Foto de Leekyung Kim
“Existe sempre alguma coisa ausente que me
atormenta”. Não há como não se lembrar dessa frase de Camille Claudel
(1864-1943), presente em placa da residência onde ela morou em Paris e celebrizada
por Caio Fernando Abreu em uma de suas belas crônicas, ao assistir ao pungente
espetáculo criado por Erica Montanheiro e Eric Lenate sobre os trinta anos de
confinamento em hospícios de Camille e de Nijinsky (1889-1950).
Seres
geniais que viveram intensamente seus talentos e paixões, Camille e Nijinsky
perdem-se nos labirintos da mente humana desenvolvendo o que se convencionou
chamar de desequilíbrio mental e que os confinam em hospitais psiquiátricos
onde são submetidos a tratamentos cruéis tão em voga na época. No caso de
Camille os próprios médicos não aconselhavam a sua permanência nos asilos, mas
a negligência de sua família, em especial de seu irmão Paul, ali a mantiveram
durante trinta anos até a sua morte.
Apesar
de serem dirigidos por mãos diferentes os dois espetáculos dialogam entre si
criando um todo harmônico e coerente que remete ao lado mais sombrio de Beckett
e Artaud; para isso muito contribui a arquitetura cênica criada por Erica,
Lenate e o sempre criativo e talentoso Kleber Montanheiro. A maneira como o público
é introduzido nos espaços onde ocorrem as cenas já o aclimata para o que irá
presenciar.
A
composição de Erica Montanheiro, auxiliada pela marcante maquiagem criada por
Leopoldo Pacheco, é poderosa desde os primeiros momentos onde uma velhinha entoa
canções de sua infância até o delírio final onde ela finalmente pronuncia o
nome, do até então inominável, Rodin. Em projeções sobre a cabeça da personagem
desfilam figuras importantes de sua triste existência. Camille morreu aos 79
anos e ao que se sabe foi enterrada em uma vala comum.
A
introdução no espaço onde ocorrerá Testemunho
Líquido é um soco no estômago! Eric Lenate tem tamanho domínio corporal e
vocal (herança de seus tempos com o Mestre Antunes) que hipnotiza o público com
sua interpretação absolutamente visceral. Muitos atores já interpretaram papeis
de esquizofrênicos [como não se lembrar do genial Rubens Corrêa em Diário de Um Louco (1965) e de Gabriel
Miziara em Loucura (2002)?], mas meus
mais de cinquenta anos de espectador me permitem afirmar que este trabalho de
Lenate está entre os melhores a que já assisti nesse meio século de itinerância
pelos palcos paulistanos. Com seus dotes de dançarino, Lenate ainda se permite
reproduzir parte da coreografia antológica de Prélude
à
l'Après-Midi d'Un Faune, dançada por
Nijinsky em sua juventude.
Muito
poderia se escrever sobre a impecabilidade desse projeto: a chamada experiência
imersiva, a iluminação criada por Aline Santini, o impressionante visagismo
assinado por Carol Badra e Leopoldo Pacheco e toda a equipe que transformou por
completo e de maneira muito criativa o espaço cênico do Núcleo Experimental que
nunca mais será o mesmo depois dessa experiência.
BALADA
DOS ENCLAUSURADOS está em cartaz no Núcleo Experimental de 02/08 a 02/09/2019
às sextas, sábados, domingos e segundas. Todos os dias são apresentadas as duas
peças que podem ser assistidas no mesmo dia ou em dias alternados:
-
INVENTÁRIO: sextas e sábados às 19h/domingos às 20h/segundas às 21h
-
TESTEMUNHO LÍQUIDO: sextas e sábados às 21h/domingos às 18h/segundas às 19h
OBS:
É possível que após essa temporada o projeto se apresente em outros espaços,
mas garanta a sua presença na instalação criada no Núcleo Experimental que
dificilmente será reproduzida em outros espaços.
02/08/2019
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