domingo, 16 de fevereiro de 2025

O NINHO, UM RECADO DA RAIZ


UM AUTO DE NATAL PERNAMBUCANO ou O OVO DA SERPENTE?

A veia poética de Newton Moreno põe o dedo na ferida que é a crescente presença da extrema direita no Brasil e no mundo e o faz com a história de um rapaz que foi criado por mãe adotiva e sai pelos canaviais pernambucanos em busca de sua origem. Simples assim.

A trama; porém, nada simples; entrecruza a busca do rapaz com a de outro rapaz alemão, em outro tempo, que veio para o Brasil após a derrota do nazismo em sua terra natal. 

Por dentro sangue de ariano, de negro, de judeu, de indígena e até do rei da Inglaterra é tudo igual, mas por fora o homem de uma raça ou classe vê com intolerância o outro, sempre tratado como inimigo. Há uma frase exemplar na peça que ilustra isso:” O ódio é a erva daninha da humanidade” e o exemplo de intolerância na peça é o pai da moça que engravidou do alemão nazista, que rejeita o neto e o manda matar temendo ser ele o ovo da serpente, no entanto a criança não foi morta e foi entregue a um convento e essa criança é, tempos depois, esse rapaz em busca de sua origem. Moreno mostra isso com um toque de tragédia grega e muita poesia. 

O rapaz, rejeitado quando bebê pela intolerância do avô, é um homem de bem que sabe perdoar aquele avô.

Cenas de poderiam resvalar para o melodrama jamais o fazem e são impecáveis graças à direção, também de Newton Moreno, e a excelência dos intérpretes; três atrizes e três atores em momento luminoso de suas carreiras: Kátia Daher, Badu Moraes, Rebeca Jamir, Paulo de Pontes, Tay Lopes e Jorge de Paula.


As canções de Zeca Baleiro, compostas para a peça, são tocadas por Bella Raine e Zeca Loureiro e cantadas pelo elenco, com destaque para as belas vozes das três atrizes.

O “ovo da serpente” ou o “ninho” é representado na peça pelo dono de uma indústria que arregimenta “súditos do eixo” (como comentou a historiadora Susan Lewis em lúcida palestra no sábado, dia 15/02) para trabalhos escusos.

Já o que me lembrou um “auto de Natal pernambucano” é que o fruto da relação de um nazista com uma judia é um homem de bem que volta para sua mãe, que também é um exemplo de tolerância. 

“Eu quero agradecer por todo o amor que veio ao mundo através de mim...” e assim, pelo menos na ficção, a ternura vence a barbárie.


        Em tempo: Para que não haja dúvidas sobra as intenções da peça, o ator que representa o rapaz alemão, sai da personagem e desce até a plateia para alertar sobre os perigos da ascensão da extrema direita que pode estar sentada ali mesmo ao lado de cada espectador.


        É PRECISO ESTAR ATENTO E FORTE!!!

       O NINHO, UM RECADO DE RAIZ está em cartaz no Itaú Cultural até 23/02 de quinta a sábado às 20h e domingos às 19h

        NECESSÀRIO e IMPERDÍVEL.

       16/02/2025



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

AVENIDA PAULISTA DA CONSOLAÇAO AO PARAÍSO

 


     A Avenida Paulista com seus habitantes e seus passantes está toda ali no palco do teatro do Sesi (que deveria voltar a se chamar “Sala Osmar Rodrigues Cruz”), graças à criação de Felipe Hirsch estreada ontem.

     Vinte anos depois de dirigir o sucesso “Avenida Dropsie” de Will Eisner nesse mesmo teatro, Hirsch teve a boa ideia de criar algo parecido, focando a nossa avenida com tipos criados a partir de nossa realidade.

     Hirsch reuniu uma equipe milionária desde a parte técnica até o elenco que tem Marat Descartes (além de grande ator, Marat nos brinda cantando!); a sempre surpreendente e engraçada Georgete Fadel, cantando com um vozeirão de fazer inveja a muita cantora profissional; Amanda Lyra com uma composição impagável de guia turística; Roberta Estrela Dalva também impagável como apresentadora de um pod cast; Lee Taylor em marcantes aparições; Fernando Sampaio, figura sempre querida do La Minima; Verônica Valentino, exuberante em cena; Helena Tezza do Ave Lola de Curitiba, muito bem-vinda aos palcos paulistanos, Gui Calvazara, tocando, cantando e interpretando muito bem e ainda Aretha Sadick, Jocasta Germano e Kauê Persona em diversas composições. 

     Cabe lembrar também dos músicos que acompanham a ação e tocam as canções compostas por artistas importantes de nosso cancioneiro e são interpretadas pelo elenco. As letras dessas canções são muito importantes para o acompanhamento da ação e nem sempre elas se tornam claras para o público. Seria de grande valia se fossem projetadas legendas das mesmas.

     A dramaturgia foi criada em equipe por Caetano Galindo, Felipe Hirsch, Guilherme Gontijo Flores, Juuar e por textos improvisados pelo elenco e é composta de flashs do cotidiano da Avenida. 

     O grandioso cenário que ocupa toda a frente do imenso palco do teatro exibe as janelas de um prédio da avenida. Os músicos e várias cenas ocupam as janelas. Daniela Thomas e Felipe Tassara assinam essa cenografia que é iluminada com a mestria habitual de Beto Bruel.


     A centena de figurinos vestidos pelos doze intérpretes que trocam de roupa em cada cena que aparecem foi criada por Cássio Brasil.

     Muito poderia se falar sobre os nomes que compõem a rica ficha técnica do espetáculo.

     São três horas de duração, sem intervalo, que passam voando pela dinâmica das cenas e pelo talento desse milionário elenco.

     O público que frequenta o Teatro do Sesi talvez se assuste (ou se incomode) com a duração. No meu modo de ver, o ritmo que vai se burilando durante a temporada, a agilização de alguns tempos mortos e mesmo o corte no tempo de algumas cenas fariam bem a essa delícia de espetáculo.

     Em bom momento o SESI volta a imprimir o programa de um espetáculo. Este programa que tive o prazer de receber diretamente das mãos do querido Luque Daltrozo, produtor da montagem, é rico em informações e contém a letra de todas as canções.

     Os paulistanos vão se deliciar em ver em cena as figuras que encontram nas ruas e os não paulistanos vão ficar conhecendo um pouco da nossa icônica avenida e TODOS vão se divertir muito.

     AVENIDA PAULISTA cumpre bem-vinda longa temporada no Teatro do SESI de 15 de fevereiro a 29 de junho com sessões às quintas, sextas e sábados às 20h e aos domingos às 19h.

14/02/2025


     

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

MÁRIO NEGREIRO


     Analisando a ficha técnica do espetáculo nota-se que Anderson Negreiro, imitando Charles Chaplin, aparece em muitas funções, inclusive como autor, diretor e ator e o que é notável é que ele se sai muito bem em todas elas. 

     Anderson sai do SESC Vila Mariana e atravessa a cidade para entregar o livro “Macunaíma” para um amigo de infância que mora na Casa Verde Alta.

     Por meio de ótimas projeções de vídeo (Vic Von Poser) o público acompanha Anderson em sua itinerância, onde ele revê casas e pessoas que fizeram parte de sua infância e adolescência.

     Em uma bem dosada mistura o autor Anderson põe em evidência Mário de Andrade, personagens do livro, lembranças da juventude, os perigos do preconceito racial e a própria cidade de São Paulo com suas belezas e seus perigos, colocando o ator Anderson para representar isso tudo em um verdadeiro “tour de force” onde é testada sua resistência física. Um trabalho, literalmente, de fôlego e Anderson o faz com muita energia e talento. Restou ao diretor Anderson harmonizar tudo isso.

     Esse belo trabalho está em cartaz na sala Corpo & Artes do SESC Vila Mariana apenas às quartas e quintas às 21h até 27/02.

     Vale muito a pena conhecer esse potente trabalho de Anderson Negreiro.

     13/2/2025


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

MITsp 2025

 

E assim a nossa MITsp completa dez anos sempre com os incansáveis Antonio Araújo, Guilherme Marques e Rafael Steinhauser na organização. 

Esse importante evento das artes cênicas acontece nos palcos paulistanos de 13 a 23 de março. 

A situação delicada da economia obrigou os organizadores a reduzirem custos não só no número de espetáculos como também nas atividades paralelas, mesmo assim tudo indica que a mostra será bastante atraente. 

ESPETÁCULOS INTERNACIONAIS:

- DAMBUDZO 

- ACONTINUA (abertura de processo =internacional)

Ambos da coreógrafa e performer Nora Chipaumire que também é a artista internacional em foco desta edição.

- VAGABUNDUS, espetáculo de Moçambique de Idio Chichava, escolhido para a abertura da Mostra.

- GAIVOTA, releitura da peça Tchekov para cinco atrizes, com direção do argentino Guillermo Cacace.

- A VIDA SECRETA DOS VELHOS, onde Mohamed El Khalib coloca oito idosos em cena para falar sobre o amor e o sexo na velhice.


ESPETÁCULOS NACIONAIS:

- MESTIÇO FLORILÉGIO, espetáculo de Antonio Nóbrega que é o artista homenageado do ano.

- REPERTÓRIO Nº3, de Davi Pontes e Wallace Ferreira, este último é o artista em foco da 

- BACULEJO, espetáculo cearense de Coletivo Riddims/Encante Território Criativo

- QUADRA 16, solo da artista mineira Cris Moreira

- PARTO PAVILHÃO, solo de Aysha Nascimento, já testado em nossos palcos.

- GRAÇA, do grupo de dança Girandança do Rio Grande do Norte

- RÉQUIEM Sp de Alejandro Ahmed (estreia nacional)

- RESET BRASIL com Coletivo Estopô Balaio (grupo convidado)

- tRETA, UMA INVASÃO PERFORMÁTICA com o Original Bomber Crew do Piauí (grupo convidado)

- COSMOPERCEPÇÔES DA FLORESTA, performance convidada.

A MITsp ainda conta com várias atividades paralelas: Ações Pedagógicas (Alexandra Dumas), Olhares Críticos (Helena Silveira) e vários encontros e rodas de conversa.

O mostra acontece em vários espaços cênicos paulistanos e a grade com horários e locais pode ser consultada em www.mitsp.org

Atenção ao significativo cartaz de divulgação da Mostra composto por 20 versões cada uma delas mostrando o camisa 10 Pelé de costas abraçando uma figura importante do nosso teatro. Lá estão, entre outros, Zé Celso, Ruth Escobar e Cacilda Becker. Bela homenagem! 


12/02/2025


segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

PADRE PINTO


    Uma festa profana alegre e colorida para contar a história de um padre? 

    Nada mais acertado quando se trata de José de Souza Pinto (1947-2019), o famoso Padre Pinto que deu uma banana para os dogmas da igreja católica para viver sua vida, sua arte e seu politeísmo com liberdade e defendendo com unhas e dentes a tolerância e os direitos humanos do povo de Lapinha, bairro de Salvador.

    Personagem controversa e debochada, Padre Pinto encontrou em Ricardo Bittencourt o ator perfeito para interpretá-lo no teatro. Escrito originalmente como um monólogo para Ricardo interpretar, o autor Luiz Marfuz foi expandindo o texto, colocando em cena os três reis magos, representantes da igreja católica, um emissário da Santa Sé, representantes evangélicos e o povo de Lapinha gerando, quando traduzido cenicamente, uma montagem coral de rara beleza e vitalidade.

    Ricardo Bittencourt esbanja talento em cena, bem acompanhado pela sobriedade do emissário interpretado por Sérgio Marone. Todo o elenco atua, canta e dança com mita desenvoltura e cabe notar a ótima figura da madrinha do padre interpretada com muito humor por Rita Brandi e a presença de duas atrizes icônicas do Oficina, Luciana Domschke e Sylvia Prado.

    Destaque também para a parte musical executada ao vivo; para o cenário de Cris Cortilio que permite a projeção de obras pintadas por Pinto; para o desenho de luz assinado Cesar Pivetti e Rodrigo Pivetti e para os coloridos figurinos de Kelly Siqueira e Paula Mares Ruy.

    Como diretor, Luiz Marfuz reúne tudo isso com muita harmonia, o que resulta em um espetáculo pleno da alegria e da energia tão características do personagem focado com um toque herdado do saudoso Zé Celso.  

     É como escrevi no início: uma festa profana alegre e colorida a que se assiste com o mesmo prazer com que deve ter sido concebida.

    PADRE PINTO está em cartaz no SESC Pompeia até 23/02 de quinta a sábado às 20h e domingos às 17h. Sessão extra no dia 19/02às 20h.

    10/02/2025


terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

NOSSA HISTÓRIA COM CHICO BUARQUE

     Cientes da história e da política do nosso país Rafael Gomes e Vinicius Calderoni escolheram a dedo os anos em que colocariam a ação do espetáculo:

     - 1968 – Um dos anos mais terríveis e sombrios da ditadura militar, no fim do qual é decretado o famigerado AI-5.

     - 1989 – Cai o muro de Berlim e no Brasil é eleito Collor como presidente.

   - 2022 – Lula é empossado presidente, após o desastroso governo de seu antecessor.

     Chico Buarque começou a compor em meados dos anos 1960 (“Pedro Pedreiro” e as canções do musical “Morte e Vida Severina” datam de 1965) e compõe até hoje, tendo, portanto, documentado nas letras de suas canções todo o período abrangido pela peça, como um verdadeiro repórter de seu tempo.

     As canções escolhidas para ilustrarem cada um dos anos não foram necessariamente escritas nesse período, mas ilustram os fatos e situações ali apresentadas.

     Dessa maneira está estruturada a dramaturgia desse musical dirigido com brio por Rafael Gomes que já havia demonstrado conhecimento e talento para esse gênero com o excelente "Shakespeare Apaixonado".

     Revezando -se nos diversos personagens o elenco interpreta e canta muito bem. Cenas corais intercalam-se com solos onde os destaques vão para o bem-vindo retorno de Soraya Ravenle aos nossos palcos, para Laila Garin e para a surpreendente voz aveludada de Ju Colombo.  Felipe Frazão tem poucos números, mas sua bela e diferente voz se faz notar. A direção musical é assinada por Alfredo Del Penho, integrante do grupo Barca dos Corações Partidos. A movimentação em cena é orquestrada por Fabrício Licursi.

     Há um delicado toque feminino em várias canções apresentadas. 

     Mais de 40 canções de Chico sobem ao palco do Teatro Paulo Autran no SESC Pinheiros para ilustrar um pouco da história do Brasil segundo Rafael Gomes e Vinicius Calderoni.

     Pura delícia!

     NOSSA HISTÓRIA COM CHICO BUARQUE está em cartaz no SESC Pinheiros até 28 de fevereiro com sessões de quinta a sábado às 20h e domingos às 18h. 

     02/02/2025


domingo, 2 de fevereiro de 2025

BALADA ACIMA DO ABISMO

Levitando acima do abismo Clarice riscava

um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.

Fascinava-nos, apenas.

Deixamos para compreendê-la mais tarde.

Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice.”

(Carlos Drummond de Andrade)

     Em primeiro lugar louve-se a iniciativa de Darson Ribeiro de trazer de volta o “Teatro Jaraguá” agora rebatizado com a inclusão do “D” herdado do nome do teatro no Itaim que Darson perdeu para a especulação imobiliária. Esse belo espaço situado dentro do Hotel Jaraguá passa a chamar-se “Teatro -D- Jaraguá”, com o palco ampliado e a plateia remodelada. O charme se completa com a reabertura do “Bar do Clóvis” no lobby do hotel.

     A escolha para a reabertura do teatro não poderia ter sido mais acertada: um recital de Maria Fernanda Cândido trazendo textos de Clarice Lispector permeados com músicas de Rachmaninoff e Villa Lobos interpretadas por Sonia Rubinsky. Verdadeiro biscoito fino.

     Ao abrir a cortina, Maria Fernanda surge "diáfana" vestindo um branco longo concebido por Fábio Namatame, com movimentos suaves desenhados por Luciana Hoppe, sob a luz mágica de Caetano Villela. A partir daí ela vai dizendo os belos textos de Clarice Lispector escolhidos por Catarina Brandão para compor a dramaturgia do espetáculo. Não há pontos mortos, nem momentos tediosos nesse trabalho harmoniosamente dirigido por Gonzaga Pedrosa.

     Clarice Lispector, tantas vezes considerada hermética aqui surge límpida e acessível em função dos textos escolhidos e da admirável interpretação de Maria Fernanda Cândido.

     Talvez por compromissos da atriz a temporada está prevista para terminar no próximo fim de semana (dia 09/02), por isso não perca tempo e garanta seu ingresso. Não é sempre que temos a chance de degustar vinho tão saboroso.

     Sessões de quinta a sábado às 20h e domingos às 19h


     01/02/2025