terça-feira, 31 de agosto de 2021

ELIS E ABU

 

A aula começa. Estou precisando de nota nessa matéria. A professora Cecília vai apresentar um tema para redação. Seus temas são sempre muito complexos e muitas vezes perdemos nota pelo fato de não saber muito sobre o tema. A forma e o português são importantes, mas o conteúdo tem peso ainda maior na nota.

A professora abre seu diário de classe e indica:

- O tema de hoje é “Elis e Abujamra”.

Em um primeiro momento eu vibro, afinal tenho conhecimento bastante grande sobre Elis Regina e até que razoável sobre o diretor teatral Antônio Abujamra, mas o que um tem a ver com o outro? Ao que eu saiba eles nunca sequer se encontraram.

- Vocês têm o tempo da aula (50 minutos) para desenvolver a redação.

Corrida contra o tempo. Resolvi começar escrevendo separadamente sobre cada um e ao final eu junto.

Elis foi fácil. Sei de cor até os dias em que ela nasceu (17) e morreu (19), meses e anos nem se fala (março de 1945) e (janeiro de 1982). Começo a escrever desenfreadamente sobre sua vida desde os tempos do Clube do Guri em Porto Alegre até o fatídico dia em que faleceu, passando pela carreira, pelos shows, pelos discos, pelos companheiros e pelos filhos. Em menos de dez minutos eu já tenho o perfil de Elis rascunhado.

Parto para Abujamra. Sei um pouco sobre sua carreira: o estágio na Europa no início de carreira, o Grupo Decisão, Os Fodidos Privilegiados, o trabalho com a companhia de Nicette Bruno e Paulo Goulart... (Puxa! Não há nenhum livro com sua biografia!) ... Recorro ao Google: Nasceu em Ourinhos em 15/09/1932 e morreu em São Paulo enquanto dormia em 28/04/2015. Fez muito teatro e muita televisão e era conhecido por sua irreverência, suas encenações e por seu humor ácido e crítico em relação aos tabus sociais” . Pouco, mas o suficiente para desenvolver a segunda parte da redação que é a relação dele com Elis.

Tudo isso está rascunhado, preciso passar a limpo. Já passaram mais 15 minutos. Tenho meia hora para completar o trabalho.

Vasculho minha mochila e vejo que não tenho papel almaço para o trabalho final. Começo a ficar inquieto:

- Alguém tem papel para me ceder?

O Edu, colega de classe, vem em meu socorro e me oferece umas folhas muito amassadas que parecem aquele papel em que se embrulhava o filão de pão antigamente. É o que eu tenho para o momento.

Pego a primeira folha e escrevo o título: “Elis e Cesar”!!! Caio na real, não era Cesar. Descarto a folha e pego desesperadamente outra na qual escrevo corretamente “Elis e Abu”. Resolvi utilizar o apelido Abu, como o diretor era carinhosamente tratado pela classe teatral.

A professora Cecília já começa a ameaçar:

- Faltam 15 minutos. Eu não vou dar tolerância. Pois dou aula em outra classe logo em seguida.

Pavor!!! O que a Elis pode ter em comum com o Abu?? Aí me surge uma ideia verdadeiramente luminosa:

- Eureka! Elis foi dirigida em seus shows, entre outros, por Myrian Muniz (Falso Brilhante) e Ademar Guerra (Saudade do Brasil), por que não poderia ser dirigida por Abu no show imaginário que faz parte da minha redação?

Achada a solução começo a pensar como seriam os ensaios e a relação entre essas duas figuras irreverentes, com humor ácido e muito críticas. Some-se a isso a impetuosidade de ambos. Foi me dando uma comichão e acho que vou arrasar com essa redação, já pensando no título que terá o show.

Vamos lá, mãos à obra!! O título ... o título ... 

Sobressalto! Acordo! Que pena, foi tudo um sonho... 

Em tempo: Esse sonho ocorreu na madrugada do dia 31 de agosto de 2021, nele a professora era minha amiga Cecília Carmen Jacintho Andrade (trabalhamos na mesma época no Instituto de Tecnologia Mauá) e meu colega de classe era o Edu Brisa, amigo e companheiro da área teatral. 

E não é que agora eu só fico pensando como seria esse show da Elis dirigido pelo Abujamra!!

E qual seu título?

Alguém tem uma sugestão?? 

31/08/2021

 

 

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

AMIGOS DE FILA


Tenho muitos amigos de fila. São aquelas pessoas que fui conhecendo ao longo da minha vida de espectador tanto de cinema como de teatro.

Pessoas que conheci na fila para assistir a um filme da Mostra Internacional de Cinema, ou naquelas filas do SESC para garantir um ingresso para shows ou espetáculos do Théâtre du Soleil, ou do Peter Brook ou do Bob Wilson.

Eram filas enormes e chegávamos a permanecer várias horas nas mesmas.

Papo vai, papo vem, troca de informações sobre peças e filmes acabavam nos conduzindo a conversas mais pessoais, trocarmos telefones e nos tornar realmente amigos e não mais apenas amigos de fila.

Foi assim com a Angela, Ricardo, Mila, Carlos, Rosario, Fátima, Edgard, Totonha, Totonho, Tuna, Vândala, Kimiko, Ed, Nelson, Sonia e Luiz Gonzaga.

Esses amigos foram um dos grandes presentes que recebi nas minhas andanças de espectador. 

Luiz Gonzaga é exímio crítico de cinema. Suas matérias sobre os filmes a que assiste são um compêndio de conhecimento tanto humano como cinematográfico além de extremo bom gosto e erudição ímpar. É uma pena que Luiz se limite a dividir esse tesouro apenas com seus companheiros de WhatsApp, dos quais, felizmente, faço parte.

Luiz também é admirador de teatro e costuma ler as matérias que publico em meu blog, vez ou outra trocamos algumas palavras sobre o que cada um escreveu.

Reproduzo abaixo uma belíssima reflexão do caro amigo sobre duas matérias que escrevi em meu blog: 

Caríssimo Cetra: 

Li com prazer e interesse sua crítica de UM PICASSO, esse bem-vindo retorno de teatro presencial pelo amado e respeitado grupo TAPA (Sonia e eu veremos em 3/9). Vimos a montagem portuguesa de Tolentino no Sesc Ipiranga e, salvo traições da memória, as restrições que você faz de frieza e excesso de racionalidade já se faziam presentes ali.

Entretanto, fiquei de fato com muita vontade de escrever para você   em função de seu texto de 16/8. Acho que entendi e sobretudo senti inteiramente sua "frustração" doída pelo encontro com as pessoas queridas, que resultou numa experiência não gratificante devido aos protocolos da pandemia.  Daí o prevalecimento de uma impressão de artificialidade, de formalidade. Senti na carne a tristeza que se apossou de você, agravada pelo comportamento dos jovens que encontrou pelo caminho. Seu percurso de volta para casa deve ter acentuado a sua (nossa) solidão, a sua (nossa) carência de afeto. Tristes tempos, caro amigo!

Passei por experiência semelhante no início da pandemia em 2020, quando dedos em riste alertavam para os perigos de se sair de casa e eu não consegui ingresso (esgotados) para rever um filme de Fellini na retrospectiva do Cinesesc e depois, voltando fracassado para casa, passei em frente ao Belas Artes, bombeando de jovens despreocupados para curtir um daqueles "noitões” madrugada adentro. Na semana seguinte os cinemas fecharam e o ciclo Fellini foi cancelado.

Pois é: nossa vida foi e continua sendo ROUBADA, mesmo que tanto quanto possível tentemos minimizar esses efeitos.  Seria justo ganharmos uns anos a mais de vida para compensar este duro e há muito longo período de confinamentos e restrições. 

Mas, embora bastante exauridos, só nos resta não esmorecer e aguardar com crescente ansiedade a chegada de tempos melhores.

Ainda que minha mensagem tenha sido motivada pelos sempre estimulantes artigos de seu blog, preferi lhe escrever aqui no seu WhatsApp.

Imensas saudades de quando encontrava você e tantos amigos queridos nos cinemas, nos teatros, partout enfim...

Abraço fraterno!

Luiz Gonzaga” 

Dias atrás recebi esse presente e resolvi compartilhá-lo.

25/08/2021

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

A VELA

 

Leandro Luna, Elias Andreato e Raphael Gama fizeram com que eu risse bastante quando assisti à irresistível e deliciosa Amigas, Pero No Mucho de autoria da querida Célia Forte. Agora chegou a vez desse trio se unir a Herson Capri e nos emocionar com A Vela, estreada virtualmente no dia 19 de agosto.

A ideia da peça de Raphael Gama é muito boa: o reencontro do velho Gracindo, prestes a se mudar para um asilo, com o filho Cadu que não via há vinte anos. A separação se deu pelo fato de o pai reagir violentamente quando soube que o filho era homossexual. Cadu retorna como Emma Bovary, uma drag queen, e tenta uma reconciliação com o pai. O embate entre os dois com idas e vindas de boas e más lembranças, sustenta a hora que dura a peça que termina com um final surpresa.

Foto de Caio Gallucci

A peça se desenvolve de maneira linear, com diálogos previsíveis, mas os temas como o preconceito e o respeito se impõem, auxiliados em grande parte pela dignidade com que Herson Capri e, principalmente, Leandro Luna interpretam seus personagens. A direção de Elias Andreato também é fundamental para não deixar a encenação resvalar para o melodrama.

Todos esses fatores contribuem para tornar A Vela um espetáculo crível e emocionante.

Veja! 

23/08/2021 

Serviço:

Espetáculo on-line A Vela

PALCO INSTITUTO UNIMED-BH EM CASA

Estreia dia 19 de agosto (quinta-feira), às 20h30. 

Transmissão ao vivo, pelos canais no Youtube do Sesc em Minas Gerais (SescemMinasGerais), do Teatro Claro Rio (TeatroClaroRio) e da Pólobh (Polobhprodutora), e pelo Canal 264 da Claro TV.

De 19 agosto a 3 de setembro - Disponível on demand na plataforma Claro.

Ingresso gratuito.

 Temporada on-line:

De 22 de outubro a 14 de novembro de 2021 - Sextas e sábados às 20h. Domingos às 19h.

Ingressos: R$ 10,00 (preço popular).

Transmissão: Eventim.

Duração: 60 minutos.

Classificação etária: 14 anos.

 

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

UM PICASSO

 

As tramas tradicionais sempre apresentam um conflito inicial que aumenta à medida que a curva dramática se desenvolve, atinge um ápice, até o mesmo ser resolvido próximo ao final. Isso não é diferente em Um Picasso, texto do dramaturgo norte americano Jeffrey Hatcher (1957-), escrito em 2005, no qual uma agente nazista interroga Pablo Picasso sobre a autenticidade de obras do pintor confiscadas pelo regime alemão as quais farão parte de uma exposição de “arte degenerada” e depois serão destruídas.

Narrativa semelhante tem a peça Diplomacia do francês Cyril Gély, que teve uma bem sucedida versão virtual no início deste ano dirigida por Ricardo Grasson. Nas duas peças os nazistas são os vilões, em uma querem arrasar Paris e na outra pretendem destruir obras de arte; os argumentos de seus antagonistas (um diplomata sueco em Diplomacia e Picasso em Um Picasso) fazem as tramas mudarem de rumo.

Um Picasso ganha ótima montagem do Grupo TAPA numa bem vinda volta do grupo ao palco do Teatro Aliança Francesa. Dirigida com sobriedade por Eduardo Tolentino de Araújo, a peça permite mais uma vez que se comprove os talentos de Clara Carvalho e Sergio Mastropasqua.

Há uma estudada frieza na montagem de Tolentino, fato que se reflete nas interpretações do elenco. Estranha-se, por exemplo, o comedimento do personagem Picasso, homem que na vida real era conhecido por seu temperamento expansivo e até explosivo. A personagem interpretada por Clara Carvalho tem algumas nuances que não cabe detalhar aqui, sob pena de estragar a fruição daqueles que vão assistir ao espetáculo.

O cenário simples que inclui um armário, cabides, cadeiras e uma escrivaninha permanece propositalmente pouco iluminado durante toda a peça e há um jogo de luzes frias fluorescentes ao fundo do palco que, para este espectador, poderia representar a frieza dos nazistas focados na peça, no entanto esta ideia cai por terra quando na cena final, ao som de uma caliente música espanhola, as luzes voltam a se acender. O que elas representam?

Dentro da proposta do encenador, Clara e Mastropasqua têm momentos excelentes em cena, mesmo se submetendo a um gestual que às vezes soa artificial. Atriz e ator, excepcionais que são, brindam o espectador com seus talentos.

Um Picasso é espetáculo obrigatório pelo seu tema e pelo talento de todos os envolvidos, mas em meu modo de ver, não lhe faria mal um pouco mais de paixão.

Um fato relevante é que somos brindados com o programa impresso da peça na chegada ao teatro e isso faz toda a diferença para quem tem nos programas material de reflexão e de pesquisa.

Outro fato relevante foi o encontro, depois de um longo período, com pessoas queridas na entrada e na saída do teatro: Adriana Balsanelli, Renato Fernandes, Maurício Mellone, Carlos Rahal, Edgar Olímpio de Souza, Bruno Perillo, Mônica Rossetto, André Garolli, Lívia Carmona. Nestes tempos difíceis é muito importante celebrar este fato, afinal o teatro é a arte do encontro!

Uma pena que, em função dos protocolos de segurança, Clara, Mastropasqua e Tolentino não puderam aparecer no saguão do teatro após o espetáculo. Sintam-se abraçados e muito aplaudidos!! 

20/08/2021 

Serviço:

Um Picasso

Teatro Aliança Francesa

Rua General Jardim 182 – Vila Buarque. (11) 3572-2379

Estreia dia 19 de agosto, quinta-feira, às 20h.

Ingressoshttps://grupotapa.com.br (VENDAS SOMENTE ONLINE)

Preços: R$40/R$20, quinta e sexta; R$60/R$30 sábado e domingo. 

Temporada: De quinta a sábado, às 20h, e domingo, às 17h. Até 26 de setembro.

 Duração: 80 minutos. Classificação: 14 anos. Capacidade: 52 lugares + 4 PNE. Ar-condicionado. Estacionamento conveniado na Rua Rego Freitas 285.

 

segunda-feira, 16 de agosto de 2021

TEATRO E ENCONTRO DEPOIS DE UM ANO E MEIO

 

No dia 14 de março de 2020 fui ao teatro pela última vez antes do início da pandemia, foi no SESC Vila Mariana para assistir a Farm Fatale, espetáculo francês apresentado na MITsp 2020.

Durante esta pandemia interminável fui ao teatro duas vezes, uma delas para assistir Protocolo Volpone (24/10/2020) (experiência única apresentada no estacionamento do Teatro Arthur Azevedo) e a outra para rever a deliciosa Pescadora de Ilusão (10/12/2020) a convite do GpeteanH e aproveitando para conhecer as incríveis instalações e atividades da Paideia Associação Cultural.

Diante disso foi com muita expectativa que saí de casa neste domingo (15/08/2021) para ir ao Teatro Nair Bello para assistir teatro de verdade (nada contra o teatro virtual que tem oferecido marcantes trabalhos neste 2021, mas que é outra coisa e não teatro).

Não cabe aqui comentar o sensível espetáculo O Último Concerto Para Vivaldi - um dos melhores textos (senão, o melhor) de Dan Rosseto que também dirige a encenação - mas o entorno e o encontro com pessoas queridas que eu não via há muito tempo.

Já no saguão do Shopping Frei Caneca os vi e os abracei “virtualmente”: Arnaldo D’Ávila, Alberto Santoz, Carlos Rahal, Fábio Mrás, Homero Ligeri, Rafael Primot. Dentro do teatro foi a vez do Fabio Câmara e da Kyra Piscitelli e ao final do espetáculo o encontro com o elenco da peça: Amazyles de Almeida, Bruno Perillo e Michel Waisman.

Tanto afeto reprimido e tanta falta de gente de verdade que esses encontros poderiam se tornar uma explosão de emoção, mas as restrições impostas pelos protocolos de segurança como as máscaras e o distanciamento corporal tornaram os mesmos, pelo menos para mim, superficiais e até artificiais. As vontades de dar um abraço apertado, dar um beijo são reprimidas pela sensação de que aquela pessoa querida possa ser o algoz que vai lhe infectar com o vírus da covid.

Foi com essa sensação que saí do Teatro, desci as escadas rolantes do Shopping, subi a Frei Caneca passando pela esquina com a Peixoto Gomide, onde uma multidão de jovens sem máscaras se divertia e se confraternizava aos beijos e abraços. Pois é!

Subi a Augusta. Metrô. Ônibus. Casa.

Ainda quero encontrar toda essa gente querida e abraçá-los muito para compensar essa estranha sensação que tive nesse frio domingo de agosto.

Ainda que virtual, fica aqui um abraço apertado para vocês: Arnaldo, Alberto, Rafael, Carlos, Fábio, Homero, Fabio, Kyra, Amazyles, Bruno e Michel.

UM DIA ELE VAI SER DE VERDADE!! 

16/08/2021

 

domingo, 15 de agosto de 2021

A PAIXÃO SEGUNDO GpeteanH

 

 

QUASE DE VERDADE

José Geraldo Petean, o nosso querido GpeteanH, é um apaixonado pela obra de Clarice Lispector como bem atesta o seu nome artístico.

Gê, por meio de seu grupo Los Lobos Bobos, vem produzindo espetáculos baseados na obra infanto-juvenil de Clarice. Após A Vida Íntima de Laura de 2005 (que não tive a oportunidade de assistir) e a bem sucedida Pescadora de Ilusão (2017), baseada em A Mulher Que Matou os Peixes, ele nos traz agora esse pequeno tesouro intitulado Quase de Verdade. Com certeza vai chegar a vez de ele montar O Mistério do Coelho Pensante, completando assim essa faceta da grande escritora voltada para os jovens.

Como tudo que Clarice Lispector escreveu, Quase de Verdade não é uma obra fácil, permitindo várias leituras e até dando uma verdadeira aula de luta de classes, mas paradoxalmente chega até o espectador, seja ele criança, adolescente ou adulto, de forma leve e lúdica e a encenação assinada a dez mãos por GpeteanH, Petrônio Gontijo, Marco Lima e as atrizes Carol Badra e Débora Duboc só amplia a fruição da obra.

Trata-se de uma produção simples no que se refere a custo, mas tratada com o maior carinho por todos os envolvidos a começar pelos bonecos criados por Marco Lima, cujo ponto alto é o cachorro Ulisses que abana o rabo como ninguém...opa! como nenhum outro cachorro!!! Marco Lima também acumula as funções de diretor de arte, de dramaturgo e de autor do cenário que é poeticamente iluminado por Aline Santini. Some-se a tudo isso a sugestiva trilha de Marcelo Pellegrini que ilustra toda a ação. O toque cinematográfico do espetáculo, tão importante nestes tempos de teatro virtual, é dado por Toni Venturi que dirigiu a filmagem.

As iluminadas Carol Badra e Débora Duboc desdobram-se em todas as personagens da história, ora são Clarice, ora o cão Ulisses, ora uma galinha ou um galo, ora uma nuvem e ainda uma figueira. É ver para crer como a versatilidade dessas grandes atrizes permite que se acompanhe suavemente a intrincada trama, fato fundamental para um espetáculo endereçado às crianças.

Quase de Verdade é uma verdadeira delícia que vai encantar pais e filhos: muito bonito e revolucionário porque o ovo é a revolução, só resta saber se é para engolir o caroço da jabuticaba: Mais uma das eternas perguntas sem respostas de Clarice Lispector!

Uma bem-vinda palestra de GpeteanH intitulada Claricear introduz Clarice Lispector e sua obra para os pequenos e também para aqueles que ainda não conhecem essa também iluminada escritora. 

15/08/2021


Programação e acesso do espetáculo QUASE DE VERDADE

1.    TEATROS:

A peça será apresentada plataforma do YouTube de cada um dos teatros distritais de São Paulo, de 14 de agosto a 12 de setembro aos sábados e domingos às 16h, GRATUITAMENTE e ONLINE:

·          TEATRO ARTHUR AZEVEDO DIAS: 14 e 15 de agosto de 2021

·         TEATRO PAULO EIRÓ DIAS: 21 e 22 de agosto de 2021

·         TEATRO ALFREDO MESQUITA DIAS: 28 e 29 de agosto de 2021

·         TEATRO CACILDA BECKER DIAS: 04 e 05 de setembro de 2021

·         TEATRO JOÃO CAETANO DIAS: 11 e 12 de setembro de 2021

 

2.    CENTRO CULTURAIS:

GRATUITAMENTE e ONLINE:

·         CENTRO CULTURAL TENDAL DA LAPA  Dias: 18 e 24 de agosto de 2021 Horário – quarta e terça às 16h

·         CENTRO CULTURAL PENHA Dias: 25, 26 e 27 de agosto de 2021 Horário – quarta, quinta e sexta às 16h

·         CENTRO CULTURAL VILA FORMOSA  02 e 03 de setembro de 2021  Horário – quinta e sexta às 16h

·         CENTRO CULTURAL GRAJAÚ  Dias: 08, 09 e 10 de setembro de 2021 Horário – quarta, quinta e sexta às 16h 

 

sábado, 14 de agosto de 2021

EM NOME DA MÃE

 

 

        Há cinco anos (2016) Denise Weinberg interpretou O Testamento de Maria do dramaturgo irlandês Colm Tóibin que mostrava uma Maria envelhecida e revoltada após a crucificação do seu filho; agora é a vez de Suzana Nascimento mostrar a sua versão de Maria, a partir do livro do escritor italiano Erri de Luca, no qual o foco é na Maria jovem, pobre, solteira e grávida de, segundo ela, uma aparição (um anjo), conforme explica para seu namorado Yosef (José) na sugestiva cena inicial da peça.

Apesar de ter papel fundamental na história como enfrentar o preconceito por estar grávida de pai desconhecido, gerar e criar com muita dificuldade seu filho que também lhe causou muito sofrimento e dor, Maria aparece sempre como coadjuvante na narrativa cristã escrita por homens, sendo preterida por uma pomba quando se estabeleceu a Santíssima Trindade. Com esse mote e levando em conta sua experiência pessoal Suzana Nascimento escreveu e interpreta Em Nome da Mãe que é um libelo em favor à liberdade e aos direitos da mulher.

Embora tenha formação católica tendo feito catecismo, sido batizado e crismado e até ter carregado andor quando menino de uns doze anos, a vida me afastou da religião e não tenho base para discutir sobre o assunto, mas a figura de Maria (ou Mirian em aramaico, como é chamada na peça) é fascinante na sua trajetória e nas suas múltiplas aparições como tantas Nossas Senhoras que na verdade são uma só, fato que sempre me confundiu quando jovem e na verdade me confunde até hoje. Há um momento emblemático na peça no qual Mirian discute com sua mãe e esta reage a uma afirmação da filha exclamando “Nossa Senhora!!” ao que a filha replica “’Nossa Senhora’ ainda não existe!!”.

Embalada por belíssima trilha sonora de Federico Puppi e dirigida com muita delicadeza por Miwa Yanagizawa a saga dessa jovem Mirian é apresentada de forma poderosa por Suzana Nascimento que se desdobra em outras personagens como o noivo Yosef que é apresentado com muita simpatia, mostrando que o espetáculo apesar de feminista, não é revanchista nem preconceituoso em relação à figura do homem.

Tratando de tema pouco presente em nos nossos palcos, Em Nome da Mãe é espetáculo que merece ser visto.

SERVIÇO

Espetáculo: Em Nome da Mãe

Temporada: de 6 de a 29 de agosto

Apresentações on-line: de sexta a domingo, às 19h.

Plataforma: YouTube Sesc RJ: youtube.com/portalsescrio

Gratuito

Duração: 60 min

Classificação etária: 14 anos 

14/08/2021

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

O JOVEM PAULO JOSÉ

 

No ano de 1962 eu estava no 2º científico e era um jovenzinho de 18 anos “relativamente” alienado, pensando nas namoradinhas e no filme que ia passar na matinê de domingo do Cine Nacional.

Foi então que começamos a ter aulas de português com uma jovem professora pouco mais velha que nós que atendia por Dona Terezinha (mais tarde ela se tornou conhecida como Telê Ancona Lopes). Dona Terezinha foi um oásis naquele deserto de alienação e muito nos incentivou a ler e a fazer teatro.

Dirigidos por um colega de classe, Guilherme de Paula e Silva, montamos Quem Casa, Quer Casa de Martins Pena no qual eu interpretava o gago Sabino que só conseguia se expressar se falasse cantando. Estreamos no teatro do então Colégio Caetano de Campos e em seguida conseguimos uma apresentação no Teatro de Arena e um mundo novo se apresentou para mim.

Ali fui contaminado pela paixão pelo teatro. Fomos várias tardes ensaiar no aconchegante espaço da Rua Teodoro Bayma e por ali circulavam José Renato, Gianfrancesco Guarnieri, o mímico Ricardo Bandeira e Paulo José que batia papo conosco e nos dava algumas dicas. Ele era um jovem (tinha 25 anos) de tez clara, muito bonito e atencioso, com uma voz suave que cativou a todos nós. Na tarde em que fizemos nossa apresentação ele estava presente para nos incentivar e nos aplaudir.

Um ano antes, ele havia chegado do Rio Grande do Sul, estado que, além dele, presenteou nessa época os palcos paulistanos com Fernando Peixoto, Lilian Lemmertz e Paulo César Pereio, entre outros.

 Paulo José participou de vários espetáculos do Teatro de Arena entre os anos 1961 e 1964, sendo inesquecível o seu Calímaco em A Mandrágora (1963), dirigida por Augusto Boal e tendo no elenco, além dele, nada mais nada menos que Isabel Ribeiro, Myrian Muniz, Ary Toledo, Nilda Maria, Gianfrancesco Guarnieri, Fauzi Arap e Juca de Oliveira!!



Com o recrudescimento da censura no início da ditadura militar, Paulo José dedica-se mais ao cinema, muda-se para o Rio de Janeiro onde interpreta e dirige espetáculos, além de atuar na televisão.

Mas eu quero voltar para aquele jovem gaúcho de 25 anos que foi tão gentil com nosso grupo mais jovem e inexperiente e que, de alguma maneira, despertou o meu amor pelo teatro.

Esteja aonde estiver, tenho certeza que os spots continuarão a brilhar para você Paulo José. Descanse em paz. 

12/08/2021

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

TEATRO (PLAY)

 

As peças curtas de Samuel Beckett são um verdadeiro desafio para quem se dispõe a encená-las: Rubens Rusche, Irmãos Guimarães, Fábio Ferreira e Peter Brook que o digam (isso para ficar apenas nos diretores (*) que tiveram algumas dessas peças apresentadas nos palcos paulistanos). É bom lembrar que o desafio de quem encena tem o seu correspondente em quem assiste.

É louvável e muito gratificante presenciar que os jovens do Theatro Technis tenham optado por Teatro (Play), radical peça do dramaturgo irlandês onde duas mulheres e um homem comentam o triângulo amoroso do qual fazem parte. Em um fundo escuro vemos apenas os rostos das três personagens que disparam velozes monólogos e alguns curtíssimos momentos corais durante os 19 minutos que dura a ação. A opção da direção foi mostrar o texto parte em português e parte em inglês o que dá um efeito hipnotizador para o espetáculo, mas dificulta ainda mais o entendimento.

A direção enxuta de Thiago Richter coloca todo o foco na interpretação do elenco e é impressionante a concentração de Marina Giacon, Jéssica Cardia e Luís Guilherme Pereira e suas cristalinas dicções. Todos, diretor e elenco, bastante jovens e muito talentosos.

Traduzida por Teatro, o título Peça também seria interessante, assim como Jogo que na verdade é o que as duas mulheres e o homem fazem o tempo todo.

Exercício de interpretação que resultou em significativo espetáculo teatral que não fica nada a dever àqueles dos diretores citados acima. 

(*) Aquele senhor que eu me recuso a escrever o nome e que foi secretário de cultura do atual (des)governo também montou um espetáculo nesses moldes que contou, por sinal, com a presença de Nathália Timberg. 

Temporada de 30/07 a 15/08. Todos os dias, de segunda à domingo, às 20h, com sessões extras aos domingos, às 16h.

Acesso disponível SÓ no horário de início do espetáculo: https://youtu.be/xFpEIpEERsY  

05/08/2021

 

domingo, 1 de agosto de 2021

CONSTÂNCIA NA 3ª MOSTRA DE TEATRO DE HELIÓPOLIS

 

Antes de escrever sobre, resolvi rever Constância nesta manhã fria do primeiro domingo de agosto. Queria assistir de maneira mais racional, mas não adiantou, o coração voltou a apertar e as lágrimas insistiram em rolar o que não fez com que a indignação deixasse de transparecer nestes meus olhos cansados de presenciar tanta injustiça neste mundo de meu Deus.

Com a razão e a emoção em equilíbrio não hesito em afirmar que Constância é uma obra prima absoluta: texto, direção, interpretação, cenário, iluminação e outros elementos cênicos se harmonizam para gerar um dos espetáculos mais pungentes e belos a que assisti nesta longa trajetória de meio século como espectador.

O espetáculo é uma produção da Eró Criação e Produção do Rio de Janeiro e tem o pé fincado no sertão brasileiro com a seca, os vaqueiros, a boiada, a solidão, a fé e também a descrença.

A dramaturgia de Joana Marinho passeia através de cenas isoladas, mas muito bem costuradas, por todo o universo sertanejo culminando com a saga do boi Rabicho desde a fuga para a liberdade ainda bezerro até a perseguição e a morte, abatido com muitos tiros (“onze tiros e não sei porque tantos”, como diz a canção de Fátima Guedes); clara metáfora à maneira como são tratados muitos negros deste país: “morreu como um cachorro e gritou feito porco, depois de pular igual a macaco”, diz a letra de Aldir Blanco para a melodia de João Bosco.  Enquanto o Brasil tratar os desfavorecidos como boi, a metáfora de Constância continuará válida. Já que estou citando canções é bom lembrar que: “Quem cala sobre teu corpo, consente na tua morte... Quem cala morre contigo” (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos).

Mas nem tudo é sombrio no espetáculo: há uma louvação à vida sertaneja na cena “Até o mar tem vontade de ser filho de sertão” e termina com a chegada da chuva, que é sempre um voto de esperança para o sertanejo.

A ficha técnica indica Joana Marinho com a direção geral, José Alcântara na direção técnica e Stéphane Brodt como orientador cênico. Não posso afirmar, mas acredito que muito da beleza visual do espetáculo se deva a Brotd, haja vista seus belíssimos espetáculos com Ana Teixeira no Amok Teatro. Não há indicação da autoria do belo cenário minimalista com adereços preciosos, nem de quem assina o desenho de luz, também uma preciosidade.

Resta falar das atrizes!!! Que potência de interpretação, que vozes, que gestual! O teatro virtual tem presenteado o espectador de São Paulo com espetáculos e intérpretes excelentes pouco ou nada conhecidos por aqui. Claudia Ribeiro e Joana Marinho interpretam com galhardia e uma energia pouco vista em nossos palcos, além de terem vozes poderosas, dicção perfeita e gestual que merece um capítulo à parte.

Claudia e Joana deixam o espectador de quatro, tal qual o boi!

Ê BOI! 

CONSTÂNCIA é apresentada dentro da 3ª Mostra de Teatro de Heliópolis que encerrou em 31/072021, mas ainda pode ser assistida até a próxima quinta-feira (05/08).

Com curadoria de Alexandre Mate, a Mostra constou também de Caio do Céu (RS), A Casatória C’a Defunta (RN), Portar(ia) Silêncio (SP) e Macacos (SP), todas merecedoras de muitos escritos. Todas elas permanecem disponíveis por uma semana a partir da data de sua exibição.

Acesso: 

http://ciadeteatroheliopolis.com/mostra2021/ 

01/08/2021