Com
os olhos cheios de lágrimas e o coração palpitando.
Com
um sorriso nos lábios e muita indignação na alma.
Com
a palma das mãos ardendo de tanto aplaudir.
Foi assim que eu
saí de um dos espetáculos mais emocionantes e mais surpreendentes a que assisti
neste ano.
“A arte tem de ter algo que me tira do chão e
deslumbra” escreveu Ferreira Gullar e essa sensação de deslumbramento foi o
que senti ao assistir a este trabalho da Gargarejo
Cia. Teatral, grupo que se define como “coletivo de artistas periféricos
interessados em produzir arte popular, ligados às manifestações culturais
brasileiras”.
Partindo
de uma ideia aparentemente simples, mas bastante engenhosa, o diretor Anderson
Claudir adaptou o romance O Cortiço
de Aluísio Azevedo mudando o protagonismo de João Romão para Bertoleza, amante
e servidora do personagem principal, figura quase secundária no original do
escritor maranhense. Dando voz a uma mulher negra reprimida e negligenciada o
encenador tem condições de ampliar o leque e falar de outras mulheres na mesma
situação que Bertoleza, como Dandara, Carolina Maria de Jesus, Marielle Franco
e tantas outras que a história oficial faz questão de esquecer.
Um
elenco formado quase totalmente por atrizes e atores negros desincumbe-se de
contar a história de Bertoleza por meio de belas canções (direção musical
exemplar de Eric Jorge), coreografias de origem afro de Emílio Rogê e
interpretações primorosas. Os coros masculino e feminino acompanham a ação que
envolve Bertoleza (Lu Campos, linda e excelente atriz e cantora), João Romão
(Bruno Silvério), Zulmira (Taciana Bastos) e Botelho (Eduardo Silva, sempre
ótimo). Sabiamente a direção oferece bons momentos para solos de cada
participante dos coros, mas as cenas de conjunto de canto e dança são as mais
belas do espetáculo.
A
entrega do elenco e as situações apresentadas são tão fortes que não há como
não se envolver emocionalmente com a história. Tudo é contado de forma muito
clara (ou escura?) para empretecer (não esclarecer, como eles dizem) o drama
daquela e de tantas outras mulheres negras, apesar de que não é necessário ser
mulher, nem negra para se indignar e refletir sobre o que se apresenta.
Bertoleza
é um espetáculo EXTREMAMENTE importante, além de ser lúdico e muito bonito.
BERTOLEZA
está em cartaz no SESC Belenzinho até 01/03. Sexta e sábado às 21h30. Domingo e
feriado às 18h30. NÃO DEIXE DE VER!!
17/02/2020
Agradecemos imensamente tamanhos elogios e sentimentos para com nossa peça. Atento somente a um fato: o senhor citou somente homens que estão à frente do processo, sendo que há eu, Le Tícia Conde, também responsável muito pelo texto e lapidação do trabalho. Uma mulher negra que está lá todos os dias fazendo com que o Teatro, que é a Arte da Presença, aconteça todas as noites. Agradeço se dá proxima vez puder ter um olhar mais generoso não só com os homens, mas também com as mulheres (fora as que se expõem por serem atrizes e obviamente estarem a vistas do público e por isso serem citadas, difícil é não contribuir para o apagamento das outras mulheres, especialmente uma preta que ajudou a reescrever o texto que hoje chega a todos vocês, e que dificilmente chegaria caso contrário). Grata.
ResponderExcluirAss. Le Tícia Conde.
Fantástico e em reposição do nosso lugar de fala e presença sabia e consciente ,em reparaçoes das atuaçoes das atrizes e também por todos os espaços nesse universo. Parabéns a todos da gagarejo...e a equipe que deu vida e voz nesse espetáculo tão atual aos dias de hoje. Meu muito obrigada.
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