TEMPORADA DE MONÓLOGOS NOS PALCOS PAULISTANOS
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Um pouco de estatística não faz mal a ninguém: Há alguns anos eram poucos os
monólogos apresentados nos palcos paulistanos. Em 1951 Rodolfo Mayer fez muito
sucesso com As Mãos de Eurídice, sem,
no entanto, fazer escola nesse tipo de espetáculo. Caso parecido é o de Marília
Pêra em 1974 com sua memorável Apareceu a
Margarida. Com o passar dos anos isso pouco mudou, mas o que se nota das
últimas temporadas é o aumento bastante considerável de espetáculos com um só
ator (ou atriz). Em 2015 das 208 peças a
que assisti 10 (5%) foram monólogos; em 2016 das 244 assistidas os monólogos
comparecem 30 vezes (12%) e neste ano que ainda se inicia já assisti a cinco
monólogos que representam 26% das 19 vistas. Tendência crescente?
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O que faz um artista optar pelo monólogo? Creio que quatro fatores se
entrelaçam: o primeiro é a qualidade do texto, o segundo é a oportunidade que o
artista vê de provar seu talento em um solo, o terceiro é o fato que certa
resistência do público ao monólogo vem diminuindo graças à qualidade da maioria
desses solos e o último e não menos importante é o custo menor de produção e a
facilidade de viajar com o espetáculo. A crítica também tem contribuído para a
divulgação desses trabalhos haja vista as inúmeras lembranças, indicações e
premiações a atores/atrizes que fizeram monólogos. (Em 2016 os prêmios de
melhor ator e melhor atriz da Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA-
foram dados, respectivamente a dois “solistas”: Leonardo Fernandes por Cachorro Enterrado Vivo e Denise
Weinberg por O Testamento de Maria)
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A solidão do artista nesse tipo de trabalho não existe, pois ele é acompanhado
de toda uma equipe formada, entre outros, pelo diretor, operadores de som e de
luz, maquiadores.
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Uma tendência que se nota em boa parte desses solos é que o único ator em cena desdobra-se
em muitos personagens.
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O AÇOUGUEIRO. Todo esse preâmbulo me
foi inspirado pelo excelente trabalho a que tive oportunidade de assistir na
noite de ontem. Louve-se, em primeiro lugar, a chegada de espetáculo vindo de
Pernambuco, fato raro no ambiente teatral da cidade e em segundo a qualidade do
espetáculo.
Com
uma história bastante simples envolvendo as aspirações do sertanejo Antônio
para ser açougueiro e seu envolvimento com a prostituta Nicinha (que trará a
ambos consequências trágicas), o autor Samuel Santos cria complexa urdidura dramatúrgica
por onde passam os fios da trama envolvendo a mitologia nordestina que inclui personagens
típicos e animais, principalmente o boi que terá papel importantíssimo no
processo. O espetáculo é uma contundente crítica ao preconceito e à
Intolerância. Para tanto o mesmo Samuel Santos, agora na função de encenador se
vale da preciosa iluminação também de sua autoria e o mais importante, do
trabalho de ator.
Alexandre
Guimarães tem poderosa performance
baseada no teatro físico interpretando nove personagens; entre elas, o narrador
da história, o primitivo Antônio, a sensual Nicinha, o povo da cidade, o boi e
até os corvos, numa das cenas mais bonitas da montagem. É importante frisar que
com pouquíssimos elementos cênicos o ator com seu preciso gestual de corpo e
sua voz marcante nos induz a visualizar toda a ação que está em desenvolvimento.
O poder imagético da montagem deve muito a Alexandre Guimarães, mais um grande “solista”
revelado para São Paulo. Dignos de nota os trabalhos de preparação vocal
(Nazaré Sodré), preparação corporal e figurino (Agrinez Melo) e maquiagem
(Vinicius Vieira e Samara Lacerda).
O
AÇOUGUEIRO é ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL! Está em cartaz no Sesc Pompeia até 05 de
março de quinta a sábado às 21h e aos domingos e feriados às 19h. Você tem só
quatro semanas para comprovar o talento desse bem vindo grupo de Pernambuco.
11/02/2017