UM AUTO DE NATAL PERNAMBUCANO ou O OVO DA SERPENTE?
A veia poética de Newton Moreno põe o dedo na ferida que é a crescente presença da extrema direita no Brasil e no mundo e o faz com a história de um rapaz que foi criado por mãe adotiva e sai pelos canaviais pernambucanos em busca de sua origem. Simples assim.
A trama; porém, nada simples; entrecruza a busca do rapaz com a de outro rapaz alemão, em outro tempo, que veio para o Brasil após a derrota do nazismo em sua terra natal.
Por dentro sangue de ariano, de negro, de judeu, de indígena e até do rei da Inglaterra é tudo igual, mas por fora o homem de uma raça ou classe vê com intolerância o outro, sempre tratado como inimigo. Há uma frase exemplar na peça que ilustra isso:” O ódio é a erva daninha da humanidade” e o exemplo de intolerância na peça é o pai da moça que engravidou do alemão nazista, que rejeita o neto e o manda matar temendo ser ele o ovo da serpente, no entanto a criança não foi morta e foi entregue a um convento e essa criança é, tempos depois, esse rapaz em busca de sua origem. Moreno mostra isso com um toque de tragédia grega e muita poesia.
O rapaz, rejeitado quando bebê pela intolerância do avô, é um homem de bem que sabe perdoar aquele avô.
Cenas de poderiam resvalar para o melodrama jamais o fazem e são impecáveis graças à direção, também de Newton Moreno, e a excelência dos intérpretes; três atrizes e três atores em momento luminoso de suas carreiras: Kátia Daher, Badu Moraes, Rebeca Jamir, Paulo de Pontes, Tay Lopes e Jorge de Paula.
As canções de Zeca Baleiro, compostas para a peça, são tocadas por Bella Raine e Zeca Loureiro e cantadas pelo elenco, com destaque para as belas vozes das três atrizes.
O “ovo da serpente” ou o “ninho” é representado na peça pelo dono de uma indústria que arregimenta “súditos do eixo” (como comentou a historiadora Susan Lewis em lúcida palestra no sábado, dia 15/02) para trabalhos escusos.
Já o que me lembrou um “auto de Natal pernambucano” é que o fruto da relação de um nazista com uma judia é um homem de bem que volta para sua mãe, que também é um exemplo de tolerância.
“Eu quero agradecer por todo o amor que veio ao mundo através de mim...” e assim, pelo menos na ficção, a ternura vence a barbárie.
Em tempo: Para que não haja dúvidas sobra as intenções da peça, o ator que representa o rapaz alemão, sai da personagem e desce até a plateia para alertar sobre os perigos da ascensão da extrema direita que pode estar sentada ali mesmo ao lado de cada espectador.
É PRECISO ESTAR ATENTO E FORTE!!!
O NINHO, UM RECADO DE RAIZ está em cartaz no Itaú Cultural até 23/02 de quinta a sábado às 20h e domingos às 19h
NECESSÀRIO e IMPERDÍVEL.
16/02/2025