sexta-feira, 2 de junho de 2017

ENQUANTO AS CRIANÇAS DORMEM


        Eis um trabalho repleto de boas ideias que, um pouco burilado após a estreia de 31/05/2017, pode se transformar em ótimo espetáculo.
        O antimusical, assim denominado pelo autor, tem boa sacada desde o título dos atos: o primeiro é Sonhos e o segundo Pesadelos. Há de tudo um pouco na trama elaborada por Dan Rosseto: humor, paródia dos musicais norte americanos, muita ironia, realismo ao retratar a vida da protagonista Kelly, suspense, crime, terror e até certo canibalismo, pois quem come hamburguer de carne humana só pode ser considerado canibal, não é?
        No primeiro ato predomina o humor, apesar do retrato amargo da jovem balconista de lanchonete maltratada não só pelo seu chefe, mas pela vida e que tem seu único alento no sonho de ir para a “América” e se tornar estrela da Broadway. Nele estão os melhores momentos da peça, entre eles a deliciosa cena do supermercado que é virulenta crítica ao consumismo imposto pelas propagandas do sistema capitalista. Outra boa ideia aparece quando surge uma fada/bruxa (?) que promete realizar os sonhos de Kelly.
        O segundo ato destitui-se em grande parte do humor, correndo o perigo de resvalar para o dramalhão. Com trama parecida àquela do filme colombiano Maria Cheia de Graça (2005) de Joshua Marston, a protagonista, agora rebatizada como Maria de los Ángeles vai em direção da “América” transportando drogas e tem final trágico. O ato alonga-se em cenas como a do necrotério e da primeira fronteira. O humor e a ironia só voltam a se destacar na irreverente cena final, uma crítica aos grands finales dos shows da Broadway.
        Carol Hubner tem forte presença cênica e se sai melhor como a sofrida Kelly do que a aparentemente segura Maria do segundo ato. O restante do elenco se desincumbe de vários papéis com destaque para Diogo Pasquim (hilário como o propagandista do supermercado) e para a figura chapliniana de Juan Manuel Tellategui, excelente tanto como o cruel gerente da lanchonete como as várias personagens que desempenha no segundo ato.
        A trilha gravada com o coro incomoda este espectador ranzinza. Como seria o rendimento de haver apenas a parte instrumental gravada e só os atores cantarem ao vivo? Talvez perdesse em grandiosidade, mas com certeza ganharia em espontaneidade.
           Outra ótima ideia é a homenagem e a participação em off do grande ator de musicais Fred Silveira, também responsável pela trilha sonora original.
        Enquanto as Crianças Dormem é espetáculo realizado sem patrocínio graças ao sangue e ao suor dos idealistas Dan Rosseto e Fabio Camara e merece todo o apoio em sua tentativa bem sucedida de realizar um musical, perdão... um antimusical com características totalmente locais.


        A peça está em cartaz no Teatro Aliança Francesa às quartas e quintas às 20h30. Temporada prevista até 27/07.


02/06/2017

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