macbeth ofuscado pela sua poderosa
companheira.
Camila
Bosso interpreta Lavínia, filha torturada e estuprada de Titus. Sua figura em
certo momento da peça lembra uma índia e em minha ignorância estranhei “O que faz uma índia na Roma do século IV a.c.?”, mas depois me lembrei que
estamos no século XXI em um Brasil que já torturou, estuprou e matou muitos
índios! E ainda o faz! Seria essa a relação?
Insônia – Titus Macbeth não é, nem se
propõe a ser, um espetáculo fácil. É pungente e direto em seu recado e
extremamente necessário para que se reflita na relação dele com a violenta
situação deste nosso país desgovernado. Mais uma vitória para o Estúdio
Lusco-Fusco que nos tem oferecido trabalhos que aliam tecnologia avançada de
som e imagem com conteúdo consistente.
INSÔNIA
– TITUS MACBETH está em cartaz no SESC Avenida Paulista até 20/10 de quinta a
sábado às 21h e domingos e feriados às 18h.
OBS:
O SESC prima pelo bom acolhimento a seus visitantes, porém, não é o que
acontece com o hall do elevador do 13º andar da unidade da Avenida Paulista
onde o público que vai assistir a um espetáculo na sala daquele andar é
obrigado a aguardar a abertura da sala espremido. Situação extremamente
desconfortável não prevista pelos arquitetos que fizeram a reforma do prédio,
que a meu modo de ver, oferecia muito mais conforto ao visitante enquanto era a
unidade provisória.
27/09/2019
Nenhum comentário:
Postar um comentário