São só mais cinco minutos...
Nem
sempre um bom texto literário resulta em bom espetáculo. Os dois primeiros
trabalhos apresentados nesta 5ª edição da sempre bem-vinda e tão necessária Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos do CCSP careciam, a meu modo de
ver, de dramaturgia cênica, sendo mais interessantes lidos do que encenados.
A Neve,
último espetáculo da Mostra, no entanto, tem exuberância cênica, apesar dos
poucos recursos de produção disponíveis.
O
texto de René Piazentin parte de premissas caras ao realismo fantástico para
contar uma história que infelizmente é muito real e nada fantástica. Os porões do
regime totalitário brasileiro são mostrados com certa crueza enquanto lá fora
faz sol e ao mesmo tempo neva sobre o Pão de Açúcar. Pedro é o jovem que
desaparece aos olhos de sua irmã e de sua companheira e em torno deles gravitam
personagens muito interessantes e bem construídas como Dona Serena (a
proprietária da padaria), o jovem Neneno da Dor Profunda (talvez a figura mais
interessante da peça), Dodô (amigo de Pedro), o Presidente, Militares e
Carcereiros. Tudo transcorre em um clima de sonho, ou melhor, de pesadelo.
O
próprio autor dirige a montagem com mãos certeiras mostrando bastante domínio especialmente
nos vários momentos em que coloca sonho, imaginação e realidade simultaneamente
em cena e também usando recursos cênicos e interpretativos quando a trama parece
resvalar para o melodrama evitando assim essa armadilha.
O
cenário de Eliseu Weide composto de estruturas móveis deslocadas pelos atores é
simples, mas bastante eficiente e é particularmente notável o painel “tropicalista”
pintado com o Pão de Açúcar coberto de neve. A trilha sonora selecionada pelo
autor/diretor pontua bem e discretamente toda a ação e fecha o espetáculo de
maneira irônica com a marchinha de carnaval que antecedia Presidente Bossa Nova que a saudosa Elis cantava em Saudade do Brasil. Pois é Elis! Se em
1980 você tinha saudade do Brasil de 1960, o que dizer do que sentimos neste
calamitoso 2019.
O
programa tem o mérito de incluir o texto integral da peça, porém presta um
desserviço ao elenco! Na ficha técnica não há a relação de quem faz o que,
dificultando a nominação deste ou aquele trabalho. Destaco então o trabalho do
elenco feminino: a firmeza de Thaís e de Carmen, a humanidade de Serena e
principalmente, a inocência e a perplexidade da garota que interpreta Neneno
Dor profunda. Do elenco masculino o destaque vai para o ator que representa o
locutor e o militar.
Elenco com Neneno Dor Profunda à frente
Thaís e Carmen
Dona Serena
A Neve ou Fora de Controle é espetáculo
bem escrito e bem encenado, contando bem uma história com final surpreendente,
que não vou ser desmancha prazer de contar aqui.
E a neve continua a cair sobre todo o
Brasil, mas só por mais cinco minutos...
A
NEVE ou FORA DE CONTROLE está em cartaz no Centro Cultural São Paulo até 15/09 às
sextas e sábados (20h30) e domingos (19h30). NÃO DEIXE DE VER!
25/08/2019
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