O que faz autores tão
distintos como Consuelo de Castro, Sara Stridsberg e Mike Bartlett revisitarem
o mito de Medeia?
O que faz diretores
como Gabriel Fernandes/Bete Coelho, Bim de Verdier, Lavínia Pannunzio e Zé
Henrique de Paula encenarem no mesmo ano obras tendo Medeia como protagonista?
O que faz atrizes
como Bete Coelho, Nicole Cordery, Helena Ignez e Fani Feldman se entregarem
visceralmente na interpretação do mito que foi imortalizado por Eurípedes há
2500 anos atrás?
Grafada como Medeia
ou Medea, essa personagem tão potente compareceu em nossos palcos, ou melhor,
nos nossos vídeos, por quatro vezes neste ano de 2021. Furiosa e vingativa em
função das traições sofridas, Medeia talvez sirva como um grito de alerta
contra as barbaridades sofridas pelos brasileiros vergonhosamente traídos por
esse governo insano que está no poder.
Algumas dessas montagens já foram alvo de matérias que escrevi ao longo do ano e aqui me concentro na última a que assisti:
MEDEA de Mike Bartlett
O dramaturgo inglês
Mike Bartlett (1980) está bastante em voga em nossos palcos. De sua autoria já
assistimos duas versões de Contrações (uma delas se intitulou Um
Contrato); Bull; Love. Love, Love; o recente Cock e
para 2022 Marco Antônio Pâmio prepara a encenação de Terremotos.
Bartlett escreveu a sua
versão da tragédia de Eurípedes, ora apresentada pela Cia. do Sopro, em
2012. A montagem dirigida por Zé Henrique de Paula cumpriu temporada presencial
relâmpago no SESC Pompeia e realiza apresentações virtuais de 16 a 19 de
dezembro no canal do YouTube da companhia.
Essa versão é
ambientada no subúrbio de uma grande cidade e, além de Medea, dá destaque para
duas mulheres (a vizinha Sarah e a colega de trabalho Pam) que fazem as vezes
do coro original. Além de Jasão e Creonte (aqui rebatizado de Nick Carter)
surge o vizinho Andrew para quem Medea se insinua com a pretensão de obter
alguns favores. Em alguns momentos a câmera faz as vezes do filho Tom.
A versão de Bartlett enfatiza
as dificuldades que uma mulher inteligente e livre pode ter numa sociedade
machista. A trama é ágil e a versão de Diego Teza, em tom coloquial, flui muito
bem.
O cenário de Bruno
Anselmo mostra o esqueleto da casa de Medea e assim podemos visualizar as ações
que se passam tanto defronte a casa como em seu interior. Algumas cenas
acontecem também nos fundos da casa, recurso fácil na versão visual, mas
desconheço como ocorreu quando da apresentação presencial. Por sinal, cabe
destacar a excelente direção audiovisual de Murilo Alvesso.
Iluminação discreta e
eficiente de Fran Barros e a excelência de sempre na trilha original de
Fernanda Maia.
Zé Henrique de Paula
harmoniza todos esses elementos com a movimentação do elenco, muito bem
preparado por Inês Aranha.
Como protagonista
Fani Feldman realiza um bom trabalho compondo uma Medea furiosa ou mansa nas
horas certas; a atriz se despe de qualquer glamour ao mostrar as
grosserias do que é capaz a personagem, chegando a escarrar em cena.
Daniel Infantini tem
excelente presença cênica como Jasão. Plínio Meirelles interpreta o incrédulo
vizinho Andrew assediado por Medea e Bruno Feldman é um vigoroso Nick Carter
que vem dar ordens de despejo a Medeia.
Juliana Sanches (Pam)
e Maristela Chelala (Sarah) encarregam-se da preciosa cena inicial de dez
minutos onde comentam sobre suas preocupações com o que está acontecendo com
Medea e Juliana tem uma poderosa cena final onde narra o que aconteceu na festa
de casamento onde morreram Kate, a noiva de Jasão, e seu pai Nick Carter.
Última sessão virtual
neste domingo às 21h.
Montagem merecedora de temporada presencial em 2022.
19/12/2021
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