Em 1963/1964 uma peça
realista com grande elenco (12) levava muito público ao Teatro Oficina,
onde era apresentada com direção de Zé Celso Martinez Corrêa. Trata-se de Pequenos
Burgueses de Máximo Gorki. A propaganda e as chamadas para a peça afirmavam
que todo o espectador iria se identificar com algum dos personagens da peça.
Estamos em 2023, sessenta
anos depois, e as chamadas para A Herança, outra peça realista com
grande elenco (por coincidência, também 12, sem contar a participação especial
de Miriam Mehler, que por sinal participou da montagem histórica do Teatro
Oficina) tem suas chamadas nas redes sociais também afirmando que sempre
haverá uma identificação do espectador com algum dos personagens.
É natural que em um espetáculo de cunho realista, onde há forte relacionamento entre o grande número de personagens, surjam situações e reações que remeterão a algum momento da vida de cada um dos espectadores, daí a identificação.
A parte 2 da peça
começa de forma promissora em cena que Eric (Bruno Fagundes) apresenta seu
futuro marido, o conservador Henry (Reynaldo Gianecchini), para seus amigos
gays. Há uma acirrada discussão entre o republicano Henry e os amigos de Eric,
todos democratas. O mais radical dos rapazes é aquele interpretado por Haroldo
Miklos (excelente) que ao fim da conversa e com a saída de Henry, aconselha
Eric a desistir do casamento, ao que Eric retruca:
- É a minha vida!
E o rapaz responde:
- É o meu país!
Cena política forte
que infelizmente não é levada adiante, pois neste momento o dramaturgo Matthew
López ao oscilar entre terminar a peça com um cunho político ou manter o tom pessoal,
escolheu a segunda opção, se restringindo às questões pessoais dos homossexuais
pequeno burgueses novaiorquinos.
Sendo assim
acompanha-se a saga de Eric e seus companheiros até a partida deste para a casa
herdada de Walter (personagem de Marco Antônio Pâmio que morre na parte 1) onde
encontra uma senhora, aqui interpretada por Miriam Mehler, em cena feita sob
encomenda para comover, pois tudo que toca no assunto “morte provocada pela
aids” comove. Bela participação da atriz que sabe dosar a dramaticidade da cena
com toques de humor. Miriam é merecidamente ovacionada em cena aberta.
Se na parte 1, os
grandes destaques eram Pâmio e Primot, nesta parte 2, além da citada cena de
Miriam, Primot domina totalmente em cada cena em que aparece, tendo
interpretação marcante digna de ser lembrada entre as melhores do ano.
Pâmio comparece mais
discretamente apenas em sonho do personagem Leo, como E.M. Forster, autor do
livro Maurice que causou grande impacto no jovem vivido por André
Torquato, menos vibrante nesta parte 2, apesar de ter significativo momento
quando se divide entre os dois personagens que interpreta (Adam e Leo).
Bruno Fagundes segue
com um Eric tímido e choroso, mas convence no papel, sendo uma bem-vinda
revelação.
O elenco coadjuvante
continua ótimo, cada um tendo bons momentos tanto interpretando como narrando
cenas, com destaque para Haroldo Miklos na cena citada acima.
A feia cenografia
assinada pelo diretor Zé Henrique de Paula é composta de placas de madeira encostadas
no fundo do palco e de araras com roupas dispostas nas duas laterais. A meu
ver, esteticamente seria mais interessante um palco nu do que essa solução.
Figurinos assinados
por Fábio Namatame e iluminação sempre competente de Fran Barros. A discreta
trilha sonora é de Fernanda Maia.
A Herança não vai ficar como
revolucionária na história do teatro, mas é bem construída como texto e tem
bela tradução cênica brasileira realizada por Zé Henrique de Paula.
Ressalte-se que as
mais de seis horas de duração não pesam param o espectador, que acompanha com
bastante interesse o dia a dia e os dramas de Eric, Toby, Walter, Henry, Adam,
Leo e seus amigos.
Você se identificou com algum deles?
A HERANÇA está em cartaz no Teatro Vivo até 30 de abril
27/03/2023
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