ANTES:
Hoje, 24 de outubro
de 2020, é um dia histórico na minha jornada de espectador. Vou ao teatro
depois de exatos 228 dias de abstinência. A última vez foi no dia 14 de março,
quando assisti a Farm Fatale no Teatro Antunes Filho (SESC Vila
Mariana).
Vou ao TEATRO! Recuso-me a chamar de teatro presencial. “Teatro presencial” é pleonasmo! Teatro só pode ser presencial! Deixemos a adjetivação para o teatro que se faz nos dias de hoje via Internet (com muito louvor e muita importância, diga-se de passagem): teatro virtual, teatro online, web teatro, teatro televisionado, teatro filmado.
DURANTE:
A expectativa era
grande e poucos minutos antes das 20h caiu uma forte chuva que talvez pudesse
inviabilizar a apresentação. O encontro com pessoas queridas no hall do teatro
já foi uma festa.
A apresentação
acontece em uma estrutura metálica montada no estacionamento do Teatro Arthur
Azevedo. A ação da peça se passa no centro do espaço, que é rodeado por 20
cabines individuais de plástico onde ficam os espectadores. Uma vez acomodado
nas cabines o público ansioso aguarda a apresentação.
As luzes se apagam e
voltam a se acender sobre os atores. A peça tem um prólogo dito pelo personagem
Mosca onde ele enfatiza a coisa única que é o teatro e a importância do olho do ator no olho
do espectador. Muito emocionado com essa fala, eu já me vi aplaudindo com
entusiasmo nos primeiros cinco minutos do espetáculo.
A trama de Volpone
de autoria do dramaturgo inglês Ben Jonson (1572-1637) trata de ganância e
corrupção, nada mais atual para o tempo presente e a adaptação de Marcos Daud
enfatiza esses cancros da nossa realidade. O melhor de tudo é que se ri muito
dessas mazelas durante o espetáculo e, como todos sabem, o humor tem um poder
corrosivo impressionante. É engenhosa a comparação que o autor faz das atitudes
das personagens com características de animais: a astúcia da raposa (Volpone),
o parasitismo da mosca (Mosca), o instinto predador do corvo (Corvino), a
aparente delicadeza da pomba (Colomba), o faro e o instinto da cadela no cio
(Canina), o furor e a valentia do leão (Leone). Não consigo identificar com
quais animais se parecem Voltore e Corbaccio, mas se trata de personagens tão
corruptoras, gananciosas e animalescas quanto as outras.
Johana Albuquerque
rege com mão firme o espetáculo harmonizando todos os elementos de cena: a bela
cenografia e os adereços de Julio Dojcsar (interessante a troca dos adereços
pelos anjos para evitar o contacto); os significativos figurinos de Silvana
Marcondes (o detalhe da cor da máscara ser igual àquela do figurino é uma delícia);
a iluminação sempre “iluminada” de Aline Santini; a parte musical (Pedro
Birenbaum); o excelente visagismo de Leopoldo Pacheco (em um primeiro momento
se torna difícil reconhecer alguns atores) e, é claro, um elenco em estado de
graça e tão emocionado quanto nós, os espectadores.
Todos brilham tanto no
conjunto como em seus apartes: Daniel Alvim como Volpone; Helena Ranaldi
exuberante como Canina; Vera Bonilha, fingindo a ingênua e submissa, mas dando
seu recado feminista ao final como Colomba; Joca Andreazza emprestando seu
talento como o predador machista Corvino (machista, mas não hesita em ceder a
própria mulher quando se trata de ter algum ganho material); Sérgio Pardal
dando verossimilhança ao caquético Corbaccio; Vanderlei Bernardino exibindo toda
a hipocrisia do notário Voltore; Luciano Gatti visceral como o tempestuoso
Leone; Marcelo Villas Boas como o, até certo momento, incorruptível juiz e
Pedro Birenbaum, que além de músico em cena, interpreta o Inspetor.
E por último Maurício
de Barros! Maurício se supera a cada peça em que participa: do Bonifácio de Cais,
passando pelo Dario de Refluxo e o Pradella de Pousada Refúgio (Prêmio APCA 2018
de melhor ator), chega agora a esse incrível Mosca, mostrando talento e preparo
físico impressionantes para quase voar sobre nossas cabeças e costurando toda a
trama da peça com suas interferências quase sempre cômicas e perspicazes. Maurício
de Barros é a cereja de um bolo no todo muito delicioso!
Protocolo Volpone é um marco histórico
no teatro paulistano, quiçá no teatro brasileiro, e trata-se do espetáculo da
retomada: primeira encenação a incorporar o protocolo do isolamento social provocado
pela pandemia com o uso de máscaras (elenco e espectadores), cabines isoladas e
todos os demais procedimentos que fazem com que a encenação seja segura tanto
para quem faz como para quem assiste. Quando terminar o isolamento, a encenação
deverá ter outra tratativa, mas assisti-la agora com todas as limitações
impostas pelo protocolo reveste-se de enorme e significativa importância. Serão
apenas 20 apresentações com 20 espectadores em cada uma delas. 400
privilegiados espectadores levarão para sempre em suas memórias este importante
momento de nosso teatro. Em cartaz até 08 de novembro.
Estando numa cabine
isolada o espectador sente falta das risadas e das reações do restante do
público e segundo os atores, eles também sentem falta de sentir como os
espectadores estão reagindo. Este é o único senão dessa noite inesquecível.
Ao final do
espetáculo foi um grande prazer me congraçar com a querida Johana Albuquerque,
com quase todo o também querido elenco e com os anjos que orientam a entrada e
saída do público, além de fazerem a contra regragem do espetáculo.
O robusto programa da
peça (27 páginas) é muito bonito e contém dados importantes sobre a Bendita
Trupe e sobre a peça. Não foi impresso, mas não resisti e fiz uma impressão
caseira para incorporar ao meu acervo de mais de 3000 programas.
DEPOIS:
Ao chegar em casa não
pude deixar de tomar uma taça de vinho e brindar sozinho à Bendita Trupe e ao
teatro.
O TEATRO NOS UNE
O TEATRO NOS TORNA
FORTE
VIVA O TEATRO!
25/10/2020