sábado, 23 de junho de 2012

PRISCILLA É UMA FESTA!

                Drama, comédia,” teatrão”, teatro pós dramático, besteirol, teatro alternativo, narrativa fragmentada,teatro de revista,  teatro épico, musical? O que importa, se o espetáculo é bem realizado e cumpre o que se propõe? Priscilla é uma comédia musical de temática gay importada da Broadway. E daí? Preconceituosos de plantão que se cuidem, pois podem estar perdendo um dos espetáculos mais gostosos em cartaz na cidade.
                Priscilla é uma delícia e uma verdadeira festa. Produção cuidadíssima com cenários e figurinos suntuosos, música deliciosa dos anos 80, cantadas e dançadas com muita competência por um elenco jovem e bonito. A dramaturgia de Stephan Elliot e Allan Scott, baseada no filme homônimo de 1994 está bem acima da média dos musicais escritos depois dos anos 1980 (exceção feita àqueles de Stephen Sondheim) e conta com desenvoltura a saga da transexual Bernardete e das drag queens Mitzi e Felícia viajando num ônibus pelo interior da Austrália de Sidney até Alice, onde a ex-mulher de Mitzi/Tick tem um cassino. Ali eles irão fazer um show e Tick vai reencontrar o filho de seis anos, num dos momentos mais bonitos do espetáculo quando pai e filho cantam em dueto Always on my mind. Superficialmente, como convém a esse tipo de musical, a peça toca na questão da intolerância e do preconceito com as minorias (no caso, os homossexuais). Há uma cena em que caipiras machões recalcados agridem Felícia que pode remeter aos ataques aos homossexuais ocorridos em São Paulo nos últimos tempos. Faz pensar, mas o objetivo do espetáculo é divertir e isso é plenamente cumprido.

                O trio central é ótimo e o grande destaque entre eles é André Torquato que vive Felícia, a personagem mais complexa da peça. Felícia é extrovertida e tem uma língua ferina, mas é também solitária e carente e é a única que não tem um final feliz. André compõe a personagem de maneira sensível e arrebatadora. Destaque também para as belas vozes das três divas. A pequena orquestra formada basicamente de metais e teclados acompanha o elenco com muita competência.
                          André Torquato - Foto de Adriano Conter
                Durante os calorosos aplausos o elenco homenageia a música brasileira da mesma época cantando e dançando Dancin’ days das Frenéticas. Alto astral. O público abandona o imenso Teatro Bradesco com um sorriso nos lábios e cantarolando as músicas da peça.
                Alma alimentada. Quer mais?

sexta-feira, 15 de junho de 2012

ÚLTIMO ADEUS A VIOLETA PARRA.

NOTÍCIA DO JORNAL CHILENO EL SIGLO  SOBRE O VELÓRIO, NA TERÇA FEIRA, 07 DE FEVEREIRO DE 1967.

     Durante todo o dia de ontem foram velados os restos de Violeta Parra. No parque La Quintrala de La Reina reuniram-se centenas de pessoas para oferecer sua dor silenciosa pela morte da folclorista. A carpa (tenda), antes cheia de canções do povo, agora estava enlutada e silenciosa. No interior, as cadeiras estavam dispostas para receber os pesarosos visitantes. As lágrimas, a solidariedade e a dor enchiam o local. Silenciosamente as pessoas chegam até o antigo palco onde está o caixão de Violeta Parra. Sobem para olhar seu rosto sereno, sem uma sombra que o obscureça... Os visitantes emocionados  a olham por alguns instantes e depois, apertando os olhos e desfazendo o nó na garganta, descem e se sentam para se recuperar da comoção. Entre as pessoas, passam chorosos seus filhos: Angel Parra, com óculos escuros e com o rosto marcado pelas lágrimas derramadas, senta-se e levanta-se, caminhando inquieto de um lugar para outro. De repente um grito ensurdecedor rompe a noite: “Onde está minha irmãzinha? Deixem-me vê-la.” É seu irmão Lautaro Parra. Em seguida chega Juan Baez, do sindicato circense. A emoção também o atinge. Mais tarde outra cena dolorosa: “Por que não posso ver a minha mãezinha?” soluça Carmen Luísa, a filha menor de 16 anos. Os amigos a retiram do local. Num canto vê-se Nicanor (irmão) muito encurvado pela dor. Isabel(filha), Roberto(irmão), Lautaro e sua meia irmã Marta Sandoval , todos unidos na tristeza, sentem-se carentes do calor que soube brindar-lhes essa mulher maravilhosa que se chamou Violeta. Grande é o pesar. Grande é a angústia. O povo, sua família e os inumeráveis amigos que deixou em todas as partes não a esquecerão jamais.
- VIOLETA PARRA (04/10/1917 - 05/02/1967) -

domingo, 10 de junho de 2012

PROCESSO DE GIORDANO BRUNO

                O dramaturgo Mário Moretti parece ter Galileu Galilei de Bertolt Brecht (1898-1956) como modelo para esta sua peça. Sem ter a genialidade da obra prima do dramaturgo alemão, o texto do italiano é bastante eficiente e tem excelentes momentos que revelam o obscurantismo da igreja católica no século 16, obscurantismo esse, ainda presente nos dias de hoje com a condenação  do aborto, do homossexualismo e do uso de métodos anticoncepcionais, entre outras coisas. Os diálogos são bastante fluentes e o desenvolvimento da trama é muito bom, apesar de ser um pouco repetitivo.
Foto de João Caldas
                A encenação de Rubens Rusche é austera e sem aquelas concessões que tornariam o espetáculo mais palatável para o público. Há um toque beckettiano característico  do encenador  num texto tipicamente brechtiano, o que parece paradoxal, mas que funciona no espetáculo. O cenário acompanha a austeridade proposta e a iluminação de Wagner Freire é muito bonita. Do competente elenco, sobressai-se naturalmente o trabalho de Celso Frateschi no papel do protagonista.
              A peça esteve em cartaz no Sesc Vila Mariana até o dia 10/06 e retorna ao cartaz a partir do dia 15/06 no Teatro Ágora.

sábado, 9 de junho de 2012

DE UM OU DE NENHUM – GRUPO TAPA

     Peça menos conhecida  de Pirandello (1867-1936) escrita em 1929 ( Seis Personagens à Procura de Um Autor é de 1921, Vestir os Nus de 1923 e a inacabada Gigantes da Montanha de 1936).
     Produção com a qualidade costumeira do grupo Tapa: cenários e figurinos simples, mas coerentes e bem realizados, boas interpretações e uma atenção especial ao texto, tudo sob a batuta competente de Eduardo Tolentino de Araújo. Os atores Bruno Barchesi (Tito) e Daniel Volpi (Carlos) estão ótimos e têm uma bela presença cênica.

Na foto de divulgação, Daniel Volpi, Bruno Barchesi e Natália Moço.

     O texto em si soa anacrônico mais pela forma (estrutura de três atos, explicações dos antecedentes) do que pelo conteúdo, pois apesar dos atuais testes de DNA invalidarem a principal questão (quem é o pai), a mesma pode se estender para a inquietude presente em toda obra do dramaturgo italiano e do próprio ser humano, ou seja, a relatividade da verdade. A peça é verborrágica e em certos momentos torna-se cansativa, mas vale ser assistida, inclusive por seu valor museológico.

GRACIAS A LA VIDA QUE NOS HA DADO VIOLETA...

     A década de 1970 foi palco das sangrentas ditaduras latino americanas. Chile, Argentina e Brasil eram alguns dos países dominados pelos militares. Nessa época surgiu também a moda da latinidad, uma explosão da música latino-americana de protesto. Os discos chegavam ao Brasil pelas mãos de amigos e passavam de mão em mão clandestinamente, um deles foi o LP de Mercedes Sosa  Homenaje a Violeta Parra(1971) . Quem era aquela compositora falecida em 1967 cujas letras das músicas eram tão próximas do momento negro que a América Latina estava vivendo?  A pesquisa foi longa e aos poucos fui me apaixonando pela vida e pela obra dessa verdadeira artesã, no melhor sentido que essa palavra possa ter. Na última quinta feira chuvosa fui assistir ao filme de Andrés Wood Violeta Foi para o Céu que conta a sofrida e curta existência da “hoje” popular artista.
     O início do filme tem uma narrativa excessivamente fragmentada, mas depois as peças vão se encaixando e é comovente ao descrever a trajetória de La Parra. O grande trunfo do filme é a interpretação de Francisca Gavillán, muito bem caracterizada, tendo inclusive os cabelos mal cuidados característicos da enigmática Violeta. As músicas são cantadas pela própria atriz que tem um tom de voz muito parecido com a da compositora. A última meia hora é a parte mais bela do filme; passa-se na Carpa de La Reina, tenda que a artista criou nos arredores de Santiago para difundir a música folclórica chilena. Lá é mostrada sua falência emocional em função de frustrações emocionais (era apaixonada por um músico suíço mais jovem que ela) e profissionais (pouco público na carpa). Quando se suicidou, com um tiro,em 05 de setembro de 1967, estava só e desesperada como era mais ou menos seu costume e parte do seu ofício humano. Esse pungente e último momento de Violeta Parra é mostrado de forma emocionante e vale o filme.

ADRIANA CALCANHOTO E O MICRÓBIO DO SAMBA

     Desde já um dos melhores shows do ano. Adriana Calcanhoto, classuda nos seus 47 anos (nasceu em 1965 em Porto Alegre), vestindo um elegante terno preto, brincos e com os cabelos pretos esticados para trás num coque, lembrando a figura de Tarsila do Amaral em um de seus autorretratos.
     O show é minimalista assim como o CD homônimo; Adriana é acompanhada por Domenico Lancellotti numa mini bateria onde ele faz milagres na percussão, Alberto Continentino no baixo acústico e Pedro Sá no violão e cavaquinho (substituindo Davi Moraes). Adriana complementa a bela sonoridade do show com vários objetos (destaque para a caixa cheia de xícaras, em Deixa, Gueixa). Um momento raro é aquele da canção Tão Chic, quando um contrarregra, à vista do público, joga confetes sobre a cantora; na parte instrumental  da música, Adriana gesticula com a alegria efêmera de um carnavalesco ( a letra diz: “a vida voa baixinho, cê vai vê, já é”). Imagem para não esquecer jamais.
     Mas há outros grandes momentos: o gestual robótico para uma canção, o caminhar em câmara lenta para outra e mais que tudo a voz límpida e afinadíssima de Calcanhoto. Elegante e sóbria, ela conduz o show e o público com admirável competência. Resta citar o momento em que ela canta Esses Moços acompanhada ao violão e ao final joga (suavemente) o microfone ao chão, como se não tivesse adiantado ter dado o conselho de Lupicínio Rodrigues aos pobres moços. Com direito a um segundo bis, o público deixou o Sesc Pinheiros extasiado e gratificado pelo belíssimo show.

domingo, 3 de junho de 2012

SOLIDÃO A DOIS – FRAGMENTOS


                Onde a solidão dos quadros de Hopper?
                Onde a tristeza e o vazio que emanam das obras de Boltanski?

                Onde a dramaticidade e as indagações existenciais dos livros de Dostoievski? O grupo Epifania Companhia de Teatro declara no programa da peça, ter tomado como ponto de partida as obras desses três artistas, porém, salvo alguns trechos  da obra do escritor russo, o que se passa em cena é uma infindável dança de cadeiras arrastadas pelo elenco e um suceder de black-outs separando cenas estáticas de outras  sem nenhuma ação que não remetem cenicamente ao universo  de solidão dos inspiradores do grupo.  Não foi desta vez que o grupo provocou no público a aparição divina que lhe empresta o nome.


PORTELA, PATRÃO; MÁRIO, MOTORISTA.

                Esta inteligente adaptação de O Senhor Puntila e Seu Criado Matti de Brecht feita pelos atores e diretores Daves Otani e Eduardo Osorio esteve em cartaz até o dia 03 de junho no pequeno auditório do Sesc Pinheiros sem a repercussão que um espetáculo  deste nível merecia. Tudo funciona muito bem nesta obra de câmera pensada para apenas dois atores      (o original brechtiano tem mais de 20 personagens), onde a ação se concentra nos embates entre o patrão e o criado, revelando e discutindo o jogo de manipulação do poder. O original já havia sido montado pelo mesmo grupo (Boa Companhia de Campinas) em 1998 e esta revisita é bastante oportuna. Num típico jogo clownesco Branco versus Augusto, a trama se desenvolve com os dois excelentes atores se revezando nos papéis do motorista Mário e do patrão Portela, sendo que este último sofre as mudanças de sóbrio/mau caráter para bêbado/amistoso. O rendimento dos atores é ótimo e são muito bem coadjuvados pelos bonecos confeccionados por Helô Cardoso, Caio Sanfelice e Francisco Ivan Russo. A peça foi co-dirigida por Verônica Fabrini.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

AS DESGRAÇADAS


                O autor do texto (Felipe Sant’Angelo) questiona no programa da peça “Por que não montar simplesmente esse excelente texto?” (a peça é inspirada em As Criadas de Jean Genet). Confesso que fiz a mesma pergunta, pois essa “inspiração” dificilmente se igualaria ao original do dramaturgo francês, porém percebe-se que o autor brasileiro procurou outros caminhos, incursionando pelo melodrama com bons resultados.
                A cenografia e a iluminação de Ding Musa são muito boas: o cenário é composto por poucos objetos (cabides para se colocar as roupas e pendurar os fundamentais copo e mamadeira) e mais de uma centena de lâmpadas incandescentes que vão sendo acesas e apagadas de diferentes formas provocando um efeito visual muito interessante. A envolvente trilha sonora de Bill Saramiolo cria um ambiente bastante apropriado para o desenvolvimento da trama.
                A direção da peça (Beatriz Morelli) criou um gestual expressionista para as atrizes que funciona muito bem. O grande destaque do elenco é a atriz Rita Batata que faz a babá Graça, a única que transmite a dubiedade e o cinismo das criadas de Genet.
                A peça esteve em cartaz até o dia 26 de maio na Oficina Cultural Oswald de Andrade e já havia cumprido uma curta temporada no final de 2011 no Sesc Consolação. Produção da Cia. Auroras.

MENOR QUE O MUNDO

                Menor que o Mundo é uma adaptação da obra de Carlos Drummond de Andrade, por meio da dramatização de seus poemas. Esse trabalho foi realizado por Leonardo Moreira, também diretor do espetáculo. Uma ideia muito boa que na prática não funcionou. Grande parte do espetáculo é narrado em off, enquanto os atores ilustram as ações em cena. Trata-se de um espetáculo de teatro-circo-dança, característico da Cia. Nau de Ícaros, realizado num interessante cenário de Marisa Bentivegna, repleto de fios nos quais os atores se penduram e se movimentam no ar e sobre a casinha que completa a cena. A grande questão é que a encenação não traduz a delicadeza e a fina ironia de Drummond. Os atores da Nau de Ícaros são mais malabaristas/equilibristas do que dançarinos e as coreografias tornam-se pesadas, repetitivas e até grosseiras. Assim, o espetáculo se arrasta por 70 minutos, parecendo sempre que está por acabar devido a vários falsos gran finales. A música repetitiva e grandiloquente de Marcelo Pellegrini tem coerência com a encenação.
                Não senti receptividade nos jovens que se iniciam como espectadores de teatro e para quem o espetáculo é endereçado.

IL VIAGGIO

                A peça é uma adaptação de Marcelo Rubens Paiva do roteiro jamais filmado A Viagem de G. Mastorna de Federico Fellini.
                O espetáculo está há anos luz do universo onírico de Fellini, o qual ele pretende retratar. As piadas são grosseiras; as figuras que aparecem em cena (o menino no triciclo empunhando balões vermelhos, a família típica italiana) tentam recriar as figuras não só fellinianas, mas também dos filmes italianos, porém a imitação é falsa e não cria o efeito esperado. Há uma constrangedora cena onde uma “extrovertida’ apresentadora anuncia  um concurso dos “melhores” e envolve desnecessariamente pessoas da plateia. A tentativa de identificar a personagem Mastorna com Fellini através de cenas dos filmes do último é precária e desnecessária, pois está claro que o primeiro é o alter ego do diretor.
                Esio Magalhães não tem muito a fazer como Mastorna, permanecendo o tempo todo com o semblante aparvalhado mediante as situações que se apresentam.  Mais uma vez há um desperdício do talento de Beth Dorgan que põe seu humor no piloto automático e até nos faz rir em alguns momentos (o melhor deles ocorre no início do espetáculo ao acontecer o desastre aéreo).
                Algumas boas soluções cenográficas e a bela cena final não salvam o espetáculo, dirigido com mão pesada por Pedro Granato.

BREU

                “Breu” é uma experiência sensorial muito interessante. A peça inicia na total escuridão, enquanto se ouve a voz de uma mulher com dicção perfeita. Aos poucos a cena vai sendo iluminada sem passar da penumbra. Ao contrário da maioria das montagens de Roberto Alvim, aqui a escuridão desempenha papel importante na trama e não é usada como mero recurso estético. O texto de Pedro Brício trata dos medos decorrentes de qualquer regime totalitário, mas precisaria ser menos prolixo para ser mais contundente.  
                                               
                   Belíssima interpretação de Kezyl Ercad; tão precisa que muitos espectadores julgam que ela é realmente cega. Destaque para o competente cenário e para a sensível iluminação de Tomás Ribas. Produção vinda do Rio de Janeiro.

O CONCÍLIO DE AMOR


                 O instigante e irreverente texto de Oskar Panizza recebeu um tratamento narcisístico por parte do diretor Gerson Fontes; tudo gira em torno dele, com direito a cenas de sexo e nudez desnecessárias e até números de dança do ventre (??!!) por conta da personagem Salomé. A irreverência em relação à igreja católica tem pontos em comum com Mistero Buffo, também em cartaz na cidade, mas a diferença no tratamento do assunto é imensa, com total vantagem para a última. Único destaque para Suzzel Borgonov que brilha como a Virgem Maria. Só serviu para dar saudades da bela montagem dirigida por Gabriel Villela em 1989. A produção é da Cia. de Teatro Minotauro Ouvidor.