quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

SOBRE TODAS AS COISAS

 

Meu primeiro contato com a obra do dramaturgo Kleber Di Lázzare foi através da leitura da Trilogia do Desejo e da Punição (Editora Giostri) formada pelas peças Coisas de Meninos, E Isto É Tudo ou Do Que Podemos Lembrar e Você Precisa Saber de Mim. Percebi naqueles escritos muita originalidade e uma potência cênica muito alta. No final do livro há um álbum com fotos das encenações dessas peças, as quais não tive oportunidade de assistir.

Eis que agora surge a versão virtual de Sobre Todas as Coisas escrita em 2011, antes, portanto, da Trilogia.

A peça, muito bem estruturada, é dividida em prólogo, cinco cenas e epílogo e trata de Mateus, um escritor à beira de um ataque de nervos devido à constante rejeição de uma obra sua pelo editor e também à relação conflituosa com a ex-esposa Beatriz.

Essas cenas mostram Mateus em três situações: em relação pirandelliana com aqueles que virão a ser suas personagens; em relação com as personagens do livro que são uma prostituta e seu “dono” e em relação com a ex-esposa. A intercalação dessas relações nas cenas é feita de maneira perfeita e harmoniosa.

O elenco é formado por atriz e atores sediados em diversas partes do mundo: Carlos Sanmartin (Cidade do Mexico), Luciana Ramanzini (São Paulo) e Mateus Monteiro (Londres) e por conta da pandemia a gravação foi realizada com cada um deles em seus locais de moradia. O diretor/autor sabiamente evitou o uso do que eu batizei de “teatro de janelinha” muito usado pelas peças virtuais realizadas pelo zoom. Aqui cada participante movimenta-se em cenário de tela cheia e os diálogos e a continuidade dão-se de forma perfeita.

Em dois momentos o teatro-filme, conforme definido por Di Lázzare, me remeteu ao memorável filme Moulin Rouge (2001) de Baz Luhrmann: no sub-título “... e as principais delas: o amor e a liberdade” (no filme era: verdade, beleza, liberdade e amor”) e na cena em que Mateus termina o seu romance de maneira frenética e clama: FIM. Coincidência ou uma homenagem ao filme de Luhrmann? Nada que desabone o magnífico trabalho de Di Lázzare.

Carlos Sanmartin defende bravamente o personagem de Mateus, praticamente não saindo da cena a qual divide com Mateus Monteiro, grande ator há tempos sediado na Inglaterra e que faz falta em nossos palcos, e com a mais que talentosa Luciana Ramanzini, que transita tão bem entre a comédia (quem vai esquecer de sua antológica intervenção na peça sobre Carmen Miranda, onde ela procura traduzir a letra de uma música cantada pela cantora? ) e o drama e aqui interpreta com muita intensidade tanto a prostituta como a ex-mulher Beatriz.

Outra bem-vinda referência da peça é o fato de o casal amar a música Alfonsina y el Mar, divinamente cantada por Mercedes Sosa (1935-2009) e que trata da poetisa Alfonsina Storni (1892-1938) que se suicidou por afogamento no Mar Del Plata. A audição da música pelo casal se dá em raro momento de trégua da peça.

Assim, desde que nossa triste realidade cultural permita, Kleber Di Lázzare vai pondo à mostra sua surpreendente obra já realizada e o que está para ser realizado, afinal conforme as palavras de Mateus ao final da peça: “A melhor obra de arte é a que ainda está por vir”.

Sobre Todas as Coisas é teatro da melhor qualidade e merece ser prestigiado por todos aqueles que acreditam na evolução da chamada arte do efêmero. 

15/12/2021 

Temporada virtual via Sympla de 14 a 21 de dezembro às 20h

Ingressos: sympla.com.br

 

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