Meu primeiro contato
com a obra do dramaturgo Kleber Di Lázzare foi através da leitura da Trilogia
do Desejo e da Punição (Editora Giostri) formada pelas peças Coisas de
Meninos, E Isto É Tudo ou Do Que Podemos Lembrar e Você
Precisa Saber de Mim. Percebi naqueles escritos muita originalidade e uma
potência cênica muito alta. No final do livro há um álbum com fotos das
encenações dessas peças, as quais não tive oportunidade de assistir.
Eis que agora surge a
versão virtual de Sobre Todas as Coisas escrita em 2011, antes, portanto,
da Trilogia.
A peça, muito bem
estruturada, é dividida em prólogo, cinco cenas e epílogo e trata de Mateus, um
escritor à beira de um ataque de nervos devido à constante rejeição de uma obra
sua pelo editor e também à relação conflituosa com a ex-esposa Beatriz.
Essas cenas mostram
Mateus em três situações: em relação pirandelliana com aqueles que virão a ser
suas personagens; em relação com as personagens do livro que são uma prostituta
e seu “dono” e em relação com a ex-esposa. A intercalação dessas relações nas
cenas é feita de maneira perfeita e harmoniosa.
O elenco é formado
por atriz e atores sediados em diversas partes do mundo: Carlos Sanmartin
(Cidade do Mexico), Luciana Ramanzini (São Paulo) e Mateus Monteiro (Londres) e
por conta da pandemia a gravação foi realizada com cada um deles em seus locais
de moradia. O diretor/autor sabiamente evitou o uso do que eu batizei de “teatro
de janelinha” muito usado pelas peças virtuais realizadas pelo zoom. Aqui cada
participante movimenta-se em cenário de tela cheia e os diálogos e a
continuidade dão-se de forma perfeita.
Em dois momentos o
teatro-filme, conforme definido por Di Lázzare, me remeteu ao memorável filme Moulin
Rouge (2001) de Baz Luhrmann: no sub-título “... e as principais delas: o
amor e a liberdade” (no filme era: verdade, beleza, liberdade e amor”) e na
cena em que Mateus termina o seu romance de maneira frenética e clama: FIM.
Coincidência ou uma homenagem ao filme de Luhrmann? Nada que desabone o
magnífico trabalho de Di Lázzare.
Carlos Sanmartin
defende bravamente o personagem de Mateus, praticamente não saindo da cena a
qual divide com Mateus Monteiro, grande ator há tempos sediado na Inglaterra e
que faz falta em nossos palcos, e com a mais que talentosa Luciana Ramanzini,
que transita tão bem entre a comédia (quem vai esquecer de sua antológica
intervenção na peça sobre Carmen Miranda, onde ela procura traduzir a letra de
uma música cantada pela cantora? ) e o drama e aqui interpreta com muita
intensidade tanto a prostituta como a ex-mulher Beatriz.
Outra bem-vinda
referência da peça é o fato de o casal amar a música Alfonsina y el Mar,
divinamente cantada por Mercedes Sosa (1935-2009) e que trata da poetisa
Alfonsina Storni (1892-1938) que se suicidou por afogamento no Mar Del Plata. A
audição da música pelo casal se dá em raro momento de trégua da peça.
Assim, desde que
nossa triste realidade cultural permita, Kleber Di Lázzare vai pondo à mostra
sua surpreendente obra já realizada e o que está para ser realizado, afinal
conforme as palavras de Mateus ao final da peça: “A melhor obra de arte é a
que ainda está por vir”.
Sobre Todas as Coisas é teatro da melhor qualidade e merece ser prestigiado por todos aqueles que acreditam na evolução da chamada arte do efêmero.
15/12/2021
Temporada virtual via
Sympla de 14 a 21 de dezembro às 20h
Ingressos:
sympla.com.br
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