Hilda Hilst (1930-2004) escreveu seus oito
textos teatrais entre 1967 e 1969, anos terríveis da ditadura militar, mas que
foram bastante férteis para as criações teatrais como resistência aos desmandos
do regime de triste lembrança.
As Aves da Noite foi escrita em 1968, ano de muita
agitação popular e em que houve um recrudescimento da censura e das torturas
culminando com a edição do famigerado AI-5 (tão amado pelos adeptos do
bolsonarismo) em 13 de dezembro.
Em boa e oportuna hora Hugo Coelho foi
buscar esse importante texto para transformá-lo nesse pungente espetáculo, ora
apresentado virtualmente.
A cena se passa na chamada cela de
fome no campo de concentração de Auschwitz onde estão presos alguns homens
considerados inimigos do regime nazista, entre eles o Padre Maximilian Kolbe
que realmente existiu. De formação e credos diferentes esses homens discutem
sobre fé, vida, morte e repressão durante o tempo que ainda têm de vida. Texto
extremamente oportuno para a época em que foi escrito, infelizmente torna-se
novamente oportuno nestes tristes tempos em que o autoritarismo ronda as
cabeças de todos os brasileiros.
Eu arriscaria escrever que As Aves
da Noite é o espetáculo mais bem sucedido como TEATRO desde o surgimento
das obras realizadas de modo virtual. Explico: há o teatro filmado, o teatro híbrido
(peça filme, cine teatro), o teatro de janelinha (aqueles primeiros usando o
zoom), todos eles mais ou menos bem sucedidos e que tiveram uma evolução muito
grande de 2020 para 2021 no que tange à tecnologia, mas a virtualidade sempre
preponderou em todos eles, com as câmeras dominando o espetáculo. Em As Aves
da Noite a câmera deixa de ser a protagonista. A peça foi realizada no
palco do Teatro Arthur Azevedo com cenário, iluminação e demais itens
voltados para uma apresentação teatral. O mesmo acontece com a interpretação e
a movimentação dos atores. Todo o processo de criação foi teatral. As câmeras
entram discretamente naquele ambiente para alguns closes e planos necessários
para a exibição virtual. No bate papo ao final do espetáculo o diretor Hugo
Coelho fez uso de metáfora interessante para explicar a sua escolha: na
montagem o teatro é a massa do bolo, a câmera é só a cobertura.
O espaço cênico concebido pelo diretor
e David Schumaker é esteticamente bem equilibrado com as celas individuais
dispostas de forma simétrica (durante a peça algumas mudam de lugar). A
iluminação de Fran Barros é discreta e privilegia as celas e o aparecimento de
uma das aves agourentas da noite (o SS). Figurinos de acordo com a situação dos
prisioneiros assinado por Rosângela Ribeiro e trilha sonora potente de Ricardo
Severo. Todos esses elementos contribuindo para a sensação de angústia e
claustrofobia que perpassa toda a peça.
Intérpretes são peças chaves para o
bom resultado de um espetáculo desse tipo. E que intérpretes! Hugo Coelho
conseguiu reunir uma equipe que merece um prêmio coletivo de interpretação por
este trabalho.
Concordo com Marco Antônio Pâmio que
interpreta com muita verdade o Padre Maximiliano, que não há um papel principal
na peça.
Tanto o Padre, como a Carcereiro
(interpretação visceral e absolutamente memorável de Marat Descartes), o
Joalheiro (Genézio de Barros sempre um excelente ator, em interpretação
intimista e comovente), o Estudante (o jovem Rafael Losso em grande momento), o
Poeta (Davi Tápias, muito bom em seus momentos de desespero, sendo o primeiro a
sucumbir), a Mulher (participação emocionante de Regina Maria Remencius), o SS
(Marcos Suchara convencendo como o repugnante agente nazista) e mesmo Hans, o
ajudante do SS (Davi Tostes, presença muda, mas significativa) têm momentos
fundamentais no desenrolar da trama.
Há muitas razões para assistir a As
Aves da Noite: a qualidade e a atualidade do texto, a segura direção de
Hugo Coelho como verdadeiro regista teatral de todos elementos que compõem o
espetáculo e um elenco de ouro que faz o orgulho do nosso teatro, são algumas
delas.
Ah! E a montagem está prontinha para
ir para um teatro!
ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!
06/10/2021
SERVIÇO:
DIAS
05, 06 e 07 de outubro – 20h
Acesso: Youtube/CuradoriaHilst
DIAS
15, 16 (21h) e 17 (19h) de outubro
Acesso: Facebook/TeatroCacildaBeckerSP YouTube/TeatroCacildaBecker
DIAS
22, 23 (21h) e 24 (19h) de outubro
Acesso: Facebook/teatropopularjoaocaetano – YouTube/TeatroJoãoCaetanoSão Paulo
DIAS
29, 30 (21h) e 31 de (19h) de outubro
Acesso: Facebook/teatropauloeiro
DIAS
05, 06 (21h) e 07 (19h) de novembro
Acesso:
Facebook/teatroarthurazevedosp – YouTube/TeatroArthurAzevedoSP
GRATUITO. Duração: 75 minutos. Classificação: 16 anos
Fiquei muito entusiasmado para assistir a esse grande espetáculo virtual. Confesso que tenho uma certa restrição a essas montagens exigidas pelos novos tempos, mas suas recomendações são mais do que suficientes para me convencer. Obrigado!
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