terça-feira, 28 de março de 2023

A HERANÇA – PARTE 2

 

Em 1963/1964 uma peça realista com grande elenco (12) levava muito público ao Teatro Oficina, onde era apresentada com direção de Zé Celso Martinez Corrêa. Trata-se de Pequenos Burgueses de Máximo Gorki. A propaganda e as chamadas para a peça afirmavam que todo o espectador iria se identificar com algum dos personagens da peça.

Estamos em 2023, sessenta anos depois, e as chamadas para A Herança, outra peça realista com grande elenco (por coincidência, também 12, sem contar a participação especial de Miriam Mehler, que por sinal participou da montagem histórica do Teatro Oficina) tem suas chamadas nas redes sociais também afirmando que sempre haverá uma identificação do espectador com algum dos personagens.

É natural que em um espetáculo de cunho realista, onde há forte relacionamento entre o grande número de personagens, surjam situações e reações que remeterão a algum momento da vida de cada um dos espectadores, daí a identificação. 

A parte 2 da peça começa de forma promissora em cena que Eric (Bruno Fagundes) apresenta seu futuro marido, o conservador Henry (Reynaldo Gianecchini), para seus amigos gays. Há uma acirrada discussão entre o republicano Henry e os amigos de Eric, todos democratas. O mais radical dos rapazes é aquele interpretado por Haroldo Miklos (excelente) que ao fim da conversa e com a saída de Henry, aconselha Eric a desistir do casamento, ao que Eric retruca:

- É a minha vida!

E o rapaz responde:

- É o meu país!

Cena política forte que infelizmente não é levada adiante, pois neste momento o dramaturgo Matthew López ao oscilar entre terminar a peça com um cunho político ou manter o tom pessoal, escolheu a segunda opção, se restringindo às questões pessoais dos homossexuais pequeno burgueses novaiorquinos.

Sendo assim acompanha-se a saga de Eric e seus companheiros até a partida deste para a casa herdada de Walter (personagem de Marco Antônio Pâmio que morre na parte 1) onde encontra uma senhora, aqui interpretada por Miriam Mehler, em cena feita sob encomenda para comover, pois tudo que toca no assunto “morte provocada pela aids” comove. Bela participação da atriz que sabe dosar a dramaticidade da cena com toques de humor. Miriam é merecidamente ovacionada em cena aberta.

Se na parte 1, os grandes destaques eram Pâmio e Primot, nesta parte 2, além da citada cena de Miriam, Primot domina totalmente em cada cena em que aparece, tendo interpretação marcante digna de ser lembrada entre as melhores do ano.

Pâmio comparece mais discretamente apenas em sonho do personagem Leo, como E.M. Forster, autor do livro Maurice que causou grande impacto no jovem vivido por André Torquato, menos vibrante nesta parte 2, apesar de ter significativo momento quando se divide entre os dois personagens que interpreta (Adam e Leo).

Bruno Fagundes segue com um Eric tímido e choroso, mas convence no papel, sendo uma bem-vinda revelação.

O elenco coadjuvante continua ótimo, cada um tendo bons momentos tanto interpretando como narrando cenas, com destaque para Haroldo Miklos na cena citada acima.

A feia cenografia assinada pelo diretor Zé Henrique de Paula é composta de placas de madeira encostadas no fundo do palco e de araras com roupas dispostas nas duas laterais. A meu ver, esteticamente seria mais interessante um palco nu do que essa solução.

Figurinos assinados por Fábio Namatame e iluminação sempre competente de Fran Barros. A discreta trilha sonora é de Fernanda Maia.

A Herança não vai ficar como revolucionária na história do teatro, mas é bem construída como texto e tem bela tradução cênica brasileira realizada por Zé Henrique de Paula.

Ressalte-se que as mais de seis horas de duração não pesam param o espectador, que acompanha com bastante interesse o dia a dia e os dramas de Eric, Toby, Walter, Henry, Adam, Leo e seus amigos.

Você se identificou com algum deles? 

A HERANÇA está em cartaz no Teatro Vivo até 30 de abril 

27/03/2023

 

 

 

 

 

 

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