O
dramaturgo sueco Lars Norén (1944-2021) situa sua peça nas estações mais
sombrias e frias do ano e o sub título parece remeter à primavera e ao verão de
ontem, estações solares onde deve ter havido mais alegria e mais esperança em
futuro que, na verdade, se revelou outonal e invernal. Mas isso é só aparência,
porque no passado é que está a raiz dos dramas apresentados.
A peça de Lars Norén
tem evidentes influências dos também suecos Ingmar Bergman (1918-2007) e August
Strindberg (1849-1912), mas, a meu ver, Eugene O’Neill (1888-1953) e mais especificamente
sua obra prima Longa Jornada Noite Adentro é que é a matriz para
esse intenso drama ora em cartaz no Itaú Cultural.
Aqui os personagens
são um pai, uma mãe e duas filhas amarguradas com traumas acumulados desde a
infância que explodem em todos jantares mensais em que as irmãs visitam os
pais. Assim como em Longa Jornada a peça tem unidades de tempo e de
lugar e a diferença é que são duas filhas e não dois filhos, mas a estrutura é
muito parecida.
Henrique (Riba
Carlovich) é um pai omisso e Margarida (Noemi Marinho) é uma mãe, aparentemente
compreensiva, mas na verdade autoritária, fria e indiferente às reações das
filhas Ana (Dinah Feldman) e Eva (Nicole Cordery).
Como sempre nesse
tipo de peça, a narrativa começa como uma alegre e descontraída reunião
familiar e vai evoluindo para uma tensão crescente até atingir clima
insuportável. O modelo aqui é a obra de Edward Albee (1928-2016).
O sucesso desse tipo
de peça depende, primordialmente, do talento da equipe que a dirige e a interpreta
e talento é que não falta para a diretora Denise Weinberg e para o quarteto de
ouro em cena.
Riba Carlovich
empresta dignidade ao pai quietão e omisso. Noemi Marinho sabe tirar partido
dos momentos de humor que o texto oferece e sabe dosar a dramaticidade de
outros momentos, suas reações faciais às ações dos outros personagens são um espetáculo à parte. Nicole Cordery interpreta a filha Eva, bem de vida,
aparentemente bem resolvida e equilibrada, mas que é um poço de indignação
quando se revolta. Cabe a Dinah Feldman a personagem mais complexa da obra
(Ana) e a atriz sabe tirar partido das explosões da mesma, revelando um talento
verdadeiramente impactante (Denise Weinberg interpretou esse papel na versão de
2006 dirigida por Eduardo Tolentino de Araújo).
A relação entre os
quatro e, em especial, entre as duas irmãs é intensa e a encenadora resolve a
movimentação cênica do elenco de maneira brilhante mantendo o casal sentado durante
quase toda a ação e as filhas numa constante agitação física com gestual
bastante elaborado e estudado.
A direção de produção
do espetáculo (magnífica e significativa estreia de Marcela Horta na liderança
de uma produção) não poupou esforços para que o espetáculo atingisse um ótimo
nível e cercou-se de excelentes profissionais como Chris Aizner na concepção da
cenografia onde a comida e a mesa de jantar são elementos importantes no
desenvolvimento da trama e dos figurinos, de Wagner Pinto no desenho da luz, de
Kiko Marques que fez a ótima adaptação do texto e Gregory Slivar que realiza ao
vivo a trilha composta por ele, sons que comentam a ação e que se tornam quase
como uma quinta personagem em cena.
Valendo-se de todos esses elementos e do bravo elenco, Denise Weinberg realizou espetáculo memorável que se inscreve entre os melhores deste 2022 que já está em sua reta final.
OUTONO INVERNO está em cartaz no Itaú Cultural, com ingressos gratuitos, apenas até o próximo fim de semana (6 de novembro) de terça a sábado às 20h e no domingo às 19h. Não haverá espetáculo neste domingo, dia 30, data que esperemos se possa comemorar a volta da alegria de viver neste nosso Brasil, tão vilipendiado nesses últimos quatro anos.
29/10/2022
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