GENTE JOVEM REUNIDA
VOLUME 2
OU
OS CUS DE TODOS NÓS
Em
matéria do meu livro O Palco Paulistano
de Golpe a Golpe (1964-2016)
escrevo que o maior presente que o teatro paulistano me deu em 2016 foi a
revelação de bons espetáculos realizados por grupos de jovens egressos de
escolas e oficinas de teatro. Eis que
essa alegria se repetiu agora ao assistir ao espetáculo da Cia. Histriônica de Teatro com pessoal oriundo da área de
artes cênicas da Unicamp.
Na
forma de quase um cabaré dois atores e dois músicos (que também têm os seus
momentos de atores) apresentam ora de forma engraçada, ora de forma
extremamente dramática como é ser homossexual/gay/bicha/viado/boiola/mona em
país preconceituoso como o Brasil. Mais que do preconceito fala-se sobre a
violência que ele pode provocar.
De
forma bastante lúdica e até poética o roteiro inclui maravilhas como a famosa
carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira onde ele explicita sua
homossexualidade; poema de Garcia Lorca; excertos de Devassos no Paraíso, emblemático livro de João Silvério Trevisan, e
de obras de Aguinaldo Silva; Roberto Piva e Oscar Wilde. Os textos são
permeados por belas canções (o programa não explicita, mas creio que de autoria
do grupo) tocadas por Paulo Ohana (violão) e Theo Coelho Yepez (contrabaixo).
Os atores Lucas Sequinato e Ton Ribeiro além de cantar, desempenham os vários
textos indo com muita versatilidade do cômico, para o irônico e desembocando no
dramático. Tudo isso é orquestrado pelas mãos experientes do diretor Rodrigo Mercadante.
Ton Ribeiro, Paulo Ohana, Theo Coelho Yepez e Lucas Sequinato
Foto de Cauê Felix
As
reações absurdas de pessoas, entidades e até de artistas que apareceram por
ocasião do surgimento da AIDS, incluindo piadas extremamente cruéis sobre o
assunto é o momento mais impactante da montagem, pois joga na cara o que é o
preconceito com os homossexuais (situações limites fazem os hipócritas tirarem
a máscara e mostrarem suas verdadeiras caras).
Naquele
solo sagrado onde Guarnieri, Boal, Myrian Muniz, Norma Bengell, Zé Renato e
tantos outros atuaram e, como diz um dos atores, “naqueles assentos onde tantos
cus célebres já se sentaram” estávamos ontem, atores e público, comungando
nossos desejos de um mundo melhor, sem preconceitos, nem violência. Utopia?
Pode ser, mas o que fazer se não temos a esperança e a garra de lutar pelo
menos por uma utopia “possível”?
Todos
nós temos cu e diz o ditado que “quem tem cu tem mêdo”, mas quem tem cu também
pode refletir e agir sobre os assuntos tratados de forma tão boa neste
espetáculo da Cia. Histriônica.
CUS
DE TODO MUNDO, UNI-VOS!
MANIFESTO INAPROPRIADO está em cartaz no Teatro de Arena Eugênio Kusnet até 23/12 de quarta
a sábado às 20h e aos domingos às 18h.
Além
do espetáculo, o grupo realiza atividades formativas durante toda a temporada em
que o teatro. (Informações: www.ciahistrionica.com.br)
26/11/2017