O
primeiro filme em episódios a que assisti foi Páginas da Vida (Full House),
clássico de 1952 do cinema norte americano dirigido por seis diretores em torno
dos contos do escritor O. Henry. Esse formato tornou-se bastante popular no
cinema italiano dos anos 1950/1960 e atingiu seu auge em 1962 com Boccaccio ’70, reunindo na direção das
quatro cenas nada menos que Fellini, Visconti, Monicelli e De Sica.
Curiosamente
o teatro raramente utiliza o que podemos chamar de “peça em episódios”, formato
atraente que agrupa vários talentos em torno de determinado tema e que em cenas
curtas dizem o essencial (apesar de às vezes poderem ser superficiais) sem a
obrigação de criar sub tramas para preencher os 60 minutos mínimos para compor
um espetáculo.
Essa
é a fórmula adotada por Marcos Gomes e Lucas Mayor, idealizadores desse bem
sucedido Corpo em cartaz no
aconchegante teatro de Mário Bortolloto.
São
cinco histórias inspiradas pelo artigo O
Inquietante de Sigmund Freud que comenta o estranhamento do cotidiano.
Outros temas como a alteridade foram se incorporando durante a escrita das
cenas e parece que ao final tudo acabou se concentrando, de uma maneira ou de
outra, no corpo físico, daí o título do espetáculo.
Na
maioria dos espetáculos desse tipo seja no cinema ou no teatro as cenas são
irregulares, algumas melhor sucedidas que as outras tanto na escrita, como na
encenação e/ou interpretação. Este Corpo
é uma honrosa exceção que confirma a regra: as cinco cenas são muito bem
escritas e os atores, sempre em dupla, as defendem bravamente. No palco nu e
com o auxílio apenas da luz e de excelente trilha sonora os diretores Marcos
Gomes e Lucas Mayor costuram harmoniosamente as cinco cenas apresentadas.
Silvia
Gomez visita novamente o teatro do absurdo para mostrar a inquietude de uma
mulher ao notar algo estranho que cresce no corpo do homem. Falando diretamente
ao público, Pablo Perosa e Rebecca Leão defendem esta primeira cena.
Lucas
Mayor escreveu a cena onde um casal discute a mudança em suas vidas com a
chegada de um filho que não dorme. A meu ver esta é a cena melhor realizada.
Muito cruel e ao mesmo tempo engraçada tem excelentes interpretações de Pedro
Guilherme e Antoniela Canto. Na sessão a que assisti os atores foram merecidamente
aplaudidos ao final da cena.
Pedro Guilherme e Antoniela Canto
Carla
Kinzo é a dramaturga da terceira cena onde duas velhas irmãs bisbilhoteiras
comentam pela janela a vida de uma vizinha. Andréa Tedesco (sempre ótima e quase
irreconhecível) e Daniela Schitini interpretam com muito humor as duas irmãs.
Uma
visita à oftalmologista que extrapola a questão ocular é a peça de Fernanda Rocha
com Antoniela Canto e Monalisa Vasconcelos.
O
show de Ester Laccava como uma extravagante vizinha de longos cabelos
encaracolados ficou para a última cena escrita por Marcos Gomes. Aqui surge com
maior evidência a questão do “outro”. Ester brilha ao lado do(s) seu(s)
vizinho(s), interpretado(s) por Nelson Peres.
Corpo
é um espetáculo agradável e até divertido de se assistir, mesmo tocando em
questões muito sérias, graves e até cruéis, das relações humanas.
CORPO
está em cartaz no Teatro Cemitério de Automóveis até 15/02 aos sábados (21h) e
aos domingos (20h). NÃO DEIXE DE VER.
OBS:
Alguns dados da ficha técnica me foram gentilmente cedidos pela atriz Antoniela
Canto.
09/02/2020
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