Não
fosse a menção à neve poderia se deduzir que a peça Kiwi foi escrita por dramaturgo terceiro-mundista retratando a
crueldade e a violência que cerca a vida das crianças de rua das grandes
cidades de países subdesenvolvidos, mas trata-se de autor canadense (Daniel
Danis de Quebec) que retrata esse universo muito bem e com boa dose de realismo,
mas também, de poesia.
Várias
famílias são expulsas de suas habitações em função da especulação imobiliária devida
à proximidade dos jogos olímpicos e também com o objetivo de “sanear” o local
da população miserável. Uma menina de 12 anos é abandonada por seus tios logo
após o despejo. Sozinha vagueia pela cidade e acaba unindo-se a uma gangue de
crianças que atendem por nomes de frutas e legumes. O líder é chamado de Pai e
sua companheira de Manga. A menina é batizada de Kiwi e une-se a Lichia com
quem passa por toda sorte de agressões e violências. Lichia, apesar de tudo,
tem sempre a esperança de encontrar “O
Sol! O Sol!”.
Luciano
Maza, que também traduziu o texto, realiza trabalho simples, mas muito
eficiente e poético todo ele centrado no trabalho dos dois atores.
Rita
Batata é presença impressionante como Kiwi exteriorizando com muita emoção as
surpresas da descoberta de um mundo inóspito, mas que também revela belas
coisas como o relacionamento com Lichia.
Lucas
Lentini, que já mostrou seu talento e versatilidade em Sobre Cartas & Desejos Infinitos, confirma essas qualidades
como o doce jovem que é obrigado a mostrar as suas garras quando ele ou Kiwi
são ameaçados. Um pequeno senão, que não chega a comprometer sua bela
composição, fica por conta de excesso de impostação de voz nos momentos mais
dramáticos.
Boa
parte da peça é narrada, restando poucos momentos de diálogo entre os dois
personagens. Os atores trafegam muito bem entre as duas linguagens, mostrando,
mesmo quando narram, o forte elo entre Kiwi e Lichia.
Os
figurinos imaculadamente brancos (de autoria de Anne Cerrutti) vestidos por Kiwi
e Lichia mostram que, apesar de maltratados, eles conservam sua pureza
interior.
Kiwi é peça sobre jovens, feita por
jovens artistas e que deve ser muito apreciada pelo público jovem, porém,
também entusiasma e surpreende um velho espectador como este que assina a
presente matéria.
KIWI
está em cartaz na Sala Experimental do Teatro Augusta aos sábados (21h30) e
domingos (19h) até 27/11.
25/10/2016