sábado, 30 de março de 2019

DISTOPIA BRASIL



       Conhecedor da obra e do pensamento de Pedro Granato e levando em conta o título da peça, fica clara a intenção dos primeiros 40 minutos da mesma. Trata-se, a meu modo de ver, de um mal (talvez) necessário, porém ele é encenado de maneira ultrarrealista, sem um pouco de humor ou ironia para provocar o distanciamento crítico (Fala, Brecht!) no público, o que provoca reação obediente, cega e passiva das pessoas, tornando toda aquela pregação muito irritante, chata e, eu diria, até perigosa. A harmonia e até certa beleza que o encenador coloca nas cenas  corais, assim como o cenário e os recursos de iluminação, enfatizam o perigo citado acima, pois glamourizam o ambiente sórdido que está sendo mostrado. A partir do discurso gravado do chamado Patriarca (intervenção brilhante de Danilo Grangheia) se instaura o conflito entre o que está sendo apresentado e o que o autor quer dizer e a partir daí o espetáculo se torna bem mais dinâmico e interessante.
       Pedro Granato gosta de surpreender o público e de jogá-lo no meio do fogo. Isso já ocorria em Os Onze Selvagens e com maior intensidade em Fortes Batidas. O que acontece a seguir não é recomendável que se comente, sob pena de estragar a surpresa e o impacto final.
       O que falta em experiência sobra em energia nos jovens que compõem o elenco, com destaque para as fortes intervenções da mulher grávida e do casal de lésbicas.
       Apesar dos senões, Distopia Brasil é trabalho a ser visto e refletido principalmente pelos jovens, em função do momento trágico pelo qual o Brasil está passando. Mais trágico ainda é pensar que se o país continuar no galope do atual governo vamos realmente chegar à distopia apresentada na peça, a não ser que... NÃO, NÃO VOU CONTAR O FINAL!

       DISTOPIA BRASIL está em cartaz no Centro Cultural São Paulo às sextas e sábados (21h) e aos domingos (20h) até 21/04. Grátis.

       30/03/2019


terça-feira, 26 de março de 2019

CONDOMÍNIO VISNIEC



O MÀXIMO NO TEATRO MÍNIMO

        Teatro Mínimo é o nome do projeto do SESC Ipiranga que abriga as peças apresentadas no seu pequeno auditório que comporta apenas 30 espectadores; segundo a unidade “a proximidade entre artistas e público é a marca do projeto, que parte de montagens de pequeno porte com foco em dramaturgia e interpretação”.
        Já assisti a ótimos espetáculos naquele espaço, a maioria deles tratando-se de monólogos, eis que agora lá se apresenta Condomínio Visniec que desde já pode se inscrever entre as melhores realizações do ano. A responsabilidade dessa maravilha é de Clara Carvalho que idealizou e dirigiu a montagem com elenco formado por atrizes e atores que participaram de uma oficina de teatro do Grupo Tapa coordenado por ela.
        Tudo funciona nesta tão bem sucedida montagem: no pequeno e vazio espaço cênico três atores e três atrizes revezam-se em monólogos instigantes e surrealistas saídos da imaginação prodigiosa de Matéi Visniec que constam do livro Teatro Decomposto ou O Homem-Lixo. A seleção dos monólogos e a maneira como eles foram costurados na montagem é a primeira grande qualidade da mesma; some-se a isso maneira criativa como a encenadora dispõe o coro enquanto um dos atores faz a sua cena. Mais qualidades? Os soturnos figurinos desenhados por Marichilene Artisevskis, o desenho de luz de Wagner Pinto e a trilha sonora de Mau Machado que somados criam o ambiente necessário para a evolução da peça.
        Todas essas qualidades poderiam se perder se não houvesse elenco tão preparado para contar as histórias de Visniec que, por escolha do grupo, centram-se naquelas que versam sobre a solidão e o vazio existencial do homem contemporâneo.


        Suzana Muniz faz o elo das histórias com o monólogo O Corredor.
         Ana Clara Fischer conduz com delicadeza A Louca Tranquila (o caso das borboletas carnívoras) e a participação do coro neste quadro é belíssima.
        Em O Homem da Maçã, Felipe Souza reveza-se em interpretar o homem e o bicho da maçã que ele está comendo. Engraçada, trata-se quase de uma piada com desfecho muito bom.
        Rogério Pércore transpira energia com seu O Homem do Cavalo.
        Rafael Levecki chega a assustar ao relatar o gosto da própria carne em O Comedor de Carne.
        Finalmente a excelente composição de Mônica Rosseto que sintetiza a montagem com seu surpreendente O Adestrador.
        Depois de tanta bizarrice, sabiamente Clara fecha o espetáculo poeticamente com uma fala de esperança do corredor, que depois de correr compulsivamente vai chegar até o mar e comenta: “Vocês sabem, no mar é preciso entrar limpo, sempre”.
        É muito harmoniosa esta madura e poética direção de Clara Carvalho; essas qualidades que já estavam presentes em outra montagem de Visniec (A Máquina Tchekhov) que ela dirigiu em parceria com Denise Weinberg em 2015 agora consolidam-se com Condomínio Visniec.
        É o máximo no mínimo!
        Como admirador um pouco fanático pela obra de Visniec senti falta de outros excelentes monólogos constantes do livro, mas é claro que seria insano encenar todos eles. Querer mais seria gulodice e “ser enxuto” é mais uma das qualidades do espetáculo.


        CONDOMÍNIO VISNIEC está em cartaz no SESC Ipiranga apenas até 07 de abril, às quintas e sextas às 21h30, aos sábados às 19h30 e aos domingos às 18h30.
        É BOM DEMAIS, PARA VOCÊ SE DAR AO LUXO DE PERDER!

O TEATRO NOS UNE
O TEATRO NOS FAZ FORTES
VIVA O TEATRO!

        26/03/2019


domingo, 24 de março de 2019

GRANDES MOMENTOS DA MITsp 2019



        Hoje termina a 6ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, prova de resistência mais uma vez vencida pelos guerreiros Antonio Araújo e Guilherme Marques.
        Por questão de agenda só pude acompanhar os espetáculos internacionais da Mostra de Espetáculos e mesmo nesse eixo deixei de assistir a Partir com Beleza (França) e a Paisagens Para Não Colorir (Chile), este último muito elogiado por todos que o viram.
        Da decepção com o semi amador O Alicerce das Vertigens (Congo/França), passando pelo tédio provocado por três excelentes atores com sua variação ad infinitum sobre um único tema em Mágica de Verdade (Inglaterra), chegamos àqueles que considero os grandes momentos da mostra.
        Os três espetáculos de Milo Rau todos tendo uma criativa vertente do teatro documentário como base foram excelentes: A Repetição (Bélgica), o mais significativo, já foi alvo de matéria neste blog; Cinco Peças Fáceis (Bélgica) segue o mesmo esquema de metateatro (apresentação dos atores), de uso de recursos cinematográficos (a mesma cena acontecendo na tela e no palco) e de apresentação dos créditos em telão e trata de maneira tocante, principalmente nas peças 3 (relato da menina sequestrada) e 4 (relato do pai de uma menina assassinada) do tema da pedofilia; Compaixão, a História da Metralhadora (Bélgica/Alemanha) trata de maneira interessante a relação colonizador/colonizado com duas excelentes atrizes, mas excede na verborragia no interminável monólogo da atriz branca.
        Democracia (Brasil/Chile) também já foi tratada neste blog, mas reforço aqui o resultado muito teatral a partir de texto, a princípio totalmente antidramático, do escritor Alejandro Zambra e a presença da grande atriz Trinidad González no ótimo elenco.
        E por último o soco no estômago da MITsp 2019: o solo da atriz Silvia Calderoni em MDLSX (Itália). Usando seu corpo como protagonista; dançando; falando; manipulando objetos, figurinos e câmera e denunciando o que o mundo chama de normalidade Silvia Calderoni faz uma das mais importantes denúncias contra o preconceito e a ideologia de gênero. Como seria bom esfregar esse espetáculo na cara da Dona Damares Alves! Corajosa na exposição do seu corpo e dos problemas que enfrentou na vida, Calderoni fecha com chave de ouro a ala internacional da MITsp.
        Não posso deixar de citar o único espetáculo nacional a que assisti: A Boba de Wagner Schwartz que foi da expectativa e curiosidade pela consistência da proposta até a grande decepção pelo vazio do resultado.
        A MITsp foi muito além dessa minha visão parcial e restrita com as outras estreias nacionais, a importante MITbr que apresenta espetáculos nacionais para programadores estrangeiros, olhares críticos e ações pedagógicas.


        Parabéns e obrigado Tó e Guilherme!!
        E que venha a MITsp 2020!


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        24/03/2019
       


quarta-feira, 20 de março de 2019

31º PRÊMIO SHELL




        Todo ano chove no Carnaval.
        Todo ano faz sol na Páscoa.
        Todo ano faz frio na noite de São João.
        E todo ano também chove na noite da entrega do Prêmio Shell!!


        Aconteceu na noite chuvosa de 19/03/2019 na charmosa Estação São Paulo a festa de entrega do Prêmio Shell relativo ao teatro realizado em São Paulo no ano de 2018. A maioria dos candidatos estava presente e ansiosa pela divulgação dos premiados escolhidos pelo júri formado por Evaristo Martins de Azevedo, Lucia Camargo, Luiz Amorim, Maria Luisa Barsanelli e Renata Melo. A apresentação da cerimônia foi feita de forma descontraída e simpática por Vilma Melo e Marcos Caruso.
        Premiação está sempre sujeita a prós e contras, mas houve unanimidade na escolha de Chris Couto como melhor atriz por sua soberba interpretação em A Milionária. Chris recebeu verdadeira ovação quando seu nome foi anunciado como a vencedora.


        Por mais que eu torcesse pelo Grupo Sobrevento para o prêmio Inovação, não pude deixar de aplaudir e achar muito justa a escolha da Cia. Paideia de Teatro.
        Justa e merecida a escolha de melhor dramaturgia para Marcos Damaceno por Homem ao Vento. Pousada Refúgio de Leonardo Cortez também teria sido uma ótima escolha, mas optar é sempre preciso!


        Muito aplaudidos também os prêmios de melhor ator para Gilberto Gawronsky (A Ira de Narciso) e de melhor diretor para Zé Henrique de Paula (Um Panorama Visto da Ponte).
        Babaya Morais é mais que uma referência quando se fala na preparação vocal de elencos, que ao passar por ela, parece que milagrosamente passa a cantar divinamente. Tive o grande prazer de conhecê-la nessa noite, quando ela foi premiada junto com Marco França pela música de Estado de Sítio.


        O prêmio de melhor cenário foi partilhado pela talentosíssima Marisa Bentivegna com o Estúdio Bija Ri e Guazelli por Os 3 Mundos. Domingos Quintiliano ficou com o prêmio de iluminação por Casa de Bonecas 2 e Jorge Farjalla e Ana Castilho levaram o prêmio de figurino por Senhora dos Afogados.
        O homenageado da noite foi Jô Soares que fez discurso emocionado louvando a cultura e a liberdade, itens em baixa no Brasil de hoje. Jô não deixou de também louvar Sérgio Mamberti que foi Frei Lourenço em sua direção de Romeu e Julieta há exatos cinquenta anos numa produção de 1969 da sempre lembrada Ruth Escobar.



                Foi uma festa de teatro muito bonita promovida pela Shell com gente mais bonita ainda. As fotos não me deixam mentir!




   
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        20/03/2019

DEMOCRACIA NA MITsp 2019




        Trata-se de um torneio? De um exame vestibular? De um concurso de resistências física e emocional? Seja o que for o jogo é massacrante e cruel.
         O espetáculo de Felipe Hirsch baseia-se no livro Facsímil do escritor chileno Alejandro Zambra (1975) onde ele cria relatos poéticos e exercícios de linguagem a partir da estrutura da Prueba de Aptitud Verbal (tipo teste de conhecimentos de múltipla escolha) que foi aplicada aos candidatos às universidades chilenas de 1967 a 2002. Nada mais antidramático, no entanto, do uso desse arcabouço e de memórias pessoais de cada ator, o grupo criou a criativa e poderosa dramaturgia que segura o espectador na poltrona durante a hora e meia de duração da montagem.
        Cinco pessoas enfrentam esse jogo extremamente competitivo se submetendo a um inquisidor/ditador (voz em off) que coloca as perguntas, ouve as respostas e considera certa aquela que mais lhe convém, dizendo um lacônico “Erro” quando alguém tropeça na resposta e cortando drasticamente a palavra daquele que está dando seu relato pessoal. Nada mais metafórico do que se viveu no Chile durante a ditadura de Pinochet como também das sequelas deixadas nos jovens após o término daquele regime autoritário e a volta da democracia. Comparações com a situação brasileira são inevitáveis.
        Trata-se de uma das mais certeiras direções de Felipe Hirsch que coloca o elenco numa movimentação cênica de tirar o fôlego. Colaboram para isso o imenso painel iluminado com a palavra democracia em letras garrafais (direção de arte de Daniela Thomas e Felipe Tassara, parceiros de Hirsch em várias produções) e a iluminação sempre competente de Beto Bruel.
        O ótimo e resistente elenco é todo chileno com destaque para a grande atriz Trinidad González que já havíamos tido o privilégio de ver como Olga Knipper em Neva (2009) e como Rainha Isabel em empolgante diálogo com Cristovão Colombo em A Reunião (Mirada, 2014) e que aqui nos brinda com um relato sobre seu casamento, a separação e o fato do divórcio não ser legal no Chile naquela ocasião.

Trinidad González em cena de "A Reunião"

        Democracia é uma coprodução do Brasil e do Chile e trata-se desde já de um dos mais significativos espetáculos do eixo Mostra de Espetáculos da MITsp 2019.

        20/03/2019       





terça-feira, 19 de março de 2019

DUOSOLO



       Nanna de Castro não é autora constante em nossos palcos, o que só se pode lamentar, pois suas incursões dramatúrgicas já resultaram em notáveis espetáculos como o infantil Vô Doidim e os Velhos Batutas (1999), o exercício de metateatro A Bala na Agulha (2013) e, principalmente, o excepcional Novelo que Zé Henrique de Paula encenou em 2010 e que merecia nova temporada, algo que constantemente “cobro” do ator Flavio Baiocchi que participou da montagem original.
       Com Duosolo Nanna volta a usar os recursos de metateatro, desta vez de forma mais radical colocando em cena dois atores que ensaiam peça sobre o dia a dia de uma empresa que acabou de demitir grande quantidade de funcionários. Os personagens são os diretores da empresa e uma funcionária que serve café.
       Os atores Gustavo Haddad e Bruna Magnes revezam-se nos papeis dos atores, dos personagens e do narrador. Em off ouve-se a voz do diretor (Dan Rosseto, o próprio diretor da peça) que junto com o narrador interfere no ensaio para evitar que os personagens se desviem do texto original. Parece complicado, mas em cena a situação é bem interessante.
       Usando poucos elementos cenográficos e de trilha sonora, Dan Rosseto realiza, no meu modo dever, sua direção mais madura. A iluminação (Herick Almeida), a movimentação cênica e a interpretação dos dois atores são os pilares que sustentam este belo espetáculo. Gustavo Haddad, depois de alguns trabalhos menos interessantes, volta a dar provas do seu talento e Bruna Magnes que, ao que entendi, faz sua estreia profissional em São Paulo, é uma bem vinda surpresa.
       DUOSOLO está em cartaz no Teatro Eva Herz às terças e quartas às 21h, até 24/04.

       16/03/2019


sexta-feira, 15 de março de 2019

ABERTURA DA MITsp 2019/A REPETIÇÃO



        Ultimamente o Brasil não tem tido nada a comemorar. A abertura da 6ª MITsp se deu no dia em que relembramos o bárbaro assassinato político de Marielle Franco e de seu motorista no dia 14 de março de 2018 e ainda choramos o massacre de Suzano ocorrido no dia anterior. Esses fatos não foram olvidados por quase todos que fizeram uso da palavra. Na fala de Guilherme Marques - diretor geral de produção do evento - antecedida por palavras emocionadas de Wagner Schwartz, não faltou a denúncia aos dias tortuosos que temos vivido com a perseguição à cultura e às minorias e o incentivo à violência provenientes dos endiabrados que estão no poder. Seguiram-se as falas de Eduardo Saron do Itaú e do incansável Danilo Santos de Miranda do SESC. Depois foi a vez do poder público com a presença dos secretários de cultura estadual (que ouviu um “Fora, Doria” ao final de sua fala) e municipal, tendo este último dado a boa notícia que no dia seguinte assinaria o destravamento do Programa Municipal de Fomento ao Teatro. Sintomaticamente não houve representação da esfera federal!

Guilherme Marques e Wagner Schwartz
Danilo Santos de Miranda e Wagner Schwartz

        A apresentação de A Repetição. História(s) do Teatro (I) não foi menos impactante. A partir da recriação de um crime homofóbico acontecido na cidade belga de Liège em 2012, Milo Rau apresenta vigoroso painel da violência que grassa nos dias de hoje em todo o mundo usando recursos de metateatro (a seleção do elenco, no início do espetáculo, é poderosa e até engraçada), de teatro documentário e fazendo criativo uso de recursos cinematográficos. A maneira como é representada a cena do espancamento no carro e do posterior assassinato é de tirar o fôlego, sem, porém, nos privar da reflexão sobre o que levaram aqueles jovens a cometerem o crime (algo que nos faz relacionar a peça com o massacre de Suzano).


        Noite intensa que teve seu respiro com o coquetel à base do vinho português Casal Garcia servido ao final.
        E esse foi só o início da MITsp 2019 que promete ainda muitas emoções e reflexões para nossos corações e mentes.



        15/03/2019
       

quarta-feira, 13 de março de 2019

(IN)JUSTIÇA



        É muito bom testemunhar que a cada novo espetáculo a Companhia de Teatro Heliópolis cresce tanto técnica como artisticamente.
        Este novo trabalho tem requintes de cenografia e de iluminação dignos dos melhores espetáculos que se realizam na cidade, mas isto ecoaria no vazio se os lados artístico e militante não estivessem presentes. Uma vista d’olhos na ficha técnica com os nomes dos profissionais envolvidos no projeto revela os cuidados com a atual produção.
        A montagem de Miguel Rocha, cujo texto foi escrito em processo colaborativo com Evill Rebouças, transita harmoniosamente entre o teatro épico e o teatro performático mostrando e demonstrando o quanto a justiça neste Brasil é parcial e injusta, por meio da história de Cerol, rapaz pobre e negro que acidentalmente matou uma mulher e sofre os desmandos de um tribunal preconceituoso. A encenação sugere uma interatividade com a plateia escolhendo algumas pessoas do público como júri, mas isso fica só na intenção gerando certa “frustração” nos escolhidos.
        A trilha sonora excepcional de Meno Del Picchia à base de muita percussão e de solos hipnotizantes de cello (Amanda Abá) comenta toda a ação de forma brilhante.
        Dalma Régia e David Guimarães, os atores mais antigos do grupo, desincumbem-se bravamente das principais intervenções seguidos de perto por Walmir Bess. Os três têm momento excelente na cena do tribunal, no embate entre o promotor (Dalma), David (advogado de defesa) e Walmir (juiz). Bonita presença no elenco do menino Gustavo Rocha, filho de Dalma e Miguel.
        Miguel Rocha faz sua encenação mais sofisticada, no melhor sentido que esta palavra possa ter, revelando sábio equilíbrio entre as cenas épicas e as performáticas de conjunto, estas muito bem coreografadas (a direção de movimento é assinada pelo diretor e por Lúcia Kakazu) e acompanhadas pela já citada surpreendente trilha sonora.
        Próximo ao final há, ao meu modo de ver, uma longa cena onde Dalma e David, com uso épico de microfones, exageram na maneira como denunciam mortes e assassinatos de minorias ocorridos no Brasil desde o descobrimento. A denúncia é necessária, mas surtiria mais efeito caso fosse interpretada de maneira menos dramática e mais distanciada.


        A Companhia de Teatro Heliópolis tem sua sede na Casa de Teatro Maria José de Carvalho (Rua Silva Bueno, 1533 – Ipiranga) e é administrada pelo grupo cuja maioria reside na favela de Heliópolis. A casa é muito bonita e o grupo realiza trabalho artístico altamente profissional que precisa ser conhecido e prestigiado pelo público e pela crítica paulistana.
        (IN)JUSTIÇA está em cartaz às sextas e sábados às 20h e aos domingos às 19h até 19 de maio. Pague quanto puder.
        13/03/2019

sábado, 9 de março de 2019

A CATÁSTROFE DO SUCESSO



        Uma quase menina provinciana de 18 anos saiu de Porto Alegre com uma pequena mala, acompanhada do pai e do dia para a noite se tornou a cantora mais popular e mais bem paga do Brasil. O único par de sapatos foi substituído por uma coleção de pares que encheram um armário no recém-comprado apartamento na Avenida Ipiranga. Segundo a própria Elis, esse fato, para o bem e para o mal, marcou sua vida para sempre.


        Tennessee Williams (1911-1983) não era tão jovem e inexperiente quando o sucesso bateu à sua porta aos 33 anos, mas o fato também o marcou profundamente o que pode ser constatado no artigo que escreveu que dá nome a esta matéria e à peça ora em cartaz no Instituto Capobianco.
        Camila dos Anjos é apaixonada pela obra do autor e tinha firme propósito de colocar em cena o artigo que não tem estrutura dramática. Junto com Marco Antônio Pâmio pesquisou dentre as peças curtas do autor aquelas que dialogassem com o artigo e a escolha recaiu em Mr. Paradise e Fala Comigo Como a Chuva e Me Deixa Escutar; a partir daí foi realizada uma criativa costura dramatúrgica onde as duas peças são permeadas por trechos do artigo.
        Não há como negar que este espetáculo é quase uma continuação do bem sucedido Propriedades Condenadas realizado por Camila e Pâmio em 2014, enquanto neste o elo eram falas de Williams em cena, agora a ligação fica por conta do artigo. Há também semelhança entre o belíssimo cenário em duas dimensões criado pelos atores no primeiro e o não menos belo em três dimensões manipulado por eles em Catástrofe do Sucesso.
        As marcas registradas de Pâmio como encenador estão presentes neste novo trabalho: a firme direção de atores, a delicadeza no tratamento do tema e sua especial atenção pelo cenário (Cesar Rezende), trilha sonora (Gregory Slivar), figurinos e direção de movimentos (ambos assinados por Marco Aurélio Nunes).
        Camila dos Anjos entrega-se com toda sua paixão pela obra às personagens que lhe cabem: a jovem apaixonada pelo livro do Mr. Paradise, a mulher desesperada da segunda peça e ao próprio Williams como narrador de seu artigo.
        Iuri Saraiva também se desincumbe do Williams narrador, além do envelhecido Mr. Paradise e o homem do casal da segunda peça.
        É prazeroso e comovente para o espectador assistir ao desempenho desses dois jovens e talentosos atores dirigidos com mão de mestre por Marco Antônio Pâmio.


        Tão belo espetáculo foi acompanhado de outros dois acontecimentos memoráveis: a reabertura do Instituto Capobianco, sempre sob a liderança da guerreira Fernanda Capobianco (que fez linda homenagem ao seu avô ao final do espetáculo) e a inauguração da SÃOLUÍSconfeitariaearte administrada por Carlos Colabone e Alex Galvão. Lindamente decorado por Colabone o espaço abre sempre uma hora antes do espetáculo servindo café, salgados, vinho e o delicioso brigadeiro da dupla, tudo a preços bastante razoáveis.

        Dá para perceber que essa estreia aconteceu em uma noite encantada, não é mesmo?
        Noite encantada de encontros, amizade e fraternidade.
        O teatro nos une.
        O teatro nos faz fortes.

        A CATÁSTROFE DO SUCESSO está em cartaz no Instituto Capobianco até 28/04 às sextas e sábados às 20h e aos domingos às 18h. NÃO DEIXE DE VER.

        09/03/2019