sábado, 29 de setembro de 2012

PERGUNTAS A UMA JOVEM QUE VAI PELA PRIMEIRA VEZ AO TEATRO.

     A - Você pode descrever ao que acabou de assistir?
     B - Estava tudo escuro, aí acendeu uma luzinha fluorescente ao fundo e no alto do palco. Um sujeito, misto de frade capuchinho e chapeuzinho (só que não era vermelho, era preto), com uma voz muito estranha ficou reclamando da vida na penumbra e conversou com duas meninas com voz fininha. Ficou mais escuro. Voltou a acender a tal luzinha fluorescente ao fundo. O fradinho mudou de lugar e veio um sujeito dar conselhos para ele, conselhos que o fradinho rejeitou esbravejando. De raspão escutei que esse sujeito era o oceano. Ficou mais escuro de novo. Acendeu aquela luzinha ao fundo. Uma mulher com voz “tremerola” veio falar com o fradinho que, mais uma vez, mudou de lugar, mas continuava muito bravo. Voltou a ficar mais escuro para de novo acender aquela luz ao fundo e o fradinho estar noutro lugar. Um sujeito com voz bonita apareceu e deu uns conselhos para o fradinho, as meninas com voz fininha disseram para ele aceitar os conselhos, mas ele foi intransigente e deu uns berros com elas e com o sujeito de voz bonita que então o ameaçou dizendo que um abutre ia lhe comer o fígado. Mais uma vez ficou mais escuro. Aí o fradinho veio pra frente do palco e acendeu um isqueiro, falou mais umas coisas ininteligíveis e apagou o isqueiro. Breu. Acabou.
Foto de divulgação.

     A - Por que a peça tem esse nome?
     B - Sei lá, não faço a menor ideia.
     A - Já ouviu falar do autor?
     B – Eu li alguma coisa sobre ele.
     A - E aí gostou da experiência?
     B - Nossa! Isso é que é teatro?  Durou pouco, mas me pareceu uma eternidade. Teatro?!  Nunca mais!
ATENÇÃO: ESTA É UMA OBRA DE FICÇÃO, QUALQUER SEMELHANÇA COM FATOS VERÍDICOS É MERA COINCIDÊNCIA.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

ZÉLIA E REGINA TÃO CANTATIANDO O TATIT NO TUCA.



     Estamos brincando com o título (TôTatiando) de um dos melhores espetáculos em cartaz na cidade. Zélia Duncan num momento muito inspirado resolveu encenar as canções(com letras bastante teatrais) de Luiz Tatit e chamou Regina Braga para dirigi-la. Resultado: Show? Teatro? Peça Musical? TUDO ISSO e um pouco mais. Os guias culturais devem estar com dificuldade para classificar este trabalho. Mas classificação é o que menos importa. O espetáculo parte de um roteiro muito bem elaborado que acerta na sequencia das canções e inclui textos da própria Zélia e até um poema de Mário de Andrade. O cenário de Simone Mina banhado pela iluminação de Wagner Freire emoldura a apresentação e Zélia, muito à vontade, diz textos, dança, rodopia pelo palco (momento delicioso quando ela interpreta Rodopio) e também (ora vejam só)canta! Acompanhada de apenas dois músicos (Webster Santos e Tércio Guimarães) Zélia visita 15 canções do repertório de Tatit e termina o espetáculo com Essa É Pra Acabar (final quase clichê dos shows do grupo Rumo, mas que aqui adquire novas cores pela maneira da cantora tratar a canção). Tudo funciona perfeitamente e mesmo o público acostumado a aplaudir os cantores até quando eles cruzam as pernas, comportou-se à altura praticamente não aplaudindo ao final da cada canção dando assim unidade ao espetáculo e ovacionando merecidamente ao final. Sem bis, o show terminou com uma hora de duração e se sai do teatro com a alma alimentada. Espetáculo que-assim como Rosa dos Ventos (Maria Bethânia, 1972), Falso Brilhante (Elis Regina, 1975) e Micróbio do Samba (Adriana Calcanhoto, 2012)- revoluciona o conceito de show musical e entra para a história como um dos grandes espetáculos musicais brasileiros realizados por uma cantora.
Zélia, Tatit e Regina.
     TôTatiando está em cartaz só até o próximo domingo no Tuca. Sexta e sábado às 21h30 e domingo às 19h.

CIRANDA DAS FLORES (AH! SE ESSE PÚBLICO FOSSE MEU...).

     No sábado à tarde fui ao Teatro Ressurreição assistir ao espetáculo Ciranda das Flores da Cia. Prosa dos Ventos. Pouco mais de 15 pessoas na plateia, entre adultos e crianças. Espetáculo singelo e divertido sobre o relacionamento entre uma jardineira e um semeador que estão apa...apa...apa...apaixonados, mas por estarem apa...apa...apa...apavorados, não se declaram. Tendo por base cantigas infantis e até uma famosa marchinha de carnaval o espetáculo flui suavemente; sempre tendo flores, plantas e jardins como tema e encantando adultos e crianças. Sente-se que os atores gostariam de uma maior interatividade com os pequenos, mas o pouco público impediu que isso acontecesse na sessão em que estive presente. Helena Ritto  ( ótimo tempo de comédia por meio de suas expressões corporal e facial) e Elcio Rodrigues (comovente como o preterido Alecrim Dourado) são os protagonistas deixando a narração para a Espada de São Jorge, ou melhor, Florzinha, ou melhor, Cristiano Gouveia (violeiro e cantor). O cenário simples e criativo cabe, segundo o elenco, numa mala, o que favorece a itinerância do espetáculo, que originalmente foi concebido para a rua. Direção segura de Fábio Torres, deixando os atores à vontade e mantendo o frescor de um espetáculo que já tem quatro anos de vida (estreou em 2009).

Foto de Fábio Torres

     Na saída do teatro surpreendi-me com uma multidão aguardando no hall do teatro para assistir a outra peça infantil calcada em figura famosa que já foi personagem de Walt Disney e é sempre citada na mídia. Ah, a publicidade, a mercadoria, o produto! Livre de qualquer influência tenho certeza que os pequenos iriam optar pela singeleza de Ciranda das Flores, mas papai e mamãe, responsáveis e formadores, optam pelo já conhecido e espetacularizado. Nesses tempos de Internet, televisão, Miami, Disneyworld, Xuxa, não sobra espaço para olhar as flores do jardim da nossa casa. Não tem importância “Prosa dos Ventos”... Resistir é preciso!
     Atenção papais e mamães que ainda acreditam na formação humanista de seus filhos: Ciranda das Flores ainda será apresentada no Teatro Ressurreição no próximo domingo, dia 30, às 16 horas.

sábado, 22 de setembro de 2012

ERIC LENATE E RABBIT: CRIATIVIDADE DE GENTE JOVEM.

     Em 2008, Eric Lenate era um dos atores do Centro de Pesquisas Teatrais (CPT) coordenado por Antunes Filho e nos surpreendeu com uma segura e criativa encenação do também surpreendente texto de Silvia Gomes O Céu Cinco Minutos Antes da Tempestade. Apenas uma experiência na direção de um bom ator? O jovem encenador (ainda não tem 30 anos) está provando que não. Após a encenação de Natureza Morta de Mario Viana (que está de volta ao cartaz), fez um bom trabalho em 2011 com Limpe Todo o Sangue Antes Que Manche o Carpete de Jô Bilac (também ainda em cartaz). Em 2012, Lenate estreia mais três encenações: Valsa nº 6 de Nelson Rodrigues (não assisti), Um Verão Familiar texto irregular de João Fábio Cabral do qual o encenador faz uma leitura bastante criativa e este Rabbit da dramaturga inglesa Nina Raine.

     Rabbit é uma peça sobre jovens escrita, dirigida e interpretada (com a honrosa exceção do jovial Nelson Baskerville) por seus pares. A concepção cenográfica de Lenate misturando elementos infantis (o carrossel, a piscina de bolas – que provoca ótimos efeitos cênicos -) com os diversos tubos de soro que alimentam o terminal pai de Bella no hospital define todo o espírito da peça que entrelaça a festa de aniversário na balada Rabbit onde os jovens literalmente jogam conversa fora com cenas da memória da aniversariante Bella em relação ao pai agonizante. Não conheço o texto, mas não há dúvida que a direção de Lenate o enriqueceu. Destaque também para a iluminada interpretação de Julia Ianina como Bella.

     É estimulante constatar que gente jovem entre na rodada junto com os medalhões do teatro. Sangue novo, vida nova!

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

SAUDADES DE UM TEMPO MAU


      
    Assisti ontem ao filme Tropicália, dirigido por Marcelo Machado. O filme nos remete aos anos 1967/1969, época sombria e de triste memória em que o Brasil estava sob o controle da ditadura militar. Por outro lado havia uma efervescência não só na música, mas em toda a cultura brasileira: Glauber Rocha e o cinema novo; Hélio Oiticica, Ligia Clark e tantos outros nas artes plásticas; José Celso Martinez Corrêa com seu revolucionário O Rei da Vela. Explosão de criatividade e talento numa época de grande repressão. Esses dois fatos estariam interligados? O artista precisa estar sob pressão para poder criar? Essas foram algumas das questões que me surgiram ao assistir a esse belo documentário. As cenas da repressão, do menino Edson morto pela polícia no Calabouço, das passeatas que mobilizavam milhares de pessoas, da prisão e do exílio de Gil e Caetano conduzem à reflexão e também a uma tristeza muito grande. Há uma cena antológica em que Caetano Veloso canta Asa Branca (provavelmente num programa da televisão europeia, enquanto ele estava no exílio) que resume toda a desesperança que tomava conta do povo brasileiro naquela época. Em resumo, o filme nos deixa com um amargo sabor de saudades.

     Bom complemento para Tropicália é o filme Cara ou Coroa de Ugo Giorgetti, também em cartaz na cidade. Passa-se em 1971 e faz uma crítica carinhosa àquela que na época era chamada de “esquerda festiva” (artistas e intelectuais ditos de esquerda, mas que não se engajavam em nenhum movimento mais radical de combate ao regime militar e até se permitiam certos “divertimentos burgueses” como comer uma pizza ou tomar um chope). Sem maniqueísmo o filme mostra os exageros efetuados não só pela direita, mas também pela esquerda. A câmera em zoom fixa-se principalmente nas expressões faciais das personagens. Impactantes as figuras dos ativistas clandestinos, magnificamente fotografados por Walter Carvalho. Impossível não mencionar as interpretações dos veteranos Walmor Chagas e Otávio Augusto e a espontaneidade de Emílio de Mello. O filme capta o espírito da época sem se utilizar de muitos recursos físicos. Há um sopro de esperança ao final do filme, mas as palavras da crítica de teatro vivida por Juliana Galdino ressoam em nossas cabeças: “Quem viver verá onde vai dar tudo isso...”
     No aspecto puramente musical outro bom complemento para Tropicália é o documentário Uma Noite em 67 dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

MIRADA 4 – ÚLTIMOS DIAS

     Assisti a mais oito espetáculos nesta última semana do festival:
     Amarillo do México   Espetáculo que usa vários recursos áudio- visuais para narrar as desventuras e as violências sofridas por aqueles mexicanos que tentam imigrar ilegalmente para os Estados Unidos. O Amarillo do título é um povoado no Texas na fronteira entre os dois países. Visualmente requintado, mas desprovido de um roteiro consistente.
Amarillo - Foto de Wesley Souza

     Pais e Filhos da Mundana Companhia de Teatro (Brasil) – Foi apresentado um ensaio do espetáculo que ainda não está pronto no palco do Teatro Coliseu. Com simpáticas intervenções do diretor russo Adolf Shapiro o grupo apresentou cenas da peça. O elenco ainda não está à vontade, mas as interpretações de Lúcia Romano, Donizeti Mazonas e Luah Guimarães já se fazem notar. Ao final, Luah Guimarães  fez uma explanação sobre o processo de criação do espetáculo. Aguardemos a estreia em São Paulo no final do mês de setembro.
     O Autor Intelectual da Colômbia – Da mesma companhia que apresentou Os Autores Materiais este ótimo espetáculo faz do espectador um voyeur através de uma janela onde ele observa as discussões de uma família em torno do destino que vão dar à Dona Bertha, mãe dos dois personagens masculinos. Na linha de Parente É Serpente e Deus da Carnificina a peça apresenta o que está por baixo das relações sociais bem comportadas quando surgem conflitos nas mesmas. Impactante e tratando de assuntos que afetam qualquer um o espetáculo foi ovacionado ao final.
O Autor Intelectual - Foto de Juan Pablo Urrego

     Os Assassinos do México – A peça tem uma narrativa caótica e histérica. Num cenário desolador com uma árvore “beckettiana”, seres marginalizados se degladiam e se destroem: drogas, sonho com imigrar para os Estados Unidos (temática muito presente na dramaturgia mexicana) e muita violência são os principais temas tratados. Há a inclusão de números musicais que nada acrescentam à narrativa. Longo e cansativo.
     + 75 da Espanha. Simpático espetáculo de rua mostrando as dificuldades de cinco velhos (uma das mulheres é paraplégica e anda numa cadeira de rodas) de interagir com a cidade grande. Com o uso de pernas de pau os atores criam o efeito da fragilidade no andar dos velhos. Sem seguir uma narrativa pré-elaborada o espetáculo vai acontecendo ao sabor das interações com o público. Nesta apresentação um espectador, uma cadela e até o vice-prefeito da cidade de Santos tiveram participações especiais.
+75 - Foto de Ivan Ensenyat

     Hamlet dos Andes da Bolívia – Mais uma desconstrução bem sucedida do clássico de Shakespeare. Apenas três atores dão conta de todas da personagem da peça. A encenação mistura a trama shakespeariana com a realidade da Bolívia e do grupo (a morte do pai relaciona-se com a saída de Cesar Brie que dirigiu o grupo por mais de 20 anos). Há trechos falados em quechua. Intenso e corajoso. A atriz Alice Guimarães é brasileira e faz parte do grupo desde a sua fundação há 21 anos.
     Cinzas do Paraguai – Espetáculo ritual com clara inspiração em Grotowski e nos espetáculos do grupo catalão Fura Del Baus. Visualmente excitante o espetáculo mostra as desgraças de uma guerra segundo a vivência de uma mulher (vivida pelas três atrizes). Excelente música ao vivo e muitas cenas coreografadas (coreografia violenta com movimentos bruscos). Destaque para uma das atrizes que tem uma cena fortíssima narrando a morte do pai. Um ato de coragem num momento em que o Paraguai vive uma delicada situação política.
Cinzas - Foto de Alexandra dos Santos

     O Nacional da Espanha – Há exatos 36 anos no Festival de Teatro produzido por Ruth Escobar em São Paulo, assisti a um dos espetáculos mais significativos de minha vida (Alias Serralonga) com este grupo catalão (Els Jograls) dirigido pelo mesmo diretor (Albert Boadella); foi então com muita curiosidade e expectativa que me dirigi ao Teatro Coliseu para assistir a esta produção original de 1993 e agora remontada para comemorar os 50 anos do grupo. Com muita alegria constato que o grupo mantém a virulência, o espírito crítico e certa anarquia presentes no espetáculo de 1976. Desta vez trata-se de criticar os descasos das políticas culturais da Espanha (alguma semelhança?), por meio da abnegação e do desvario do antigo diretor Don Jose que tenta manter um teatro de óperas em ruínas ensaiando a ópera Rigoletto com um grupo de marginalizados. Lá fora o progresso tenta invadir o teatro com suas máquinas para destruí-lo e construir provavelmente um shopping center. O espetáculo é levado num tom irônico e causa surpresa as excelentes qualidades vocal e instrumental dos atores. As situações dos ensaios da ópera, das trapalhadas dos integrantes e das invasões repetem-se várias vezes e o espetáculo tem vários falsos finais o que o torna longo e cansativo. Isso não desmerece a qualidade e a originalidade do mesmo.
O Nacional - Foto de Neil Becerra

     Deixei de assistir aos dois espetáculos do Chile que serão apresentados em São Paulo na próxima semana e àqueles do Peru e da Colômbia (última parte da trilogia) por falta de espaço na agenda. Considero muito positivo o saldo da Mirada que mostrou uma boa amostra do teatro ibero-americano atual. Ratifico aqui quais os espetáculos que mais me impressionaram: Incêndios do grupo Tapioca Inn do México; Ato Cultural do grupo Actoral 80 da Venezuela ; O Autor Intelectual e Os Autores Materiais do grupo La Maldita Vanidad da Colômbia; Podem Deixar o Que Quiserem do grupo Intimo Teatro Itinerante da Argentina; Hamlet dos Andes do grupo Teatro de los Andes da Bolívia e o instigante e surpreendente Cinzas do grupo Hara Teatro do Paraguai. Foram apresentados vários espetáculos nacionais de alto nível, sendo que não assisti à maioria por já tê-los assistido ou porque há uma maior possibilidade que eles sejam apresentados em São Paulo.
     Valeu Sesc! Valeu Santos! Valeu Mirada!

terça-feira, 11 de setembro de 2012

MIRADA 3 – UM PEQUENO BALANÇO

     Desde quarta feira passada assisti a 11 espetáculos no festival Mirada percorrendo um pouco do que se faz no teatro ibero americano: Cuba, México, Costa Rica, Argentina, Uruguai, Colômbia foram alguns dos países dos quais assisti encenações. Até agora a unanimidade é o espetáculo Incêndios do México com a grande atriz Karina Gidi (guardem esse nome) e eu, particularmente, gostei muito de Ato Cultural da Venezuela.
Karina Gidi em cena de Incêndios. Foto de Fernanda Procópio
     Dos outros espetáculos a que assisti vale destacar :
     Podem deixar o que quiserem da Argentina, com uma interessante concepção cênica formada de um quadrado com cortinas feitas de roupas usadas e que, em certos aspectos, lembra aquela de O Jardim do Grupo Hiato.
     O Cantil do grupo cearense Teatro Máquina com uma instigante releitura sem palavras de A Exceção e a Regra de Brecht onde se mostra a relação explorador/explorado; manipulador/manipulado. Espetáculo enxuto com 40 minutos de duração que tem alguns problemas de narrativa; o visual é belíssimo.
     Os Autores Materiais da Colômbia. Encenação ultrarrealista que mostra a situação de três jovens que acabaram de assassinar o seu locatário por questões financeiras. Tem uma atuação brilhante de Ella Becerra como a inquieta faxineira.
     Herodíades de Portugal. Monólogo árido do italiano Giovanni Testori. Vale pela interpretação requintada de Elmano Sancho.
     Eclipse do Grupo Galpão de Minas Gerais. Novas linguagens, novas perspectivas...
     Situo os outros espetáculos assistidos num patamar médio. Não foram ruins, mas por uma razão ou outra, não alçaram voo. São eles: Ar Frio (Cuba); Uma Vez Mais , Por Favor (México); Mãe Coragem e Seus Filhos (Costa Rica) e Chaika (Uruguai).
     O saldo até o momento é bastante positivo provando a maior função de um festival que é a de confrontar linguagens, mostrar trabalhos inéditos e discutir o fazer teatral.
     E ainda temos cinco dias pela frente...


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

MIRADA 2 – RIR, CHORAR... REFLETIR.

     Emocionei-me com dois belíssimos espetáculos apresentados no Mirada. Num deles (Incêndios) houve uma verdadeira comoção e todo público saiu da sala de espetáculos com lágrimas nos olhos; no outro (Ato Cultural) se ri demais e saímos do teatro com outro tipo de emoção. O mais importante é que ambos, por vias completamente diferentes, nos fazem refletir sobre a caótica situação deste século que já tem 12 anos e ainda não aprendeu a crescer.
     Incêndios. O espetáculo -  do grupo mexicano Tapioca Inn dirigido por Hugo Arrevillaga Serrano com texto do libanês de nacionalidade franco-canadense  Wadji Mouawad – é um soco no estômago. A história da mulher que esconde dos filhos gêmeos a sua história e a origem dos mesmos tem inspiração melodramática (inclusive pelas coincidências que se revelam próximo ao final), porém a encenação e o próprio texto conseguem chegar ao limite do gênero, driblando-o e apresentando um trabalho cheio de vigor dramático e de denúncia social. O trabalho dos atores e, em especial, o da grande atriz Karina Gidi é não menos que excelente e está em concordância com a proposta da direção. O cenário composto por praticáveis de madeira,  por meio de pequenos movimentos nos transporta de um insípido escritório de advocacia numa grande cidade para regiões devastadas pela guerra no Oriente Médio. Tudo funciona perfeitamente e há momentos (como os monólogos da mãe) em que a emoção chega à beira do insuportável. A boa notícia é que este digníssimo espetáculo deverá cumprir uma temporada de três semanas no Sesc de São Paulo no início do ano que vem. Guardem esse nomes: Incêndios e Karina Gidi. Não é sempre que temos a oportunidade de assistir a trabalho tão excepcional. Em tempo: esta peça serviu de roteiro para o filme homônimo (2010) dirigido por Denis Villeneuve.
Incêndios - Foto de divulgação.

     Ato Cultural. Espetáculo do grupo Actoral 80 da Venezuela. Texto de José Ignacio Cabrujas (de quem vimos há algum tempo atrás El Dia Que Me Quieras)com direção de Héctor Manrique. Membros de uma entidade “de fomento à arte, à ciência e à indústria” de uma pequena cidade resolvem apresentar uma peça de teatro sobre Cristovão Colombo e o descobrimento da América. Metateatro onde os componentes do grupo tentam representar, mas não conseguem deixar de lado seus problemas pessoais. Tudo é muito engraçado e os atores  dirigem-se diretamente à plateia que somos nós, a sociedade da cidade de San Rafael de Ejido. A peça é apresentada em dois atos com um intervalo entre eles. Na parte final da malograda apresentação eles constatam que a maioria do público foi embora (“Ausente” como anuncia um dos atores ao ser nominado alguém que estava presente no início da apresentação) ou está dormindo. Um riso amargo percorre os lábios do público (nós) presente. Espetáculo saborosíssimo com seis atores talentosos e espontâneos, onde voltamos a refletir sobre os problemas atuais.
O talentoso elenco de Ato Cultural - Foto de divulgação.

     Acredito que isso é teatro, ao contrário do que declarou um conhecido diretor brasileiro presente em um dos encontros que estão acontecendo paralelamente ao festival:” Teatro não é para refletir nem para emocionar; quem quiser isso que leia um livro ou vá assistir à Miss Saigon”, foi mais ou menos o que ele disse, descartando qualquer tipo de espetáculo que não seja o que ele faz. Lamentável!

domingo, 9 de setembro de 2012

MIRADA 1

     O evento Mirada – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos promovido pelo Sesc está em seu quinto dia com muita agitação e algumas emoções.
     O festival abriu no dia 05 com a presença e os discursos de praxe das autoridades. Danilo Santos de Miranda fez a abertura oficial com uma ótima improvisação sobre o fazer teatral e uma monótona leitura de um texto previamente preparado. A seguir foi apresentado o novo trabalho do Grupo Galpão de Belo Horizonte Eclipse, dirigido pelo diretor russo Jurij Alschitz a partir de textos de Tchekhov com um belíssimo cenário inspirado na obra de Malevich. Surpresa para os fãs do grupo mineiro, acostumados com espetáculos emblemáticos como Romeu e Julieta, Till, Rua da Amargura e O Inspetor Geral, entre outros tantos. O espetáculo realmente surpreende e até faz uma autocrítica num certo momento, por meio de um desabafo feito pela personagem vivida pela sempre ótima Inês Peixoto, mas ao longo do mesmo, acostuma-se com a nova linguagem e tem-se uma sensação, sempre bem vinda, de ares de renovação do excelente e coerente coletivo. Fechando a noite houve um coquetel para todos os presentes. Na foto abaixo, eu tietando a atriz Inês Peixoto:

     No dia 06 assisti a dois espetáculos:
     - Ar Frio, drama familiar de Virgilio Piñera, vindo de Cuba no recém-reinaugurado Teatro Guarany no centro histórico de Santos. Acompanha o sofrimento e as dificuldades de uma família pobre cubana nos anos que precederam a revolução cubana. Sonhos e conformismo com um “amanhã será outro dia”, sabendo-se que esse outro dia não trará nenhuma perspectiva. O bom elenco interpreta de maneira realista, no melhor estilo das novelas de televisão o longo texto, resultando num espetáculo com mais de duas horas de duração.
Ar Frio - Foto de divulgação

     - Uma Vez Mais, Por Favor de Michel Tremblay (canadense), espetáculo vindo do Mexico apresentado no majestoso Teatro Coliseu (1047 poltronas). A relação entre um filho e uma terna mãe autoritária lembrando o perfil das famosas mães judias filtrado pelo olhar canadense do dramaturgo e aqueles mexicanos do diretor e da excelente atriz (Angelina Peláez).  Os atores são ótimos e o espetáculo é bastante convencional e previsível. Renderia mais num teatro menor.
     Amanhã tem mais!

terça-feira, 4 de setembro de 2012

VOAR É COM OS PÁSSAROS

     Voar é com os pássaros; sonhar é com os homens.
     Se é possível sonhar...
     Por que não sonhar, que é possível voar?

     Ao meu modo de ver essa é a premissa do espetáculo Meu Pai É Um Homem Pássaro, dirigido com muita sensibilidade por Cristiane Paoli Quito em cartaz no teatro do Sesc Pompeia . A encenação é plasticamente muito bonita com cenário e iluminação da sempre competente Marisa Bentivegna e criativas imagens (não creditadas no programa) projetadas num telão ao fundo.
     Do ótimo elenco é necessário destacar a talentosa e carismática Luciana Paes que desvia para si o olhar do espectador, tão forte é sua presença em cena (tanto como narradora como na pele dos dois hilários personagens masculinos).

Foto de divulgação. No alto Daniela Duarte e Luciana Paes; embaixo Otávio Dantas e Flavia Melman.

     O espetáculo tem momentos especiais como aquele onde as crianças são convidadas a fazer parte do ninho criado pelo pai e pela filha e num determinado momento tornam-se os passarinhos recém-nascidos. De uma maneira natural, os pequenos começam a agitar os braços e a “voar” pelo palco. Tudo isso ao som da música italiana “Volare” que os adultos cantam em coro com o elenco. Eis aí a magia do teatro!
     Acredito que esse espetáculo deveria cumprir uma temporada em horário adulto já que trata - de forma bastante criativa - de como lidar e driblar o embrutecimento do ser humano.
     Merece registro o ótimo programa da peça que em palavras bastante simples define para os pequenos termos teatrais como direção, elenco, personagem, iluminação e trilha sonora.
     Tratar crianças e adultos de forma inteligente não é só tarefa, mas obrigação do teatro infanto- juvenil. Infelizmente não é isso o que acontece nesse universo de Xuxas e Brancas de Neve falidas. Meu Pai É Um Homem Pássaro cumpre honrosa e criativamente esse "dever".
     O espetáculo está em cartaz no Sesc Pompeia até 23 de setembro, aos sábados e domingos às 12 horas. NÃO PERCAM!