segunda-feira, 1 de março de 2021

BERTA ZEMEL

 

1.   Introdução: Desses eu não tenho programa

Em 1960 eu estava na quarta série do ginásio e minhas experiências teatrais se limitavam aos shows de mágica e de piruetas no gelo que meu pai me levava, aos teleteatros assistidos na televisão e às idas ao circo Piolin, a convite de Dona Elisa, nossa vizinha, que era parente do palhaço Simplício.

Ganhei, não sei ao certo de quem, convite para uma peça de teatro no Theatro Municipal. Acredito que tenha sido a primeira vez que entrei naquele teatro.

Tratava-se de O Fazedor de Chuva encenada por Osmar Rodrigues Cruz para o então chamado Teatro Experimental do SESI tendo Edney Giovenazzi e Nize Silva no elenco (hoje esses dados são de meu conhecimento, mas na época não me diziam absolutamente nada). Tudo era novidade e deslumbramento para aquele jovem espectador tanto que o cenário lhe pareceu “mais convincente” do que as locações naturais do filme assistido algum tempo antes (Lágrimas do Céu, de 1956, com Burt Lancaster e Katharine Hepburn). Cinema já era uma linguagem a que eu estava acostumado, mas teatro feito ali, na minha frente, estava se mostrando algo totalmente novo e diferente.

Não tenho registro nem lembrança dos espetáculos a que assisti de 1961 a 1963, época em que estava no científico e que fiz teatro com o pessoal do colégio. Com o incentivo da querida professora de português Dona Terezinha (nada menos que Telê Ancona Lopes) montamos Quem Casa, Quer Casa de Martins Pena, onde eu interpretava a personagem Sabino, o filho gago da matriarca Fabiana. A peça foi apresentada no auditório do Colégio Caetano de Campos e no Teatro de Arena, onde o vírus do teatro tomou conta de mim em definitivo, quando assisti a um espetáculo de mímica de Ricardo Bandeira, que se apresentava na mesma época no Arena.

Minha aventura teatral começa realmente em 1964 quando assisto a outro espetáculo dirigido por Osmar Rodrigues Cruz no TAIB: Noites Brancas. Novamente eu já tinha a experiência cinematográfica da história que era o filme de Luchino Visconti de 1957 com Maria Schell e Marcello Mastroianni, mas a montagem teatral me seduziu completamente, apesar da neve artificial de algodão do cenário, porque em cena havia uma figura doce e luminosa: BERTA ZEMEL. Eu já havia assistido a alguns trabalhos dessa grande atriz nos teleteatros e também a conhecia pelas fotos nos jornais e nas revistas, mas pela primeira vez ela estava ali, na minha frente, interpretando a doce Nastenka do conto de Dostoievski, ao lado de Odavlas Petti. Uma lástima que também não guardei o programa dessa peça.

 O primeiro programa que guardei foi de O Ovo, também de 1964, peça que inaugurou o Teatro Aliança Francesa. Perdi o programa, mas fui achá-lo em um sebo 47 anos depois, mas isso é uma outra história que fica para uma outra vez, pois o assunto neste momento é Berta Zemel que nos deixou no último dia 25 de fevereiro aos 86 anos. 

2.   Berta Zemel

Voltei a assistir trabalhos de Berta Zemel novamente dirigida por Osmar Rodrigues Cruz no agora denominado Teatro Popular do SESI que se apresentava no TAIB. Em 1966 foi Manhãs de Sol, uma suave comédia romântica de Oduvaldo Viana e em 1967, o impacto de O Milagre de Anne Sullivan, onde ela tinha uma interpretação vigorosa como a instrutora da menina cega e surda Helen Keller que lhe valeu todos os prêmios de melhor atriz do ano (Molière, APCT e Governador do Estado). A cena em que Anne consegue quebrar a barreira da incomunicabilidade da menina diante de uma bomba de água ficará para sempre em minha memória como uma das cenas antológicas que presenciei no teatro.



Em 1970, Berta Zemel teve outro grande momento no monólogo A Vinda do Messias onde ela interpretava Rosa Aparecida dos Santos, uma costureira humilde que vive à espera do seu Godot, aqui chamado de Messias. Mais uma vez ela recebe o prêmio de melhor atriz da APCT.

O sucesso na televisão em 1974 com Vitória Bonelli e o posterior afastamento durante a ditadura junto com o marido Wolney de Assis (1937-2015) por questões políticas fizeram com que a atriz se afastasse por 30 longos anos, privando assim nossos palcos de sua presença luminosa.

Berta Zemel volta ao teatro em 2000 pelas mãos de Luiz Valcazaras em outro monólogo, Anjo Duro, onde ela interpreta a psiquiatra Nise da Silveira. Trabalho louvadíssimo que lhe valeu o prêmio APCA de melhor atriz.

Na noite em que fui assisti-la levei o programa de A Vinda do Messias e ao final fui conversar com Berta Zemel que me recebeu com muito carinho e bastante emocionada ao ver o velho programa da peça. Eu disse a ela que esperei 30 anos por aquele autógrafo e ela delicadamente escreveu “Ao José, a alegria de se saber lembrada e a gentileza da memória. Berta Zemel. 04/06/2000”. Guardo esse programa como um tesouro.

Em 2009 foi lançada sua biografia na Coleção Aplauso da Imprensa Oficial. Na noite de lançamento, ganhei mais um autógrafo: “José Cetra, um forte abraço e as saudades dos velhos bons tempos. Berta Zemel. 28/10/2009”.


Berta Zemel não fez mais teatro. Em 2020 fiz uma pesquisa para os 40 anos do Teatro Sérgio Cardoso e várias vezes seu nome foi lembrado, pois ela participou de Hamlet na montagem inaugural do Teatro Bela Vista em 1956 (ela interpretou Ofélia) e atuou em várias peças da Companhia Nydia Licia-Sérgio Cardoso na década de 1950; além disso sua volta ao teatro em 2000 se deu na Sala Paschoal Carlos Magno do teatro.

Pensei em contatá-la para uma entrevista e até para sondá-la para uma possibilidade de leitura dramática de Anjo Duro, nos eventos que celebrariam os 40 anos do teatro. A pandemia ceifou boa parte do que se planejava para a celebração inclusive o eventual contato com a atriz.

Perdi uma grande oportunidade. Berta nos deixou na última semana e doravante só nos resta a lembrança e a saudade do trabalho dessa grande atriz. 

29/02/2021

2 comentários:

  1. Zé, estudei no Caetano de Campos e me recordo muito bem do auditório. Poderia ser aproveitado para apresentações teatrais. Belas lembranças as suas.

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