domingo, 27 de outubro de 2024

JANDIRA EM BUSCA DO BONDE PERDIDO

 

Uma atriz diagnosticada com uma grave doença se conscientiza de sua finitude e escreve um texto celebrando o teatro e a vida. Simples assim.

Essa era Jandira Martini (1945-2024).

Ela mesma fez a adaptação teatral do texto e iria interpretá-lo caso não tivesse acontecido a pandemia e, posteriormente, o agravamento de seu estado de saúde. Após a sua morte a encenação ficou suspensa até que seus filhos quiseram ver a peça em cena e assim o público tem a chance de assistir a esse tocante texto que é também uma homenagem a essa grande atriz.

Marcos Caruso, parceiro profissional de Jandira, é o diretor da montagem e Isabel Teixeira foi escolhida para interpretar Jandira.

A interpretação visceral e apaixonada de Isabel vem somar-se a outras, em um ano repleto de trabalhos de grandes atrizes. Os jurados de prêmios vão ter dificuldade de escolher a melhor, pois todas são as melhores.

De maneira descontraída Isabel invade a arena do teatro e dialogando com a dinâmica iluminação de Beto Bruel e Sarah Salgado vai contando a história com pleno domínio do espaço, dirigindo-se a todas as direções onde todo o público sente-se contemplado.

O texto de Jandira é de alguém que conhece os segredos do palco e a atriz, que também domina esses segredos, realiza um surpreendente trabalho em cena, fazendo o público rir e chorar na medida certa.

Jandira, Caruso e Isabel formam o trio perfeito para contar essa tocante história.

O belo programa impresso contém matérias significativas de e sobre Jandira Martini.

Uma breve troca de ideias com Isabel Teixeira e o encontro com a grande pequenina Maria Adelaide Amaral fecharam a noite com chave de ouro.



JANDIRA está em cartaz no Tucarena às sextas (21h), aos sábados (19h) e aos domingos (17h).

 

27/10/2024       

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

MAGILUTH e ÉDIPO REC

 


Mais sobre o Magiluth do que sobre Édipo Rec

Conheci esse querido grupo pernambucano em 2012 no Festival de Curitiba. Era um ensaio da peça Aquilo Que Meu Olhar Guardou Para Você, peça sensível sobre memória e lembrança e me tocou particularmente a história contada por Lucas onde ele guardava o ar de uma namorada já falecida no interior de um balão bexiga. A interação com o grupo foi espontânea e bonita e a partir daí eu estive presente em todos os espetáculos que fizeram em São Paulo, sempre com um abraço fraterno ao final.

Ao longo dos anos houve alguma alteração na formação do grupo, hoje o Magiluth é formado por Bruno Parmera, Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral e Pedro Wagner, gentis, receptivos e muito carinhosos com o público. Todas essas qualidades de pouco adiantariam se não houvesse o imenso talento de cada um deles e o público responde da mesma maneira, pois gentileza gera gentileza, amor gera amor. 

Bruno e Mário

Giordano, Nash e Erivaldo

Giordano e eu

Édipo Rec 

O espetáculo é uma releitura irreverente e anárquica da tragédia de Sófocles dirigida por Luiz Fernandes Marques, o Lubi. Começa com a vitoriosa chagada de Édipo a Tebas, onde tudo é alegria e festa e nada melhor do que uma pista de dança onde os tebanos (o público) pode comemorar a vitória. A segunda parte do espetáculo se passa 20 anos depois onde a alegria dá lugar à soturna tragédia edipiana.

O espetáculo conta com a atriz convidada Nash Laila no papel de Jocasta e a peça termina brilhantemente com um monólogo de Bruno Parmera e a fala final da tragédia pelo corifeu (Erivaldo Oliveira). Cabe destacar as atuações de Mário Sergio Cabral como Creonte e de Giordano Castro (que também assina a dramaturgia) como Édipo. 

Édipo REC está em cartaz no SESC Pompeia até 26/10 de quinta a sábado às 20h.

24/10/2024

 

 

 

domingo, 20 de outubro de 2024

TRAIÇÃO

 

Acompanho o trabalho de Adriana Câmara e do Núcleo Teatro de Imersão desde 2017 quando assisti Tio Ivan na Oficina Cultural Oswald de Andrade. O espetáculo acontecia em várias salas da Oficina e era inspirado na peça Tio Vânia de Tchekhov.

Fiel a seu espírito de espetáculo itinerante, em 2023 Adriana dirige e atua em Seis Personagens a Procura de Um Autor de Pirandello nas dependências do Theatro Municipal

Agora chegou a vez de Harold Pinter e sua Betrayal escrita em 1978 e traduzida em português no singular (Traição) ou no plural (Traições), Adriana optou pela primeira opção e escolheu vários aposentos do Hotel San Raphael para fazer sua encenação. Ela comentou que acalenta montar esse texto, desde que o leu em 2000.

No meu entender esta é a encenação mais madura de Adriana tanto como diretora como atriz.

O texto de Pinter é um achado, jogando com o tempo e instigando a inteligência do espectador para montar o quebra cabeça dramatúrgico, basta dizer que a peça começa onde devia terminar e termina onde devia começar.

A encenação para apenas 14 espectadores acontece a um metro dos atores tornando o público, se não cúmplice, pelo menos testemunha do que acontece. Sente-se o respirar, o suar e o chorar dos personagens.

A peça foi montada de maneira tradicional (em palco italiano) em 1982 no Teatro FAAP com direção de José Possi Neto com Paulo Autran (ganhou o Prêmio Molière por este trabalho), Karen Rodrigues, Odilon Wagner e Arnaldo Dias. Curiosamente consta um quarto nome na ficha técnica: seria a função do narrador ou o diretor resolveu colocar o Camargo em cena?

Desta vez, além da direção, Adriana incube-se do papel da esposa Érica, tendo ao seu lado o marido Roberto (Marcelo Schmidt) e o amante Jeremias (Glau Gurgel). Os três têm excelentes interpretações naturalistas.

Dentre as nove cenas, cumpre destacar aquela onde o marido descobre que a esposa é amante de seu melhor amigo. Marcelo Schmidt tem um momento particularmente brilhante e perturbador nessa cena.

Os espectadores fazem uma viagem no tempo percorrendo   vários aposentos do hotel nos andares 14, 15 e 16.

TRAIÇÂO é mais um trabalho de fôlego da batalhadora Adriana Câmara que merece ser prestigiado. Em cartaz até 27 de outubro.

 

20/10/2024

sábado, 19 de outubro de 2024

PRONTUÁRIO 12.528

 

 

Não tenho dúvida que estamos diante de um dos melhores espetáculos do ano. Esteticamente criativo e belo na forma e contundente e muito necessário no conteúdo.

Nunca é demais relembrar as consequências da colonização do Brasil pelos portugueses e quão nociva, perversa e dolorosa foi a famigerada ditadura civil militar que perseguiu, torturou e matou ou desapareceu com aqueles que lutaram por liberdade e defesa dos direitos humanos.

A dramaturgia de Cesar Ribeiro costura de forma brilhante textos de sua autoria com textos que vão desde Pero Vaz de Caminha até Luis Fernando Veríssimo. O resultado é uma dramaturgia consistente e poderosa que mantém o espectador grudado na poltrona (diga-se de passagem, desconfortável) do Núcleo Experimental.

Com nítida e saudável influência do teatro do absurdo de Samuel Beckett e da história em quadrinhos, Ribeiro abre o espetáculo com um texto magnífico de Veríssimo onde se comenta que é fácil tirar uma vida, o impossível é livrar-se do corpo/lixo. Interpretado por Clara Carvalho o texto é o primeiro soco dado no estômago do espectador.

Seguem-se cenas memoráveis como aquela com os dois pacientes (Mariana Muniz e Pedro Conrado ótimos) em um hospital (esta cena é repetida com poucas  variações, relembrando a estrutura de Esperando Godot); o caso do João, empregado de uma empresa, que a medida que o tempo passa recebe como estímulo uma redução no seu salário até ficar “dezassalariado” ,Clara Carvalho puxa João acorrentado (Hélio Cícero) numa clara referência à cena de Pozzo e Lucky em Esperando Godot; a cena com caráter épico de Pero Vaz de Caminha é interpretada  por Helio Cícero e para completar a porrada, a peça termina com depoimentos de um advogado defensor de presos políticos (Helio),uma jovem que foi humilhantemente torturada (Clara, comovente) e de Dilma Roussef (Mariana). Esta última cena tem como pano de fundo cabeças de vítimas da ditadura.

No exíguo espaço cênico do Núcleo Experimental, J.C. Serroni criou um cenário poderoso com chão de areia e que ao simples mover de uma cortina se transforma numa praia do descobrimento ou nas tumbas com as cabeças dos mortos. A belíssima luz de Domingos Quintiliano enriquece a atmosfera do espetáculo, assim como os figurinos de Telumi Hellen e o surpreendente visagismo de Louise Helene. Para completar o quadro é importante citar a excelente trilha sonora criada por Cesar Ribeiro que ora reforça e ora critica a ação.

Cesar Ribeiro soube harmonizar tantos bons elementos (dramaturgia, cenário, iluminação, figurinos, visagismo, trilha sonora e um quarteto de intérpretes poderosos) criando um espetáculo que apesar de ser doloroso, o espectador sai com a alma lavada e energizado, com vontade de mudar o estado das coisas.

Foto de Dan Pimenta

O título da peça já é carregado de ironia e indignação, pois se refere ao número da lei que instituiu a a Comissão Nacional da Verdade que, ao que tudo indica, terminou em pizza.

Ah, Brasil! De tanta beleza e de tanta pobreza!

VOCÊ que sabe das coisas vai novamente se indignar com o que é apresentado e VOCÊ que não acredita que tudo aquilo aconteceu talvez vá mudar de ideia assistindo a esse pungente espetáculo.

ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL. 

Cartaz do Teatro do Núcleo Experimental até 25 de novembro às sextas, sábados e segun das às 20h e aos domingos às 19h. 

19/10/2024

 

 

 

sábado, 5 de outubro de 2024

MEMÓRIA DO TEATRO PAULISTANO

 

Nos dias 01 e 02 de outubro o Centro de Pesquisa e Formação do SESC promoveu encontros sobre o acervo do Teatro Bela Vista formado por itens conservados por Sérgio Cardoso e Nydia Licia e hoje guardados com muito cuidado por Sylvia Cardoso Leão, filha do casal.

Participaram dos encontros Thais Gurgel (Grifo), Elisabeth Azevedo (ECA-USP), Jamil Dias (biografo de Sérgio Cardoso), Fabrício Ribeiro (SESC Memórias), Sylvia Cardoso Leão (curadora do acervo) e Pedro Carvalho (Grifo Projetos).

No primeiro encontro Thais Gurgel comentou sobre o site amabile.art.br que deve abrigar projetos culturais; Elisabeth Azevedo fez um relato sobre o teatro brasileiro desde os anos 1930 até o início do Teatro Bela Vista (1956), Jamil Dias mostrou facetas da biografia de Sérgio Cardoso e Fabrício Ribeiro falou sobre o acervo do Centro de Pesquisas Teatrais (CPT). A mediação coube a Rose Silveira.[i]

Sylvia Cardoso Leão abriu o segundo encontro com uma brilhante e didática apresentação sobre a trajetória de Sérgio Cardoso e Nydia Licia desde o início das carreiras deles nos anos 1940 até o fechamento do Teatro Bela Vista em 1970. A apresentação foi ilustrada com excelentes slides.

Pedro Carvalho discorreu sobre a digitalização do acervo.

Durante os comentários Pedro falou que o programa é fonte de muitas informações, além daquelas inerentes ao espetáculo. Propagandas e fotos podem trazer informações importantes sobre usos e costumes.

Eu, concordando com ele, complementei que as pesquisas são sofisticadas, caras e de longa duração. Então como primeiro passo o ideal seria iniciar com algo mais barato e de resultado imediato que seria a digitalização de programas que já seria importante e utilíssima fonte de consulta, além de dar um grande passo em direção à tão almejada MEMÓRIA DO NOSSO TEATRO.

Comentei com o Raul Teixeira que poderíamos começar elaborando um projeto para a digitalização do meu acervo que agora pertence ao Centro de Documentação Teatral (CDT) e que abarca cerca de 80 anos das atividades teatrais em nossos palcos (dos anos 1940 até os dias de hoje).

05/10/2024

 

 

 

 

 

 

 



[i]